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Flores made in Ceará

Novas áreas para cultivo e exportação estão surgindo por meio de investimentos e de pesquisas


Elas estão por toda a parte. Em arranjos decorativos, jardins ou vasos dispostos pelo interior da casa. Seu simbolismo e sua beleza são celebrados desde o início da história humana. Não há quem resista a um belo ramalhete. Flores, aliás, são um presente que nunca sai de moda. Esse é o aspecto sentimental da floricultura.
Do ponto de vista econômico, a produção de flores possui duas características relevantes que geram uma alta rentabilidade: ela pode ser desenvolvida em pequenas propriedades e seu produto tem elevado valor agregado. Engana-se quem pensa que as rosas são a única opção para quem quer comprar flores ou iniciar seu próprio negócio. O setor é bastante dinâmico. Variedade e novidade são suas palavras-chave. Graças a sua imensa biodiversidade, o Brasil leva vantagem nesses dois quesitos.

Além disso, novas áreas para cultivo e exportação estão surgindo por meio de investimentos e de pesquisas. O semiárido nordestino é uma delas. Gerar renda e emprego por meio do cultivo de flores temperadas e tropicais no bioma caatinga parecia uma missão improvável há bem pouco tempo. Hoje, essa atividade tornou-se uma realidade bastante lucrativa. O Ceará produz rosas, gérbera, áster, helicônia, antúrio, crisântemo e uma infinidade de plantas ornamentais. Em termos de exportação, a participação da floricultura cearense saltou de US$ 825, em 1996, para US$ 3,2 milhões, em 2010, com um pico de US$ 4,9 milhões, em 2007. O Estado é responsável por 11,4% do valor arrecadado pela produção brasileira de flores para exportação, ficando atrás apenas de São Paulo (66,5%).

O Ceará possui atualmente cinco territórios com potencial para produção de flores no norte e ao sul do Estado, passando pela Região Metropolitana de Fortaleza. São eles: Território Metropolitano José de Alencar, Território Baturité, Território Cariri, Território Vales do Curu e Aracatuaçu e o Território Ibiapaba.

Um diagnóstico elaborado pelo Instituto Agropolos do Ceará revela que o Estado possui um papel de destaque no que se refere à produção de flores em escala nacional, tanto as de clima temperado quanto as de clima tropical. Seguem, abaixo, alguns indicadores:

Rosas: 1º lugar nas exportações brasileiras
Bulbos, tubérculos vegetativos, em flor: 1º lugar nas exportações brasileiras
Bulbos, tubérculos, rizomas: 2º lugar nas exportações brasileiras
Outras flores e seus botões e folhagens, folhas e ramos, frescos: 3º lugar nas exportações brasileiras

O mesmo documento enumera alguns fatores como responsáveis por esses bons resultados: três mil horas de sol por ano, com ausência de granizo e geadas; ecossistemas distintos, proporcionando o cultivo de grande variedade de espécies; rápido retorno do capital empregado; proximidade com os principais países importadores e um aeroporto internacional com câmara refrigerada.

Aposta

O engenheiro Eudoro Santana era o secretário de Agricultura do Ceará em 1987. Naquela época, relembra, duas alternativas econômicas para o Estado passavam por sua cabeça: fruticultura e floricultura. Enquanto a primeira atividade teve uma boa recepção e o programa desenvolvido pelo governo tornou-se bem-sucedido, a segunda atividade foi alvo de resistências. “Havia uma descrença geral na produção de flores em escala comercial no Ceará. Pensava-se que a floricultura seria somente para lugares de clima frio e com altitude elevada. Não houve receptividade, mas fiquei pensando naquilo”, afirma.

Anos depois, Eudoro Santana adquiriu algumas mudas e montou um experimento com flores em uma propriedade no município de Maranguape. Em 1995, ele obteve a primeira produção em larga escala de crisântemos em vasos. De lá para cá, novas variedades foram incorporadas e o negócio nunca mais parou. “Na verdade, não se produzia flores aqui porque não havia tecnologia. Fomos experimentando, testando. Foi um grande aprendizado”, explica.

O Governo do Estado só começou a investir mais fortemente no setor de flores em 1999, com o lançamento do Programa Cearense de Agricultura Irrigada (Proceagri), sob o comando do então secretário de Agricultura, Carlos Matos. Consultores estrangeiros foram contratados para capacitar os floricultores a fim de repassar as melhores técnicas de cultivo. Com mais recursos, a atividade passou a se profissionalizar ainda mais. Os resultados vieram pouco depois. A área de plantio saltou de 19 hectares, em 1999, para 160 hectares cultivados, em 2003.
 
Conforme dados da Agência de Desenvolvimento do Ceará (Adece), o biênio 2002/2003 marca uma guinada nas exportações, quando o valor obtido com a produção de flores mais que dobrou de um ano para outro: de US$ 443 mil para US$ 1,1 milhão.

No mercado interno, um dos passos decisivos para a comercialização das flores foi a conquista de espaço em uma grande rede de supermercados na Capital. Temendo prejuízos, a gerência impôs uma condição: o que não fosse vendido seria devolvido. Santana revela que, no início, o percentual de devolução era de 60%. Aos poucos, no entanto, o índice foi diminuindo e a aceitação do novo produto aumentando. “Tivemos coragem em assumir essa proposta. Como o mercado de flores em Fortaleza ainda é pequeno, a solução é diversificar os produtos. Cultivamos atualmente entre 30 e 40 espécies de flores e plantas ornamentais”, revela Eudoro.

Desafios

Ampliar o mercado consumidor certamente é um dos grandes desafios para o setor de floricultura. Dados do Instituto Brasileiro de Floricultura (Ibraflor) revelam que a média anual de consumo de flores e plantas ornamentais no Brasil é de US$ 10,00 por pessoa. A média europeia é de US$ 70 por habitante por ano. Os recordistas são a Noruega, com US$ 143 habitante/ano, e a Suíça, com gastos de US$ 170 anuais por pessoa. “Na Europa, as pessoas compram flores na feira e nos supermercados, juntamente com a alimentação. É algo cultural”, relata Eudoro Santana.

A crise econômica mundial também afetou o mercado de flores. Nos dois últimos anos, o Ceará vem registrando queda no valor de suas exportações. O câmbio elevado e a logística inadequada são apontados como causas. Para os analistas, no entanto, a perspectiva para os próximos anos é de otimismo. A floricultura no Brasil movimenta anualmente cerca de US$ 1,1 bilhão. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, o valor deve aumentar com o incremento no número de construções como hotéis, prédios comerciais, áreas verdes e condomínios tendo em vista a realização dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo.

Pesquisa auxilia mercado de flores

As pesquisas com flores são recentes no Brasil. A primeira cultivar de ornamental no país – o antúrio Astral – foi produzida há menos de 15 anos, pelo Instituto Agronômico, em Campinas (SP). No Ceará, A Embrapa Agroindústria Tropical foi uma das pioneiras em ações nessa área. A Unidade realizou, em 1994, o primeiro curso de sensibilização para pesquisadores. Nos anos seguintes, foram tomadas outras medidas fundamentais para a consolidação da pesquisa em floricultura, algumas delas a partir de uma uma solicitação do Governo do Estado.
Naquela época, o mercado cearense de flores dependia essencialmente de produtores de São Paulo e de Pernambuco para o fornecimento de mudas e plantas. Em 1997, um estudo realizado pela Embrapa Agroindústria Tropical, em parceria com o Sebrae, traçou um diagnóstico acerca da atividade, até então ainda muito incipiente. O “Perfil Tecnológico da Floricultura na Região do Maciço de Baturité”, nome dado ao levantamento, revelou que, na região de maior tradição no cultivo de flores no Ceará, os cultivos eram feitos de forma muito artesanal. As práticas eram as mesmas aplicadas no cultivo de fruteiras e hortaliças, não havendo um manejo específico para flores.

De acordo com o perfil tecnológico, as poucas espécies que eram cultivadas no Estado, principalmente as flores tropicais, não apresentavam competitividade quando comparadas a produtos de outras regiões, haja vista sua “baixa qualidade e oferta irregular”. Segundo o pesquisador da Embrapa Agroindústria Tropical, Fred Carvalho Bezerra, um dos autores do estudo, isso se devia à pouca capacitação dos produtores, que não dispunham de informações técnicas adequadas para a condução dos cultivos.

Segundo Fred Bezerra, foi a partir de um projeto bancado com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) que o cultivo das flores passou a ser encarado de forma mais técnica. A partir desse primeiro financiamento, os pesquisadores puderam realizar experimentos para definir metodologias para a produção de mudas de flores tropicais e adaptar as tecnologias de produção de flores tropicais e não tropicais existentes para as condições da Região Nordeste. Para José Luiz Mosca, pesquisador da Embrapa Agroindústria Tropical, as microrregiões do Ceará permitem produzir quase todas as espécies de flores. “Temos o frio para o cultivo da rosa e o calor para o cultivo das flores tropicais. Esse é um grande fator a nosso favor”, explica.

Para que isso ocorra, no entanto, acrescenta Mosca, diversas adaptações têm de ser feitas à medida que novas espécies são incorporados pelos produtores. “A Embrapa foi apontando algumas soluções, gerando um conhecimento a mais sobre cada cultura. A partir desse conhecimento, acabamos nos tornando uma referência sobre o assunto. Prova disso é a nossa participação na Câmara Nacional de Flores e na Câmara Setorial de Flores”, observa.

Ainda de acordo com José Luiz Mosca, a experiência bem-sucedida do Ceará pode ser reproduzida em outros estados. Cursos, seminários e serviços de assistência técnica já foram realizados em Tocantins, Pará, Amazonas e Piauí. “O mercado de flores é muito dinâmico. Você não tem um ano para produzir sua pesquisa. Você tem de responder prontamente aquele problema que surge. Por causa disso, trabalhamos em ligação direta com o produtor. Temos um contato muito próximo”, garante.

Abacaxi ornamental

O protocolo de propagação in vitro do abacaxi ornamental (Ananas comosus var. erectifolius) é uma das mais bem-sucedidas experiências de integração entre pesquisa e mercado. Para tanto, adotou-se o processo convencional, por rebento (broto). Tal método, no entanto, trazia uma série de limitações, como a quantidade de mudas produzidas e a qualidade do material.

Uma pesquisa desenvolvida pela Embrapa Agroindústria Tropical desenvolveu uma metodologia para a multiplicação das mudas de abacaxi ornamental se dava via clonagem. Os resultados não tardaram a chegar. Segundo a pesquisadora Diva Correia, o novo método permitiu a produção de plantas mais sadias e uniformes. O protocolo para produção em larga escala do abacaxi ornamental foi publicado em 2006. A criação de jardins clonais, a partir da multiplicação in vitro do abacaxi ornamental, possibilitou a exportação do produto para países como Holanda, principal pólo irradiador da floricultura no mundo, Alemanha, Portugal e Estados Unidos.
A pesquisadora da Embrapa Agroindústria Tropical, Ana Cristina Portugal, demonstra de forma clara as diferenças entre o modo tradicional de cultivo e a micropropagação. “Quando se utiliza a micropropagação, o rendimento médio do abacaxi ornamental é de 500 a 1.000 mudas por matriz. Pelo método convencional, a média não passa de oito mudas por matriz”, compara.

As pesquisas com o abacaxi ornamental prosseguem, tendo em vista a busca por novos mercados. A Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical (Cruz das Almas-BA) é a única instituição de pesquisa que possui um programa de melhoramento genético do abacaxi ornamental, visando ao lançamento em breve no mercado de novas variedades, tanto para o mercado interno quanto para o externo.

PI Flores

Com a criação da Produção Integrado de Flores (PI Flores), José Luiz Mosca espera que as boas práticas de produção e o conceito de rastreabilidade sejam disseminados entre os floricultores. O programa foi lançado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e é coordenado pela Embrapa. O programa PI Flores prevê a adoção de normas mais avançadas de cultivo, monitoramento de pragas e doenças, utilização racional da água e análises de impacto ambiental.

Essas normas estão sendo submetidas a consulta pública. Até maio deste ano, o Marco Legal deverá ser publicado, contendo as principais determinações da PI Flores. Com a medida, o setor entrará em um nova fase de desenvolvimento. “A política de um selo governamental de certificação está sendo adotada no mundo todo. Isso é uma exigência atual do mercado internacional. Não serão mais aceitas certificações de empresas particulares, mas sim a que é feita pelo próprio País. Isso dará uma vantagem competitiva ao produtor nacional que adotou as normas da PI Flores, pois os seus concorrentes terão de passar por uma nova certificação”, explica José Luiz Mosca.

De acordo com o pesquisador, o PI Flores certifica a propriedade como um todo e não apenas o produto. Atualmente, o programa está presente nos estados do Ceará, São Paulo, Pará, Alagoas, e, ainda este ano, no Rio Grande do Norte. “O PI diminui o custo de produção, aumentando a margem de lucro do floricultor. Além disso, a certificação abre mercados”, destaca.

Perspectivas

De olho na velocidade do setor, algumas tendências já podem ser observadas. Uma delas é o retorno do cultivo de rosas perfumadas. As flores tropicais, como antúrios e helicônias, cada vez mais ganham espaço entre os consumidores. Do ponto de vista do produtor, o cultivo de folhagens - ou seja, as plantas que acompanham as flores nos arranjos - pode representar um nicho promissor, segundo o engenheiro agrônomo Alexandre Maia Alves, do Instituto Agropolos. As folhagens representam até 60% de um arranjo floral e possuem um ciclo rápido de produção.

Em outra frente, a da inovação, uma pesquisa desenvolvida pela Embrapa Agroindústria Tropical está estudando a viabilidade econômica do cultivo de flores e plantas ornamentais no litoral cearense. Conforme Fred Bezerra, experimentos têm sido realizados nesse sentido, a partir do uso de telados, com resultados favoráveis. Uma unidade de observação foi montada no município de Paraipaba (CE) para o cultivo de helicônias.

O substrato, um composto usado nos vasos em que são cultivadas as plantas, também merece uma atenção especial do pesquisador. “Atualmente, cada produtor faz sua mistura. Queremos estabelecer um padrão, pois essa mistura nem sempre é eficaz e ainda agride a natureza. Eles têm de respeitar o meio ambiente e serem eficaz do ponto de vista técnico. Queremos produzir substratos a partir de materiais regionais, porque é mais econômico”, afirma Fred Bezerra. Resíduos agroindustriais, como a casca de coco, estão sendo testados.

Exemplo de persistência

As instalações básicas para dar início ao cultivo de rosas podem custar até R$ 1 milhão. No entanto, com muito menos recurso, mas bastante esforço, é possível montar seu próprio negócio no ramo das flores. E ganhar um dinheirinho, claro. A história de Idelfonso Cosmo, 30, é exemplar, nesse sentido. Residente em Pacoti (CE), ele trabalhava como camareiro em um hotel. Por intermédio de dois professores da escola em que estudava, tomou conhecimento da produção de flores. Esse foi o ponto de partida para uma guinada que mudou a vida dele.
Após pedir as contas no hotel, Idelfonso comprou um terreno no alto do morro com o dinheiro da indenização e passou a produzir samambaias. A distribuição era feita por meio de carona em um caminhão que ia para Fortaleza, de onde seguia de ônibus para atender os clientes. Da samambaia, Idelfonso passou pelas ásters (flor bastante usada em buquês) até chegar aos crisântemos, cujos arranjos são comuns em funerais e velórios. No recomeço, obter informações sobre o plantio era uma tarefa árdua. “Quando eu comecei com o crisântemo, há oito anos, não tinha ninguém pesquisando essa planta. O mercado era fechado. Comecei a plantar sem saber de nada, mas com todo o cuidado”, relata.

Uma doença conhecida popularmente como ferrugem arruinou a plantação e ele teve de reiniciar do zero. Desta vez, contudo, foi bem sucedido. Idelfonso Cosmo conta hoje com seis empregados e fatura por mês cerca de R$ 2 mil de salário com a venda das flores. Perguntado sobre o motivo da mudança da áster para o crisântemo, o produtor responde em tom de brincadeira: “A áster vende muito bem no fim do ano e em casamento. Mas depois do carnaval, só vende mais para decoração. Crisântemo, não. Dá pra vender o ano todo. Morre gente todo dia”.

As informações são da assessoria de imprensa da Embrapa Agroindústria Tropical.

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