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Disputa judicial coloca dezenas de lavouras do Matopiba em risco

Em Formosa do Rio Preto, no Oeste da Bahia, produtores estão animados com a próxima safra, mas não tem muitos motivos para comemorar


O produtor Horácio Shuji Hasegawa teria muitos motivos para celebrar o ciclo 2016/17. Embora ainda esteja na fase de plantio, o tempo está colaborando e as perspectivas são boas. Depois de três anos consecutivos de perdas nas lavouras de soja e milho, finalmente ele volta a sonhar com uma safra cheia. No entanto, Horácio não está tão feliz assim.
A propriedade dele, em Formosa do Rio Preto, no Oeste da Bahia, assim como as de outros produtores rurais da região –, teve a matrícula cancelada por causa de um processo de litígio agrário que corre no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Há alguns anos, um reclamante, José Valter Dias, entrou na Justiça afirmando ser dono de 340 mil hectares na região. E dentro desta área está a lavoura de quase 2 mil hectares de Horácio Hasegawa.

Entre os prejuízos causados pelo processo, o produtor - vindo de Goioerê, no Norte do Paraná - diz que o crédito é um dos que mais pesam. Ele conta que, ao tentar prorrogar a quitação de um empréstimo teve o pedido negado por causa da atual situação cadastral. E ainda corre o risco de ficar inadimplente. “É uma situação que nos deixa constrangido”, lamenta.

Horácio Hasegawa está no oeste baiano desde 1984. Ele afirma ter comprado a propriedade em 1987, através do Programa Nipo-Brasileiro de Cooperação para o desenvolvimento dos cerrados (Prodecer II), que assentou produtores na região. “Quando chegamos, não tinha nada aqui. Tivemos que abrir estradas. Eu produzi apenas 18 sacas de soja por hectare no primeiro ano. Era tudo cerrado”, lembra. O programa era uma parceria entre os governos do Brasil e do Japão. “Quando eu comprei as terras, fiz tudo certo. Fui ao cartório. Tenho escritura e tudo”, conta. “O governo da Bahia, inclusive, prometeu estrada e energia, na época”. Apenas a estrada chegou: as propriedades de Formosa do Rio Preto ainda precisam usar diesel para garantir o fornecimento de energia.

Processo

Atualmente, 300 famílias de produtores rurais vivem em clima de apreensão devido ao litígio agrário. Elas dependem de uma decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que continuem mantendo a posse de suas terras. O processo foi parar no CNJ, após a justiça baiana questionar a origem das áreas adquiridas e centenas de trâmites judiciais nas últimas décadas. “Quando era apenas cerrado, ninguém queria isso aqui. Agora a situação mudou”, ironiza Hasegawa, que neste ano plantou 1,5 mil hectares de soja e 200 ha de milho.

Os produtores rurais da região dizem que o corregedor nacional, ministro João Otávio de Noronha, manteve a posse das terras. Mas o processo ainda está em andamento e vai passar por um julgamento final. O tema já chegou a entrar na pauta das sessões do CNJ por várias vezes, mas sempre teve sua análise adiada. O desfecho da história deve ser conhecido apenas no ano que vem, pois o judiciário entra em recesso nos próximos dias.

Em nota divulgada na semana anterior, a Associação dos Produtores Rurais da Chapada das Mangabeiras (Aprochama), que representa as famílias de Formosa do Rio Preto, diz que as terras produtivas de pequenos e médios agricultores são reconhecidas pelos agentes financiadores e por todos os projetos e programas de agricultura do Estado, e que, juntos, eles geram cerca de 1.050 empregos diretos. E que dos 340 mil hectares em discussão, 251,5 mil hectares estão produzindo, principalmente em lotes da Aprochama, Coaceral, Novo Horizonte e Sul Colonização, todas em Formosa do Rio Preto.

João Carlos Santos Novaes, advogado de José Valter Dias, foi contatado pela reportagem na semana passada. Ele disse que não tem autorização para repassar informações sobre o processo. “Infelizmente não posso dar detalhes porque o processo, meu cliente não me autoriza a passar informações. Nós estamos lutando contra o grande capital, somos a parte pobre da história, e por isso nós preferimos nos silenciar”, declarou.

Por enquanto, o paranaense Horácio Hasegawa só tem o que lamentar, apesar da safra esperada. “Nós que desbravamos este lugar. Viemos para cá na cara e na coragem. Ajudei a abrir essas terras com meu Ford 1988, que tenho até hoje. Precisamos de uma solução”, desabafa.

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