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Desmistificando a agricultura familiar

Com o apoio de programas governamentais, produtores investem em maquinário


Rivalidade entre “agricultura familiar X empresarial” é um campo de batalha ideológico. Atividades não são concorrentes, ambas têm seu espaço garantido na contribuição ao desenvolvimento do País
Em um país com a extensão territorial do Brasil, quase toda a definição corre o risco de ser generalista e não explicar o cerne da questão. É o que acontece com o termo agricultura familiar. No imaginário coletivo, principalmente de quem não tem relação direta com o campo, o pequeno produtor é o jeca tatu, capiau, camponês, etc.

Para esclarecer os diferentes pontos de vista sobre o tema, na semana passada, a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (USP/ESALQ) promoveu o seminário “Desmistificando a Agricultura Familiar no Brasil”. Até 1995, o governo brasileiro tratava a agricultura como uma coisa só. Mas naquele ano os pequenos agricultores foram contemplados com uma política específica com a criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, o Pronaf.

Onze anos depois, no governo Lula, o programa ganhou forças com a lei 11.326/2006, que aperfeiçoou os conceitos e diretrizes voltadas à formulação de políticas públicas para a agricultura familiar e empreendimentos rurais familiares. “No começo, o Pronaf se restringia a crédito, mas depois se tornou mais abrangente”, explica a professora Marly Teresinha Pereira, que foi secretaria executiva do Pronaf no Estado de São Paulo em 2007 e 2008.
 
Inicialmente o Pronaf foi gerido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), mas hoje está sob a competência do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e abrange públicos distintos: silvicultores, aquicultores, pescadores, extrativistas, comunidades quilombolas, etc. Segundo o último censo agropecuário, o de 2006, a agricultura familiar abrange um universo de 4,37 milhões de estabelecimentos rurais.

Desse total, 2 milhões de agricultores têm a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP). Em outras palavras, eles preenchem os seguintes requisitos: área de até quatro módulos fiscais; utilizar mão de obra familiar, em caso de empregados, o máximo permitido são dois; morar na propriedade ou próximo dela; ter uma renda bruta anual de até R$ 110 mil.

Ideologia

Mas de onde vem essa imagem do Jeca Tatu? “Temos um milhão de famílias rurais em situação de pobreza. Cada um classifica como quer, se a pessoa tem preconceito pode dar este nome, mas na verdade são agricultores pobres”, diz Hur Bem Corrêa da Silva, assessor técnico do Departamento de Assistência Rural do MDA.

“São o que eu chamo de agricultores e subsistência, os que estão fora do mercado e recebem bolsas compensatórias: bolsa família, etc”, diz Marly. A outra parte, pouco mais de um milhão, está na fase de transição, começando a se consolidar como agricultores mais viáveis economicamente.

Essa nuance do setor muitas vezes confunde as pessoas e as levam à dicotomia: agricultura familiar X agricultura empresarial. “Esse campo de batalha é ideológico e acontece no âmbito das lideranças sob o aspecto político e partidário”, diz Marly. “Eles não são concorrentes: o agro empresarial tem seu espaço garantido pela contribuição ao desenvolvimento econômico do País e a agricultura familiar também”, diz Silva.

Quanto à tecnologia, as duas vêm se mecanizando a medida do possível. A grande diferença está na gestão da propriedade. Na agricultura familiar, a família toca o seu negócio. “Ela pode fazer investimentos que nem sempre são lucrativos, mas o faz em função de necessidades familiares”, diz Silva. Já na agricultura empresarial, a lógica é a do mercado.

Questionamentos

A evolução dos beneficiários do Pronaf é fato. No entanto, como toda política pública, há alguns questionamentos. Um deles foi levantado pela academia. “A lei fala em agricultores rurais, mas há muitos produzindo em áreas urbanas e periurbanas”, diz Marly. Outro adendo é na restrição de dois empregados. “Isso deveria variar de atividade para atividade. O agricultor familiar que produz flores precisa de mais de dois funcionários”, completa Marly.

Para Edivando Soares de Araújo, pescador em Barra Bonita (SP), a burocracia é o principal entrave. “Precisamos ter a carteira de pescador para poder pescar. Na minha comunidade, tem pescador que mandou renovar há seis meses e não está pronto”, diz. Já para o índio Anildo Lulu, produtor de mandioca da região de Bauru, “a dificuldade é acessar o recurso, porque no passado, alguns índios pegaram crédito, mas não tiveram assistência técnica, não produziram e não pagaram”.

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