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Crise argentina abre espaço para avanço do trigo no Uruguai

Cenários: Política de restrições da Casa Rosada levou alguns agricultores a optarem pelo plantio no vizinho


Buenos Aires - A queda da produção agropecuária argentina abriu espaços para o vizinho Uruguai, a partir de movimentos que começaram no segmento de carne bovina e são verificados também no trigo. O menor país do Mercosul mais do que duplicou a colheita do cereal na safra 2008/09 e caminha para aumentar ainda mais suas vendas do produto em todo mundo, com a ajuda dos próprios argentinos. Muitos produtores da Argentina estão atravessando o Rio da Prata para plantar, já que o cultivo na terra natal perdeu rentabilidade.

A Argentina sempre foi, de longe, o maior provedor do trigo que os brasileiros consomem. Mas neste ano a safra argentina quebrou e o governo brasileiro já foi avisado oficialmente que não há excedentes exportáveis. Resultado: o Brasil tem que comprar trigo de outros países. A produção uruguaia não supre as necessidades do Brasil mas já é uma ajuda, como definiu uma fonte do governo brasileiro. Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), o Brasil importou 5 milhões de toneladas de trigo em grãos em 2008/09, para uma demanda doméstica total de 11,2 milhões de toneladas.

A boa notícia para o Brasil é que, graças ao aumento da produção nacional - alimentada por subsídios, programas de incentivos e bons preços -, o volume importado foi 44% menor que na safra anterior, quando o país comprou no exterior 7,2 milhões de toneladas de um consumo total da ordem de 11 milhões de toneladas.

A produção de trigo do Uruguai, historicamente em torno de 700 mil toneladas por safra, este ano está projetada em 1,4 milhão toneladas. O consumo interno está estável em cerca de 400 mil toneladas. Nos cinco primeiros meses de 2009, os uruguaios exportaram para o Brasil 428 mil toneladas, quase 200% mais que as 88 mil do mesmo intervalo de 2008.

Também o Paraguai está elevando as vendas de trigo para o Brasil (345 mil toneladas de janeiro a maio), que mesmo do Líbano vem comprando mais, ainda que em pequenos volumes (7,8 mil toneladas, 551,46% acima de igual período do ano passado). Mas as perspectivas de produção no Paraguai, por exemplo, não tão são promissoras, já que a terra e o clima no país são pouco propícios ao cereal.

A tendência é que, quando a produção argentina se recuperar, o Brasil volte a concentrar as compras de trigo de seu principal sócio no Mercosul, já que o produto é de melhor qualidade e mais barato, considerando-se o frete e a isenção da Tarifa Externa Comum do Mercosul (TEC). De qualquer outro país que o Brasil compre trigo fora do Mercosul, paga 10% de TEC. Mas o Uruguai faz parte do Mercosul.

Do lado uruguaio, a realidade é diferente. Sem retenções às exportações nem controle de preços, como na Argentina, os agricultores estão investindo fortemente em tecnologia e a produção de grãos só não cresceu mais porque o país também sofreu com a estiagem, assim como o Brasil e o Paraguai.

De acordo com dados da diretoria de Pesquisas e Estatísticas Agropecuárias do Ministério da Agricultura uruguaio, a área plantada com trigo pulou de uma média de 150 mil hectares nas últimas quatro safras até 2006 para 193,4 mil já na safra 2006/07. Em 2007/08, a área plantada pulou para 245,3 mil hectares, e no ano passado para 460 mil. Para 2009/10, o governo uruguaio prevê 550 mil.

José Maria Elorza Soto, diretor de Estudos Agroeconômicos da Associação Rural do Uruguai (ARU), confirma que o aumento da área plantada responde ao maior investimento dos produtores, estimulados por preços que, é verdade, estavam melhores antes do agravamento da crise global, em setembro. "O que determina [a intenção de aumentar a produção] é o preço futuro", afirma Elorza Soto. Desde setembro, a tonelada do trigo na bolsa de Chicago caiu de um patamar de US$ 220 (os picos históricos foram dois meses antes) para US$ 192 no início do segundo trimestre de 2009. Recentemente, voltou para entre US$ 220 e US$ 230.

Segundo Elorza Soto, o crescimento da produção uruguaia não se limita ao trigo e, na realidade, a maior expansão foi com a soja. Houve uma entrada importante de argentinos por meio de "pools" de plantio. "A maioria arrenda campos", diz, acrescentando que os argentinos começaram a chegar às áreas de Colônia, Rio Negro e Paissandu (mais próximos à fronteira) e agora rumam para o centro.

"O Uruguai não tem o clima tão bom para o trigo como outros países, mas se olhamos o rendimento médio, de 3 toneladas por hectare, está acima do argentino, de 2,5 toneladas, e do Brasil, onde a média é um pouco menor que a da Argentina", analisa Marcos Guigou, sócio da ADP Agronegócios Del Plata, empresa associada ao grupo argentino Los Grobo para o cultivo de grãos no Uruguai.

A colheita do trigo da Argentina na safra 2008/09 foi de 8,4 milhões de toneladas, 49% menor que a do ano anterior. É a menor colheita em 20 anos. Segundo produtores e especialistas, a derrocada é resultado da combinação de dois fatores: a seca e a falta de uma política. A seca que atingiu as terras onde se concentra a produção do país nas Províncias de Buenos Aires, La Pampa, Córdoba e Santa Fé, foi a pior em 50 anos. Começou no fim de 2008 e se estendeu até o mês passado, comprometendo também o plantio da safra 2009/10.

A falta de estímulos do governo, com controles de preços internos e restrições às exportações, colaborou, segundo os produtores argentinos, para a queda da rentabilidade da cultura, que por sua vez provocou uma redução dos investimentos em tecnologia e, consequentemente, no rendimento das lavouras, complicando ainda mais o cenário.

Nas últimas estimativas da Bolsa de Cereais de Buenos Aires, a área de plantio de trigo na Argentina em 2009/10 será de 2,75 milhões de hectares, 40% menos que na safra anterior e menor área em 100 anos. As exportações, que já recuaram de 7 milhões de toneladas em 2007/08 para 2 milhões no ciclo passado, não existirão. A produção atenderá apenas às necessidades domésticas.

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