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Focos de queimada sobem mais de 300% em São Félix/PA

O município lidera o ranking de focos de calor no Pará


Nem o ar pesado e a fumaça que dificulta a visão estimulam os produtores rurais do sul do Pará a abandonar o fogo como “ferramenta de trabalho”. Ninguém se diz culpado pela recente escalada nos índices de focos de calor na região de São Félix do Xingu, no sul do Pará.

Dados mais recentes do satélite NOAA 15, usado como referência pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apontam que o município lidera o ranking de focos de calor no Pará. Em agosto, até o dia 20, São Félix do Xingu teve 1.073 registros de possíveis queimadas. Em 2009, no mesmo período, haviam sido 274 - um aumento de 358%.

Pequenos produtores de São Félix do Xingu apontam para suas próprias áreas queimadas e acusam os grandes pecuaristas de iniciar o fogo.

Os grandes, também com pastos marcados por labaredas, dizem que o problema se alastra a partir de lotes de colonos, acampamentos de sem-terra e assentamentos da reforma agrária. A fiscalização, que poderia esclarecer a questão, é inexistente. Ninguém é punido.

Segundo a CPT (Comissão Pastoral da Terra), a maior parte dos processos judiciais abertos contra autores de queimadas no município acabou engavetada e prescreveu. As multas, mesmo as milionárias, são ignoradas.

SECA

O fogo poupa tempo e dinheiro de quem pretende abrir novas áreas de mata ou “limpar” pastagens da vegetação nativa. “A gente passou um sufoco danado”, diz José Macedo da Cruz, 56 anos, enquanto trabalha para impedir o avanço de uma frente de fogo que quase destrói sua casa.

Vizinho de grandes pecuaristas, o lavrador aponta para uma grande área de pastagem queimada no outro lado da estrada: “Começou lá”.

Iniciativas de ONGs tentam incentivar formas alternativas de produção e geração de renda que não necessitam do manejo sazonal do fogo. Mesmo essas áreas, no entanto, acabaram sendo atingidas por frentes de fogo nos últimos dias.

O pecuarista José Wilson Alves Rodrigues, presidente do sindicato de produtores rurais, afirma que “quase nenhum grande queimou neste ano”. “Os maiores focos estão nos assentamentos”.

INVASORES

À frente do maior projeto de criação de gado a pasto no Brasil, a Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, que tem como sócio o banqueiro Daniel Dantas, detém mais de 500 mil hectares na região.

A empresa confirmou a ocorrência de “diversos” focos em suas áreas, mas os atribuiu a “ações criminosas de invasores”: “A Santa Bárbara não usa fogo para manejo de pastagem”.

Para o presidente do sindicato rural, pequenos e grandes só irão parar “se ficarem com medo”. “No ano passado, o Ibama e a Força Nacional ficaram aqui até o final da seca e ninguém queimou. Neste ano, a região ficou abandonada. Deu no que deu”, diz.

>> Município não tem brigadistas do Ibama

Líder de focos de calor no Pará e o segundo maior município do Estado em território, São Félix do Xingu não dispõe de brigadistas do Prevfogo (divisão do Ibama que combate incêndios florestais).

Até o ano passado, segundo o coordenador estadual, Antônio Balderramas, havia 12 brigadistas e quatro carros de prontidão no município.

Atualmente, o órgão mantém seus 285 brigadistas em outros dez municípios do Estado, nenhum em São Félix.

Um dos motivos, segundo o coordenador, são as dimensões “continentais” do Pará. “Não podemos estar em todos os lugares”, diz. O município tem 8,4 milhões de hectares, o equivalente a quatro Sergipes.

Outra razão seria a constatação de que os focos do município atingem principalmente pastagens e florestas em regeneração dentro de áreas privadas. Nesses casos, diz o Ibama, o órgão só atua a pedido do Estado ou do município.

>> “Cultura do fogo” torna difícil a mudança de hábito

“De que adianta eu não colocar fogo se, no final das contas, minha área acaba queimada do mesmo jeito?” A pergunta é do sitiante Ineildo Dourado, 55, diretor de uma associação que reúne 38 pequenos produtores de cacau e hortaliças da região de São Félix do Xingu.

Segundo ele, fogos iniciados em grandes pastagens fizeram estragos em pelos menos cinco áreas de cultivo. “Este é um município rico. Só que muitos não gostam de respeitar a lei. E as autoridades não fazem questão”.

Outro sitiante, João Tiago Freire Barbosa, 42, também contabiliza estragos causados por um incêndio que invadiu sua propriedade e destruiu 2.500 pés de cacau.

O caso dele, porém, poderia ser definido como “fogo amigo”. “Meu pai, que é meu vizinho, cedeu uma área para um conhecido fazer lavoura. Na primeira chance que ele teve, botou fogo”, conta.

Da área de roça para a plantação de cacau, o fogo seguiu rápido. Barbosa, um dia antes, havia terminado de pagar o financiamento do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). “Fizemos o possível para salvar a plantação, mas o prejuízo foi grande. Minha mulher até chorou”.

PROJETO

Na ONG Adafax (Associação para o Desenvolvimento da Agricultura do Alto Xingu), a ambientalista Celma Gomes de Oliveira coordena projetos que estimulam culturas perenes (cacau, açaí e pimenta), que não dependem de fogo.

Os projetos, com financiamento internacional, chegam a mil pequenas propriedades. Celma diz que o trabalho tem de superar questões financeiras e culturais.

“O pequeno também queima, porque não tem recursos para comprar equipamentos e precisa abrir pasto. Mas existe também uma cultura do fogo, que, principalmente nos mais velhos, é difícil mudar. Nosso foco, por isso mesmo, são os jovens”.

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