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Cientistas apontam erros em artigo sobre transgênicos e câncer

Próprio estudo mostra que ratos alimentados com mais milho modificado morreram menos



Próprio estudo mostra que ratos alimentados com mais milho modificado morreram menos

O artigo científico publicado no último dia 19 e divulgado como prova de que o milho transgênico pode acelerar o aparecimento de tumores em ratos está sendo questionado pela comunidade científica, que aponta erros metodológicos e de análise do estudo. O principal deles é que os ratos que foram alimentados com os maiores teores de milho transgênico e do herbicida glifosato apresentaram mortalidade menor do que os animais do grupo de controle, que foram alimentados com milho não transgênico.

O estudo “Toxicidade em longo prazo de um herbicida Roundup e de um milho geneticamente modificado tolerante ao Roundup” foi realizado pelo grupo publicado na revista Food and Chemical Toxicology no último dia 19. O principal autor do trabalho é o fundador do Comitê de Pesquisa e Informação Independente sobre Engenharia Genética (Criigen), grupo contrário ao uso da engenharia genética que apoiou o estudo.

Segundo Marcelo Gravina de Moraes, Ph.D. em Fitopatologia e Biologia Molecular e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), os grupos de ratos alimentados com os menores teores de milho transgênico foram os que apresentaram maior mortalidade, “de forma que não é possível fazer nenhuma relação entre a transgenia e o aparecimento de tumores”.

Nos grupos alimentados com maior quantidade de milho transgênico, a mortalidade prematura foi até menor do que no grupo de controle. Entre os 10 ratos machos que não comeram milho transgênico houve três mortes prematuras. No grupo em que 11% da ração era de milho transgênico foram cinco mortes, mas entre aqueles alimentados com 22% de milho transgênico houve apenas uma morte prematura. “Os resultados não foram conclusivos porque houve erros metodológicos, e com os mesmos dados se poderia alegar que o milho transgênico reduziu o risco de morte”, conclui a bióloga Lúcia de Souza, secretária executiva da Iniciativa para a Pesquisa Pública e Regulamentação (PRRI, na sigla em inglês).

Além do problema com as conclusões tiradas a partir dos dados coletados, os cientistas apontam erros na própria captação e apresentação desses dados estatísticos. Moraes ressalta que os ratos do grupo de controle foram alimentados com 33% da dieta baseada em milho não transgênico, enquanto que os ratos alimentados com grãos transgênicos comeram diferentes níveis de milho em sua ração: 11%, 22% e 33%. “Isso é uma aberração. A única conclusão a que esse estudo poderia chegar é a de que alimentar os ratos com 33% de milho é melhor do que com 11% ou 22%”, diz ele.

Lúcia, da PRRI, alerta ainda que a espécie de rato utilizada já é propensa a desenvolver tumores, sobretudo depois de mais velhos. “O grande risco desse artigo é induzir as pessoas a pensar que o milho transgênico causa câncer, o que não é verdade”, concorda o pesquisador Eduardo Romano, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

Por fim, os três cientistas criticam a falta de dados brutos importantes no artigo publicado. Uma das informações não divulgadas é a variedade de milho não-transgênico utilizado na alimentação dos ratos. “Todas as comparações precisam ser feitas entre tipos de milho isogênicos, ou seja, nos quais a única diferença é a presença da transgenia”, diz Moraes. Sem essa informação, é impossível saber se o milho não-transgênico utilizado não tinha teores diferentes de componentes como lisinas e outros nutrientes, que podem afetar os resultados.

Romano, da Embrapa, lembra também que o artigo não afirma se foram feitos testes toxicológicos no milho antes de eles serem dados aos ratos, e quais foram os resultados dessas análises. “Se parte do milho tiver sido contaminada por fungos, podem surgir micotoxinas que são reconhecidamente causadoras de tumores”, exemplifica ele.

A relação entre a alimentação com o herbicida glifosato e o surgimento de tumores também não pôde ser comprovada, segundo Romano. “Os ratos receberam o herbicida na água, o que já é extremamente questionável, e mesmo assim houve três mortes prematuras no grupo de controle e apenas uma no grupo que recebeu o maior teor de glifosato”, critica.

Repercussão internacional

O Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB) também compilou algumas declarações de especialistas internacionais que criticaram o assunto. Confira:

Tom Sanders, chefe de pesquisa em nutrição do Kings College de Londres, afirmou em entrevista que a cepa de rato usada pela equipe francesa é propensa ao desenvolvimento de tumores com o avanço da idade, especialmente quando recebem comida ilimitada ou milho contaminado por um fungo comum que causa desequilíbrio hormonal. De acordo com o pesquisador, não há dados sobre esse estudo que apontem os alimentos ingeridos ou testes para o fungo no milho. Além disso, a equipe francesa não apresentou testes estatísticos padrões, necessários para verificar se os resultados representam uma variação aleatória ou podem ser considerados significativos. “Os métodos estatísticos são pouco convencionais e ao que parece os autores investiram em uma pesca de informações”.

Anthony Trewavas, da Universidade de Edimburgo, Reino Unido, acrescentou que, em qualquer estudo, para apresentação de dados estatísticos, deve haver o mesmo número de controles (ratos que recebiam alimentação padrão) e de testes (ratos alimentados com o milho transgênico e com o herbicida). “Havia apenas 20 ratos no grupo de controle e 80 no de teste; sem esses controles adicionais estes resultados não têm nenhum valor” diz Trewavas.

Michael Bruce Eisen, da Universidade da Califórnia, concorda que o estudo foi mal concebido. “É injustificável o número reduzido de animais”.

Kevin Folta, biólogo molecular de plantas na Universidade da Flórida, analisou que a ocorrência de tumores não aumentou em linha com a dose de milho transgênico na alimentação dos animais, como seria de se esperar para atestar que o milho geneticamente modificado realmente foi o culpado pela doença. Ainda, segundo ele, “é provável que a variação na incidência de tumores seja normal em uma pequena população de ratos”.

Henry I. Miller, diretor-fundador do Departamento de Biotecnologia do Food and Drug Administration (FDA) e membro da conservadora Hoover Institution, na Universidade de Stanford, disse que os estudos com animais mais estreitamente relacionadas com os seres humanos têm demonstrado a segurança de tais culturas.

Bob Goldberg, professor da Universidade da Califórnia e membro da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, questionou as conclusões do estudo, uma vez que não há pesquisas anteriores que tenham sinalizado preocupações semelhantes. Testes como este já foram feitos antes, com mais rigor, e não houve nenhuma evidência de efeitos adversos dos alimentos GM sobre a saúde. “Não há um cientista sério que trabalhe na área de genética de plantas e que tenha feito um trabalho sério nos últimos 15 ou 20 anos que não considerariam essas culturas perfeitamente seguras”, afirmou Goldberg.
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