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Estudo busca resistência à doença da folha amarela

A doença é uma das principais pragas da cana-de-açúcar no Brasil


Foto: Divulgação

A doença da folha amarela, uma das principais pragas da cana-de-açúcar no Brasil, é causada por um vírus resistente ao tratamento térmico transmitido pelo pulgão Melanaphis sacchari. Uma plantação infectada só pode ser salva com o cultivo de mudas em cultura de tecidos no laboratório e o plantio, um processo demorado que requer infraestrutura e pessoal especializado. Segundo um grupo de cientistas que há muito estuda o problema, a forma mais eficaz de controlar a doença é desenvolver variedades resistentes ao vírus da folha amarela da cana-de-açúcar. 

Cientistas das universidades Estadual de Campinas (UNICAMP), Universidade Estadual Paulista (UNESP) e institutos estaduais de pesquisa em agronegócios (Instituto Agronômico de Campinas - IAC, Instituto Biológico - IB) do estado de São Paulo, Brasil, e do Equador ESPOL Polytechnic, usaram a genômica, machine learning e a estatística para refinar e acelerar a busca por marcadores moleculares de resistência à doença. 

O grupo descobriu que as variedades resistentes são principalmente tipos de cana-de-energia, com maior teor de fibra e menor teor de açúcar do que a cana convencional e, portanto, mais adequadas para a produção de etanol celulósico ou de segunda geração, embora pelo menos uma seja adequada para açúcar ou convencional produção de etanol - tanto que acaba de ser lançado comercialmente pelo IAC.

Os pesquisadores avaliaram 97 genótipos de cana-de-açúcar, incluindo germoplasmas silvestres de Saccharum officinarum, S. spontaneum e S. robustum, clones tradicionais de cana-de-açúcar e energia e variedades comerciais desenvolvidas por programas de melhoramento brasileiros. "Analisamos a resistência de cada uma dessas variedades à doença da folha amarela. O objetivo era associar a resistência a doenças com características genéticas. Usamos vários marcadores moleculares diferentes, que são variações de DNA, implantando sequenciamento de última geração para acessar essas informações", disse Ricardo Pimenta, doutorando do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da UNICAMP.

As variedades foram selecionadas pelo programa de melhoramento de cana do IAC. A maior parte fez parte do programa, mas também houve exemplares da Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento da Indústria Sucroalcooleira (RIDESA) e do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC). “A coleção foi representativa da variabilidade da cana brasileira, tanto plantada quanto utilizada no cruzamento para produção de outras variedades”, disse Anete Pereira de Souza, professora do Departamento de Biologia Vegetal do Instituto de Biologia da UNICAMP e coordenadora de projetos do CBMEG . 

Os sintomas da doença da folha amarela da cana-de-açúcar geralmente aparecem nas fases posteriores do desenvolvimento da planta. O principal sintoma é o amarelecimento intenso da nervura central das folhas. A doença altera a eficiência fotossintética, bem como o metabolismo e transporte da sacarose, prejudicando o crescimento e a produção.

Métodos

Segundo Pimenta, o artigo descreve um procedimento experimental nunca antes tentado. “A equipe do IAC plantou parcelas experimentais e ao mesmo tempo criou pulgões em plantas já infectadas pelo vírus. Os pulgões foram então liberados nas plantações não infectadas e monitorados em um processo controlado de inoculação e infecção. Estudos anteriores usaram uma abordagem semelhante, exceto que eles plantaram a cana e deixaram-na para ser infectada naturalmente, por assim dizer, em um processo de inoculação menos controlado. " 

A carga viral foi medida por reação em cadeia da polimerase quantitativa com transcrição reversa (RT-qPCR). “Usamos a PCR para quantificar o vírus em todo o conjunto de variedades de cana analisado”, explica Pimenta. A gravidade da doença foi avaliada pela observação da intensidade do amarelecimento das folhas e outros sintomas, que muitas vezes podem ser evasivos. 

Para estabelecer associações entre resistência a doenças e características genéticas, os pesquisadores usaram técnicas genômicas, aprendizado de máquina (um procedimento de inteligência artificial baseado no reconhecimento de padrões), seleção de características e métodos de associação marcador-característica.

"O que normalmente encontramos em estudos de associação genômica são marcadores que influenciam fortemente o fenótipo [características observáveis]. Isso é um problema porque você não consegue encontrar os outros que têm menos influência no fenótipo. A seleção de recursos captura marcadores que influenciam o fenótipo em um sentido mais restrito, por isso usamos a técnica para rastrear marcadores moleculares de forma mais eficiente ", disse Alexandre Hild Aono, também pesquisador do CBMEG. 

O aprendizado de máquina foi usado para construir um modelo que predisse se uma variedade era resistente ou suscetível ao vírus, dados os marcadores genéticos especificados. "Para fazer isso, os algoritmos primeiro têm que classificar os marcadores como 'altamente importantes' ou 'menos significativos' para fins preditivos. A questão, portanto, era esta: se o sistema avalia certos marcadores muito, eles também influenciam o fenótipo? Nossa investigação confirmou isso foi realmente o caso ", disse Aono. “Combinamos as várias metodologias e conseguimos filtrar e selecionar os marcadores com maior potencial para influenciar a configuração da doença diretamente, embora eles possam não ser especialmente visíveis [em termos de influenciar o fenótipo]”. 

Um dos objetivos do estudo, lembrou Souza, era comparar os resultados das técnicas metodológicas para verificar se convergiam. “Encontramos um conjunto maior de marcadores com a metodologia proposta, mas também foi validado por estatísticas tradicionais. Eles se comunicam e, ao usá-los em associação, conseguimos obter um conjunto de dados muito mais amplo para análise e uma base mais rica para melhoramento genético ", disse ela.

A equipe multidisciplinar atingiu um nível de detalhamento sem precedentes neste estudo, ela acrescentou: "Comparamos as metodologias e demonstramos a eficiência e a necessidade de usar uma abordagem estatística mais refinada. Nada na literatura sugere que alguém já tenha feito esse tipo de análise, ou criou os pulgões, infectou as plantas e mediu a carga viral com PCR quantitativo. Os resultados servem de base e guia para pesquisas futuras, contribuindo para um melhor entendimento do mecanismo molecular envolvido na doença ”.

O estudo foi financiado pela FAPESP por meio de bolsa de mestrado e bolsa de doutorado direta concedida a Pimenta; uma bolsa de doutorado direta concedida a Aono; e uma bolsa de pós-doutorado concedida a Carla Cristina da Silva, outra co-autora do artigo. 

Resistência a doenças

Segundo Pimenta, as plantas genuinamente resistentes, que não manifestam sintomas ou acumulam carga viral, representam uma pequena proporção do total. "Poucas são realmente resistentes. A maioria das plantas não apresenta sintomas, mas acumula carga viral, o que acaba se tornando um problema porque o patógeno está lá sem que o produtor saiba. Nossas descobertas podem ajudar a eliminar variedades suscetíveis, bem como variedades tolerantes, que acumula carga viral sem apresentar sintomas e pode se tornar um reservatório viral ”, afirmou, destacando que o principal desafio no melhoramento genético é selecionar as melhores variedades sem perder muita variabilidade. 

Muitas variedades resistentes são representantes da cana-de-energia. “Eles têm um ancestral 'selvagem' recente que é mais resistente a doenças, então esse resultado não é uma surpresa. Mas também descobrimos mais variedades comerciais que se mostraram resistentes, e essas são mais interessantes. Uma delas, IACSP04-6007, provou que sim prometendo que acaba de ser lançado pelo programa de melhoramento do IAC ", disse Pimenta.

Além desta, as seguintes variedades também foram consideradas mais resistentes à doença da folha amarela (sem sintomas e com carga viral baixa): IACBIO241, IACBIO257, IACBIO266, IACBIO270, IACBIO271, IACBIO273, IACBIO275, IACBIO279, IACCTC 05-3616, IACSP04 2510, IACSP98-5046, IJ76293, IN8482, IN8488 e Krakatau.

Pimenta também destacou a importância dos genes associados aos marcadores identificados. "Alguns dos exemplos mais marcantes incluem o gene para uma peroxidase, uma enzima previamente associada à resistência a esta doença ; o gene para uma Dicer, uma enzima muito importante no mecanismo de resposta viral das plantas; e vários genes contendo repetições ricas em leucina amplamente envolvidos nas respostas imunológicas das plantas aos patógenos ", disse ele.

* com informações do Phys.org

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