CI

O sertão agroa é assim

Numa área formada pelas zonas de cerrado de Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia, culturas de soja, milho e algodão cada vez mais se misturam à paisagem


Paranaenses e gaúchos foram os pioneiros. Agora é a vez de investidores estrangeiros desbravarem uma das regiões que mais crescem no campo: o Mapitoba, área de cerrado nos estados de Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia.

No imaginário popular, o sertão nordestino é o lugar da seca, da terra inóspita e da miséria. Datam do final do século 19 os relatos do escritor Euclides da Cunha, autor de Os Sertões, sobre a aridez e a pobreza dos rincões do Nordeste. Mais de um século depois, ainda há muita pobreza. Porém, num bom pedaço do sertão nordestino, o cenário está mudando. Numa área formada pelas zonas de cerrado de Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia, culturas de soja, milho e algodão cada vez mais se misturam à paisagem. Apelidada de Mapitoba por alguns e Bamatopi por outros, a região já responde por 10% da soja produzida no país e desponta como uma das maiores potências no agronegócio. Com 2 milhões de habitantes, esse pedaço de Brasil ainda apresenta um PIB modesto: 6 bilhões de dólares, equivalente ao de Belém. Mas a geração de riqueza está se acelerando. Os produtores de grãos estabelecidos há mais tempo são migrantes do centro-sul do Brasil, em sua maioria gaúchos e paranaenses. A eles se somou recentemente uma leva de investidores estrangeiros e empresas do agronegócio. Foram eles que fizeram 70% das aquisições de terras na região em 2008. A estimativa conservadora é que a economia do Mapitoba esteja crescendo à taxa de 10% ao ano.

A expansão é desordenada, algo muito visível em Balsas, cidade com 80 000 habitantes no sul do Maranhão, visitada pela reportagem de EXAME. A cidade foi fundada em 1918 como entreposto de negociantes do sertão. Nos anos 70, chegaram os primeiros migrantes do Sul para participar de projetos de colonização rural. Uma década depois começou o plantio de soja. A primeira exportação ocorreu apenas em 1992 e foi um acontecimento na região, embora o volume fosse tão pequeno que não preenchia sequer um compartimento de navio - a Vale, que patrocinou a venda, teve de comprar soja em Mato Grosso para completar a carga. Em 2000, a região começou de fato a deslanchar. Hoje, quem percorre a rodovia BR-230, no sul do Maranhão, vê bolsões de produção agrícola entremeando extensões com vegetação de cerrado. "É tanta gente que chega a Balsas que surgem dois ou três novos bairros por ano", diz Francisco Coelho, prefeito da cidade.

Balsas é caótica e paradoxal. Ao mesmo tempo que boa parte das ruas não é asfaltada e a telefonia celular ainda é precária, um hipermercado e um restaurante japonês são ícones da chegada da modernidade. Enquanto bairros mais velhos estampam a pobreza nordestina, casas elegantes e jardins bem cuidados surgem em outros cantos. Um loteamento para 3 400 casas, o Cidade Nova, está prestes a ser lançado e será o primeiro bairro planejado do município. "Há muitas oportunidades aqui. Faltam desde restaurantes até profissionais de informática", diz Paulo Fachin, presidente da Ceagro, produtora de grãos e revendedora de insumos. Paranaense de Toledo, Fachin era plantador de batatas e tinha dois tratores e um caminhão quando foi para Balsas, em 1986. Hoje, a Ceagro fatura 300 milhões de reais por ano. No ano passado, ele vendeu 40% da empresa ao grupo argentino Los Grobo.

A movimentação de empresas abastecidas com dinheiro estrangeiro é grande na região. A Agrinvest, controlada pelo fundo americano Ridgefield Capital, comprou no ano passado 20 000 hectares e arrendou outros 43 000 para produzir grãos ao sul de Balsas. "A remuneração ali é mais atrativa do que no Centro-Oeste", diz Roberto Martins, diretor da Ridgefield Capital. A Calyx Agro, sociedade formada pelo grupo francês Louis Dreyfus e a seguradora americana AIG, avalia adquirir terras. "Há propriedades muito boas por lá. Estamos sempre de olho em oportunidades de investimento", afirma Harald Brunckhorst, diretor da Calyx, que visitou o Maranhão em junho. A Calyx já cultiva 27 000 hectares de soja no oeste baiano, outro pedaço do Mapitoba.

A região entrou na mira de investidores por reunir diversas vantagens. É uma das áreas com maior disponibilidade de terras do país - estima-se que o estoque disponível para novos cultivos seja de 3 milhões de hectares, o equivalente a metade da área ocupada pela cana no Brasil. Apesar da alta procura nos últimos três anos, que já fez dobrar o valor da terra nos melhores locais, a média de preços ainda é 40% inferior à do cerrado do Centro-Oeste. Os investidores estrangeiros preferem o Mapitoba também por estar fora do foco dos ambientalistas. Ali, a obrigação de preservação ambiental é de 35% da propriedade, enquanto no norte de Mato Grosso (considerado parte do bioma Amazônia) é de 80%. A logística é outro ponto-chave. Boa parte da região é servida pela ferrovia Norte-Sul, operada pela Vale. Seus trilhos transportam soja até o porto maranhense de Itaqui para ser exportada. Essa saída está seis dias a menos de navegação da Europa do que o porto de Paranaguá, no Paraná, de onde é embarcada a maior parte da soja produzida em Mato Grosso. A combinação entre terras mais baratas e custo logístico inferior gera uma rentabilidade que pode chegar a 8% ao ano - o dobro de áreas tradicionais de cerrado, segundo cálculos da consultoria AgraFNP.

A posição geográfica privilegiada, porém, é apenas parcialmente aproveitada. Itaqui tem capacidade de exportar 2 milhões de toneladas - menos da metade do que a região produz. O porto virou um gargalo para o crescimento do Mapitoba. A Algar Agro, do grupo mineiro Algar, única esmagadora de soja do Maranhão, tem planos de aumentar em 35% a capacidade de processamento. "Mas só iremos expandir quando o porto tiver capacidade de exportar mais", afirma o presidente Luiz Gonzaga Maciel. Há cinco anos os empresários da região esperam a abertura de licitação para a construção de um terminal de exportação de grãos - hoje os embarques ocorrem nos intervalos de carga de minério da Vale. Em duas ocasiões, o processo licitatório teve início, mas foi suspenso, frustrando o consórcio de cinco empresas, entre elas a Bunge e a Cargill, que já teria 100 milhões de reais reservados para o projeto.

Como a expansão do porto é uma incógnita, o jeito é tentar industrializar parte da produção agrícola por lá mesmo. Embora a produção no campo cresça acelerada no Maranhão, no Piauí e em Tocantins, a agroindústria ainda engatinha. Essa é uma das principais diferenças entre esse pedaço da região e o oeste da Bahia, considerado o primo rico do Mapitoba. São as agroindústrias que elevam a renda das localidades, pois necessitam de mão de obra, ao passo que a agricultura empresarial é mecanizada. "Daqui a dez anos, Balsas será o que Luiz Eduardo Magalhães é hoje", diz Rodrigo Santos, diretor de estratégia da Monsanto, que opera na região vendendo sementes, em referência à cidade baiana, também do Mapitoba, que virou um dos principais polos do agronegócio.
A primeira agroindústria de Balsas deve começar a ser construída em 2010. A empresa pernambucana Frango Natto assinou um protocolo de intenções com o governo maranhense para instalar em Balsas um complexo com capacidade para abater 150 000 aves por dia. O investimento de 146 milhões de reais deve gerar 3 600 empregos diretos e indiretos. Outra modalidade de agroindústria que deve mexer com o Mapitoba é a fabricação de celulose. A Suzano comprou 35 000 hectares no sul do Maranhão para o plantio de eucalipto e fará parcerias com agricultores para a formação da base florestal. No plano de investimentos da Suzano estão previstas fábricas no Maranhão e no Piauí. "Essa região ficou adormecida tempo demais. Hoje, cresce em progressão geométrica", diz João Comério, diretor da unidade florestal da Suzano. No oeste baiano, o que mais deve crescer é a produção de cana-de-açúcar, atraindo usinas de etanol.

O combustível do crescimento é uma agricultura com alta tecnologia. No Mapitoba, a adoção da soja transgênica foi de 38% do total plantado na última safra. A Monsanto estima que na próxima rodada de plantio o número chegue a 55%, participação superior à projetada para o Centro-Oeste. O milho transgênico já ocupa metade da área. A tecnologia de ponta também está presente no monitoramento de tratores. Como o celular é usado para fazer isso, as vendas de internet móvel da Vivo dispararam na região. "Tocantins e Maranhão estão entre os mercados em que mais crescemos", afirma João Truran, diretor da Vivo para as regiões Centro-Oeste e Norte. De janeiro a março deste ano, as vendas de pacotes de acesso à internet cresceram 138% em Tocantins e 119% no Maranhão.

As carências do Mapitoba implicam dificuldades para as empresas instaladas ali. A SLC, que tem uma fazenda em Tasso Fragoso, na divisa do Maranhão com o Piauí, utiliza linhas telefônicas de Tocantins - rede que está a mais de 100 quilômetros de distância. O mesmo vale para a contratação de pessoal especializado. "Não é fácil levar gente para lá", afirma José Luiz Glaser, diretor da Cargill. O problema, claro, é também uma oportunidade. Há dois anos, o empresário local Francisco Honaiser fundou a Faculdade de Balsas, que tem quatro cursos universitários e 600 alunos. Investiu até agora 8 milhões de reais na escola e em breve pretende oferecer mais seis cursos. Honaiser é um típico membro da geração de pioneiros da região. Gaúcho de Carazinho, ele foi para Balsas para plantar arroz em 1976 e, logo depois, abriu uma revenda de tratores. "Meus filhos tiveram de estudar fora", diz ele. "Agora, não só quem é de Balsas mas de toda a região poderá estudar e crescer aqui." É assim o novo sertão brasileiro

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.