Câmbio leva indústrias da soja a parar em plena safra
O Brasil está perdendo competitividade em relação ao seu maior rival, a Argentina
Debruçados sobre gráficos, tabelas e projeções, executivos da multinacional Bunge Brasil se reúnem nos próximos dias em sua sede, no Centro Empresarial de São Paulo, para decidir o fechamento temporário de duas das 19 esmagadoras de soja que tem no Brasil. São as unidades de Campo Grande (MS) e Ourinhos (SP). "Ainda não há nada decidido, mas o assunto está na mesa porque a queda do dólar, que era conjuntural, passou a ser estrutural e está reduzindo tremendamente nossas margens de esmagamento", diz Adalgiso Telles, diretor de comunicação corporativa e marketing institucional da empresa.
O Brasil está perdendo competitividade em relação a seu maior concorrente sul-americano, a Argentina. Enquanto o real se valorizou 32,2% em relação ao dólar entre 2004 e o início deste ano, o peso ficou 3,2% mais competitivo diante da moeda americana.
"Indústrias estão fechando as portas em plena safra de soja, coisa que eu não via há pelo menos 10 anos", diz Carlo Lovatelli, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).
Não é só o câmbio que está afligindo as esmagadoras de soja. Gargalos logísticos e a Lei Kandir, que desde o final dos anos 90 privilegiou as exportações de matérias-primas (soja em grão) em detrimento de produtos acabados (farelo e óleo) também são apontados como fatores que estão pesando na decisão dos empresários.
No final de fevereiro, foi a vez da Archer Daniels Midland (ADM) encerrar as atividades de sua fábrica em Uberlândia (MG). A volta está marcada para a próxima semana, informa sua assessoria de imprensa, e foi motivada por manutenção. Causou estranhamento, no entanto, que a parada tenha sido feita no pico da colheita da safra de soja. Estima-se que 17% da safra, de 56,3 milhões de toneladas, tenha sido colhida até a semana passada, informa a consultoria Safras & Mercado.A Caramuru Alimentos, que tinha planos de construir uma esmagadora de soja em Ipameri (GO), um investimento de R$ 60 milhões, suspendeu o projeto por tempo indeterminado. "As margens de esmagamento estão caindo ano a ano o que, aliado ao problema cambial, reduziu muito o interesse no negócio", diz Cesar Borges de Souza, executivo da empresa. Ele diz que os planos podem ser retomados somente no próximo ano.
Efeito da Lei Kandir
Desde a entrada em vigor da lei, em 1996, as exportações brasileiras de grãos, que representavam 12% do comércio mundial, saltaram para 35% no ano passado. Na contramão, o market-share das vendas de farelo encolheu de 47% para 35% no mesmo período e o de óleo, de 44% para 31%, informa a Abiove.
"A lei tinha a melhor das intenções, mas deveria haver ressalvas para setores como a soja. Com a lei, os exportadores têm mais incentivo para vender a soja em grão. Na Argentina, a exportação do grão é sobretaxada em 3,5%, enquanto a do farelo e óleo é isenta", diz Lovatelli.
Ele lembra que no ano passado as fábricas que fecharam as portas definitivamente representavam 8% da capacidade instalada brasileira, de 130 mil toneladas diárias. Já as cerca de 10 unidades que estão parando temporária ou definitivamente neste ano representam outros 15% da capacidade industrial.
No final do ano passado, por exemplo, a Bunge fechou definitivamente as unidades de esmagamento de soja de Cuiabá (MT) e São Francisco do Sul (SC). A empresa também encerrou por tempo indeterminado as atividades de sete de suas 35 fábricas de fertilizantes no Brasil. "Temos US$ 1,3 bilhão em investimentos programados para o período 2005-2009. Parte poderá ser suspenso caso a situação cambial persista", diz Telles.