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Entrevista: Agricultura familiar sustentável

A agricultura familiar tem o desafio de se adaptar aos novos tempos de preocupação com o meio ambiente


Agricultura familiar sustentável mantém equilíbrio com o meio ambiente

Responsável por empregar 75% da mão-de-obra no campo e pela segurança alimentar dos brasileiros – produzindo 70% do feijão, 87% da mandioca e 58% do leite consumidos no País –, a agricultura familiar tem o desafio de se adaptar aos novos tempos de preocupação com o meio ambiente.
 
Questões polêmicas como o código florestal e as áreas de preservação permanente foram abordadas na entrevista que Arnoldo Campos, diretor de Geração de Renda e Agregação de Valor da Secretaria da Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário, concedeu ao Monsanto em Campo.

O que é considerado agricultura familiar sustentável e qual é a sua importância?

Ela é importante para o país na medida em que exerce várias funções estratégicas. Podemos destacar a produção de alimentos diversificados e saudáveis em grande quantidade, em todo o País, e a geração de postos de trabalho e renda de forma massificada e dispersa no Brasil.

Campos: “É possível aumentar a produção de
alimentos a partir da própria floresta”


O censo Agropecuario 2006, feito pelo IBGE, retratou pela primeira vez a agricultura familiar. Qual é a importância disso?

Anteriormente falava-se da importância da agricultura familiar a partir de deduções de dados secundários, inclusive dos censos anteriores. Mas o levantamento direto do IBGE, com a abrangência que tem o censo, a credibilidade da instituição e a objetividade dos dados, permitiu divulgar para a sociedade a verdadeira importância do segmento. Com os dados, ficou evidente que, se você quer gerar emprego, a agricultura familiar é a melhor alternativa, pois gera muito mais postos por unidade de área. Se pretendermos gerar mais riqueza, também ficou claro que a agricultura familiar gera mais valor por unidade de área.

Para os gestores públicos, os atores sociais e econômicos, os dados permitirão um conhecimento maior da realidade do setor rural, da agricultura e do meio ambiente, melhorando assim as suas capacidades de planejamento e gestão.

Como se consegue o equilíbrio entre a sustentabilidade e o crescimento agrário. A agricultura familiar seria uma saída? Por quê?

Sem dúvida. O presente já vem determinando a necessidade de equilibrar as questões sociais, ambientais e econômicas, e o futuro vai impor isso. A agricultura familiar é uma ótima alternativa, pois o seu modo de produção e de vida é mais fácil de converter a esses valores, até porque boa parte deles já vem sendo, de alguma forma, incorporados.

Como produzir mais alimentos e preservar o meio ambiente ao mesmo tempo?

Aproveitando todas as nossas possibilidades. O Brasil tem uma variedade enorme de plantas e espécies nativas. Além disso, temos uma agricultura muito forte. Isso nos torna capazes de sustentar nossas necessidades nutricionais e colaborar com as do mundo. Não tem o menor sentido não aproveitar isso. E, infelizmente, ainda não aproveitamos de forma expressiva. É possível aumentar a produção de alimentos a partir da própria floresta em pé. Isso está muito claro. Não tem porque ancorar uma estratégia de segurança alimentar em poucos produtos e monocultivos. Isso não é inteligente.

Agora estamos percebendo, como sociedade, que esse não é o melhor caminho e que podemos aumentar a produção preservando e recuperando nossa biodiversidade. E como consequência dessa opção, desenvolvemos novas linhas de frente nas disputas pelos mercados, por meio de diferenciações e inovações.

O Código Florestal atual é tido por muitos como uma barreira para a agricultura. Ele favorece ou desfavorece diretamente ao agricultor familiar? De que maneira?

A questão da agricultura e o meio ambiente precisa ser atualizada. Não é viável, em plena era de aquecimento global, mudanças climáticas, falta de água potável, fim da era do petróleo etc., que setores do campo tenham menos responsabilidade ambiental. Isso é um contrassenso. Isso é um tiro no pé e trabalha contra a imagem do País e da produção agrícola, tão importante para a economia. Os mercados estão sinalizando claramente que querem produtos com responsabilidade social e ambiental. Por isso acredito que, para a agricultura familiar, é muito benéfica uma legislação que permita trabalhar a produção de forma equilibrada com o meio ambiente, interagindo positivamente. Ela pode valorizar a produção do segmento, que é mais diversificada, e poderá ter, na própria biodiversidade, novas fronteiras econômicas para sua expansão.

Uma boa relação com a biodiversidade nos permitirá trabalhar novos produtos para a indústria alimentícia, de cosméticos, medicinal, química e energética. Então não devemos temer ajustes em favor do meio ambiente, eles nos favorecerão perante o mundo.


A Lei n° 11.326, aprovada em 2006, determina os critérios para identificar a agricultura familiar e ampara a sustentabilidade ambiental. De que forma a assistência técnica ajuda os pequenos produtores?

Esse é um tema muito importante. Agricultura familiar e tecnologia têm tudo a ver. Produzir com equilíbrio e qualidade requer boas práticas. Nesse sentido, a assistência técnica passa a ser tema estratégico, e o Estado deve se preocupar com isso. Ao contrário dos anos de 1990, quando se trabalhou pelo desmantelamento de toda uma estrutura de serviços de assistência técnica, atualmente é necessário recolocar o tema na ordem do dia nos diferentes níveis de governo e das próprias empresas e cooperativas. A implantação de sistemas produtivos sustentáveis requer tecnologias de ponta e, só com uma boa rede de serviços, poderemos melhorar isso.

Os produtores têm de desenvolver o trabalho artesanalmente, segundo a Lei. Por que não podem ter acesso às vantagens que a biotecnologia oferece?

O que a lei estabelece são critérios de enquadramento que preveem o trabalho majoritário da família. O Governo Federal tem batido recordes anuais de investimentos na agricultura familiar. O Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) financia o acesso à tecnologia, seja por meio de investimentos ou do custeio das lavouras. Nossa prática é de, justamente, aumentar o acesso às tecnologias. Temos adotado critérios de zoneamento, políticas de seguro de clima e preço. Todas levam em conta a adoção mínima de padrões tecnológicos de produção, custo e produtividade.

Políticas como a da agricultura familiar tendem a favorecer a agrobiodiversidade. De que forma essa agrobiodiversidade é sustentável?

Produzindo, comercializando, gerando empregos e promovendo o crescimento do País e, ao mesmo tempo, preservando e recuperando nossos bens ambientais.

Como a agricultura familiar resgata e reavalia o conhecimento das tecnologias dos trabalhadores rurais?

Um equívoco do passado era acreditar que os produtores precisavam somente de transferência de tecnologia. Em conseqüência, todo o conhecimento do agricultor, todo o conhecimento tradicional foi ignorado. As respostas tecnológicas muitas vezes vieram inadequadas, ineficientes e ineficazes para amplas parcelas da agricultura familiar. Buscar, resgatar, valorizar, respeitar, entender os conhecimentos dos agricultores familiares, sejam eles colonos, extrativistas, pescadores, ribeirinhos, quilombolas, indígenas, comunidades tradicionais, é muito importante.

Como a agricultura familiar promove o uso eficiente dos recursos locais?

Diversificando. Produzir, extrair, processar, prestar serviços, entre outras atividades permitem mais equilíbrio ambiental e menos pressão sobre os recursos naturais, na medida em que parte deles remunera o produtor. São quase 5 milhões de estabelecimentos, 13 milhões de trabalhadores, 40% do VBP (Valor Bruto da Produção). Tudo isso em 24% da área. O segmento produz quase 90% da mandioca, dois terços das carnes de frango e suíno, 56% do leite, metade do milho, 40% do café. Os trabalhadores da agricultura familiar formam a maior categoria de trabalhadores do Brasil. Isso pouca gente sabe. Geralmente se pensa em uma atividade urbana, mas a maior categoria de trabalhadores do país está no setor rural.

O senhor defende o Seguro Clima. Como funcionaria e de que maneira ajudaria o agricultor?

A atividade agrícola está sujeita a fatores externos ao planejamento. Existe um risco e, felizmente, ele pode ser calculado com alguma margem de segurança. Então é justo que o governo constitua ferramentas que permitam gerenciar melhor o risco climático, permitindo que a produção fique estável e o produtor não quebre ou fique inadimplente.

O setor ruralista defende a redução, no Código Florestal, da Reserva Legal. Qual é a sua opinião sobre o tema? Caso diminua, isso não promoveria mais devastação dos biomas brasileiros? Por quê?

A questão cobertura vegetal é importante. Nós “depenamos” amplas áreas e regiões. Isso é um dado. Temos de recuperar isso por vários motivos. A sociedade está cobrando, a gestão ambiental atual já está causando danos diretos às nossas populações. Outros países estão acostumados a tormentas, terremotos, furacões etc., mas os brasileiros estão vendo certos episódios pela primeira vez.

Os zoneamentos têm de ser revisados anualmente. Regiões que antes produziam, hoje não produzem mais, causando danos, depreciando ativos. Sobre tudo que é dito, a necessidade de cobertura vegetal é vital para viabilizar a gestão sustentável dos recursos naturais. Também está claro que ela é vital no entorno de ativos, como a água, as terras, etc. Pergunte isso para os gestores das hidroelétricas. Ou seja, a conta de luz mais baixa nas grandes cidades depende de manter e ampliar a eficiência da nossa hidroelétrica. A questão da Reserva Legal não pode, em hipótese alguma durante a sua revisão, resultar em redução da cobertura vegetal, quando o mundo todo está cobrando a recuperação dessas áreas.

Para se ter mais produção é preciso desmatar? Não há como se ter uma produção agropecuária mais intensiva, utilizando as áreas já devastadas? Por quê?

No nosso entendimento, não. O próprio Censo Agropecuário mostrou uma redução de mais de 30 milhões de hectares na área ocupada pelos estabelecimentos agropecuários. Isso decorreu da incorporação de áreas para reservas indígenas, preservação e uso sustentável. Mesmo assim, aumentamos nossa produção de forma muito expressiva. Com uma visão de uso sustentável, as áreas de preservação e de serviços ambientais vão aumentar a sua contribuição na formação da riqueza.

Muitos ruralistas dizem que é preciso haver pagamento para preservar os biomas. Qual a sua opinião?

Os agricultores familiares, os extrativistas, as comunidades tradicionais, os indígenas e os pescadores prestam efetivamente serviços ambientais e podem prestar muito mais. Os honorários por esses serviços são necessários para o desenvolvimento dessa atividade como uma função remunerada pela sociedade. Precisamos desenvolver, urgentemente, os mecanismos para essa remuneração. Acho até que, se os grandes produtores efetivamente prestarem serviços ambientais, poderiam também contar com alguma remuneração ou prêmio.

Cerca de 18% do desmatamento da Amazônia são devidos a assentamentos do Incra que, em grande parte, são destinados à agricultura familiar. Na sua opinião, por que a agricultura familiar gera desmatamento? Como evitar isso?

Existe uma indústria de desmatamento que atua sobre todas as classes sociais. Empresas, gestores públicos, judiciário, política etc., todos esses segmentos podem ter indivíduos prestando serviços para essa indústria. Então, é possível que uma fração de agricultores familiares, de alguma forma, acabe se ligando a essa indústria. O que temos certeza é que isso é uma minoria e que está justamente próxima de onde essa indústria é mais forte.

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