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Insegurança limita potencial da produção de leite em 50%

Atual cenário do mercado de leite é diferente de dez anos atrás



O atual cenário do mercado de leite no Brasil é muito diferente daquele de dez anos atrás, quando o País conseguiu equilibrar os números da produção e demanda. Sem planejamento e com o despreparo do País em exportar o excedente, a primeira sobra de produção significou queda no preço e gerou desconfiança entre os pecuaristas. O baque provocou mudanças de rumo que afetaram as principais regiões produtoras, a exemplo da do Oeste, a maior bacia leiteira do Paraná. A região produz em média um bilhão de litros por ano, mas poderia facilmente elevar essa soma em pelo menos 50%.

Mesmo com os indicativos de que as coisas não estão bem, o governo não consegue adotar políticas que possam reverter o problema, segundo o consultor José Manuel Mendonça. A produção nacional é de 32 bilhões de litros por ano, mas o consumo interno chega aos 40 bilhões. No mundo, a produção gira em 600 bilhões de litros, cerca de 15% abaixo da demanda. Com a política certa, o Brasil teria fôlego, em poucos anos, de voltar a ser autossuficiente, de exportar e de suprir parte da carência sentida no mercado internacional.


                           
   Um animal com boa aptidão leiteira, com produção média diária de 35 litros, não sai por menos de R$ 7 mil


Desconfiado

Mesmo com o crescimento anual médio de 5% na demanda no mercado interno, o pecuarista não se sente suficientemente animado para voltar a investir. Embora o preço esteja elevado ao consumidor, para o produtor ele mal cobre as despesas. “A margem de lucro nos municípios do Oeste é de 10%. É pequena e, diante dos enormes riscos que a atividade apresenta, é fácil entrar no vermelho e fechar o ano com prejuízo”, segundo José Manuel. Nas gôndolas, o leite longa vida é vendido entre R$ 1,50 a R$ 3.

É possível restabelecer a confiança dos principais elos da cadeia produtiva e fazer com que as produções regional e nacional cresçam. Os caminhos para a mudança estão na definição, por parte do governo, de uma política consistente e séria de estimulo ao setor. Além de apoio para melhorar a qualidade genética do rebanho, são necessárias linhas de financiamento ainda mais atraentes para a modernização da atividade e segurança quanto à garantia de compra do excedente.

Hoje, o mercado internacional está ao alcance de poucos laticínios, que são justamente aqueles que exigem na recepção de produto de qualidade superior, que investem em tecnologias e que têm condições de fazer o rastreamento do produto. Outro desafio que precisa ser vencido é o de uma prática que especialistas do setor consideram equivocada por parte da indústria. Elas costumam falar em tendência de baixa de preço e de sobra de produto, o que na maioria das vezes não é verdade. Esse é um jogo que fazem para ampliar a margem de lucro. No entanto, os resultados dessa mentalidade são ruins à cadeia e às próprias empresas, que poderiam operar com volumes ainda maiores.

Há ainda no cenário um sério desequilíbrio entre o valor do litro do leite e o dos insumos, diz o pecuarista há 13 anos, Genivaldo dos Reis. “Os volumes de aumento são muito diferentes e, ao contrário dos insumos, o preço do leite costuma recuar”. Dono de um plantel de 34 vacas em lactação, com média de produtividade de 23 litros, Genivaldo não investe mais na atividade em função das incertezas que o setor gera. “O cenário é delicado e a margem de erro é mínima”.

“Hoje não temos garantia para nada”

Pecuarista com muitos anos dedicados à atividade leiteira, Eudes Capelletto não percebe dias melhores para o setor pelo menos no médio e no curto prazos. “Não temos garantias para nada, porque o governo que aí está não tem nenhuma visão e nenhuma credibilidade”.

A pecuária de leite é um ramo delicado, conforme Eudes, justamente em função do frágil equilíbrio entre o preço pago ao produtor e os custos para tocar a atividade.Apesar de investir em genética e em tecnologias, parte dos pecuaristas amarga prejuízos nos últimos anos. “Em 2014, de agora em diante é que espero ter um pouco de retorno”, conforme Eudes, que já chegou a produzir 25% a mais do que hoje. “A redução, entre outros fatores, está associada à falta de uma política de apoio e de preços consistente para o setor. Como vou ampliar a atividade se não sei quanto vou receber”, questiona ele.

O preço médio do litro pago ao produtor na região é de R$ 1,14 o litro. A margem de lucro é de 10%, mas para compensar e devolver a confiança aos pecuaristas deveria ser, de forma constante, de pelo menos 20%. O problema, segundo Eudes, é que os custos da atividade são muito altos. Uma boa vaca leiteira, com produção média de 35 litros por dia, não custa menos de R$ 7 mil. “Com o desafio de produzir em grande escala, é fundamental contar com boa genética, tecnologia e pessoas comprometidas”, segundo o pecuarista Ibrahim Faiad, ex-secretário nacional de Política Agrícola.

A possibilidade de retorno na atividade nessa última década está fortemente associada, além do profissionalismo, a uma boa dose de sorte. “Qualquer erro ou imprevisto faz com que a conta não feche no fim do mês”, diz Eudes. Os pecuaristas convivem também com outro complicador, a dificuldade de encontrar bons profissionais para trabalhar na propriedade. Gente até tem, mas o nível de qualificação é baixo. A valorização dos salários, impulsionada nos últimos anos, não ocorre na mesma proporção, pelo menos por parte do governo, na melhoria da produtividade.

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