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O solo no controle de qualidade do ambiente

por Otávio Antonio de Camargo¹ e José Eloir Denardin²


por Otávio Antonio de Camargo¹  e José Eloir Denardin² 

A produção agropecuária teve na agricultura brasileira uma questão histórica primacial, que foi sua passagem do chamado complexo rural para uma dinâmica comandada pelos complexos agroindustriais. Nessa passagem, há a substituição da economia natural por atividades agrícolas integradas à indústria, caracterizada, entre outras coisas, pela divisão do trabalho e especialização da produção agrícola. A harmonia da produção da primeira, assentada num estreito laço homem-natureza, claro que com suas contradições, passa para outra harmonia, fundamentada no conhecimento científico e pautada na expectativa da possibilidade em reproduzir artificialmente as condições naturais de produção agrícola. A esse processo estabeleceu-se chamar de industrialização da agricultura.

Esse modelo tecnológico vem sendo questionado em relação aos seus prejuízos ambientais, principalmente por estar atrelado a tecnologias com três características principais. A primeira é representar um avanço das formas capitalistas no campo, sendo tecnologias geradas e comercializadas por grandes grupos econômicos, orientadas ao uso intensivo de capital e de produtos. A segunda destaca as tecnologias que contaram com forte apoio do Estado, fato assaz relevante, por exemplo, na Revolução Verde. A terceira, e talvez a mais pesada, é o aspecto reducionista dessas tecnologias. Ao tentar reduzir os tempos de produção e controlar e prever toda a dinâmica produtiva agrícola reduz os fatores ambientais de relações e de inter-relações muito complexas, e ainda não totalmente conhecidas, a fatores pretensamente isolados e controláveis entre si. Soma-se aqui o fato de essas técnicas serem desenvolvidas, em grande parte, em países do primeiro mundo, com características econômicas, sociais e ambientais diferentes das nossas. Essas características concorrem para a geração de inadequações ambientais, causando prejuízos e desequilíbrios de diversas ordens e magnitude.

A qualidade do ambiente deve ser de interesse de toda sociedade. A pureza do ar, da água e do solo é de fundamental importância para a existência do homem. De maneira específica, o uso inadequado do solo pode ser uma fonte muito importante de poluição. O descuido do homem em controlar a erosão, por exemplo, faz dele uma fonte potencial de contaminação de todos os corpos de água. O manejo não apropriado de agroquímicos e de águas de irrigação de baixa qualidade, assim como a disposição desordenada de resíduos, podem resultar no acúmulo de substâncias no solo, com riscos de se tornarem tóxicas às plantas e, ao entrar na cadeia alimentar, serem letais aos animais e ao homem.

Em virtude dessas relações e dada a sua importância no ecossistema, o solo ocupa papel de destaque no controle da qualidade do ambiente. Outro aspecto fundamental nessa abordagem é o uso inapropriado e/ou a inapropriação de máquinas e implementos, que ao serem criados ou construídos não se leva em consideração a heterogeneidade dos agroecossistemas.

O excesso de agroquímicos pode reduzir a produção e a qualidade de muitas espécies de plantas. Quando um pesticida é exageradamente aplicado ao solo corre-se o risco de transformá-lo em um poluente. O acúmulo de pesticida pode ocorrer pela aplicação em excesso ou por aplicações sucessivas de substâncias que persistem no sistema por longo tempo. O excesso de pesticida também pode diminuir a produtividade dos sistemas produtivos ou ao ser absorvido em elevada quantidade, tornar partes da planta impróprias para consumo humano.

Água de irrigação de qualidade inadequada pode originar graves danos ao solo. O excesso de sais de sódio trocável e de elementos biologicamente tóxicos está entre as principais causas do efeito deletério da aplicação desse tipo de água ao solo. Ela pode ser naturalmente de qualidade inferior, entretanto existem casos em que a causa da baixa qualidade advém do lançamento de resíduos urbanos, industriais e agrícolas nas bacias hidrográficas. Água de irrigação de boa qualidade também pode causar problema de salinidade na ausência de drenagem adequada.

Elementos-traço metálicos ou de natureza não metálica podem ser depositados no solo pela aplicação de resíduos ou pela exaustão industrial. Esses elementos, quando alcançam a superfície do solo em concentrações elevadas, podem ser tóxicos às plantas ou acumularem-se nelas, entrando na cadeia alimentar e ocasionando danos aos animais e aos homens.

A erosão, tanto de sólidos como de solutos por escoamento superficial, é um fator que causa sérios danos ao solo. Como consequência do arraste do solo, muitos dos sedimentos contribuem para o assoreamento de reservatórios, de rios e de lagos. Mediante esses processos, a agricultura perde seu suporte principal e as águas ganham sedimentos e elementos químicos que muitos problemas trazem para a sociedade em geral. Sendo assim, é muito justo que se insista na adoção de práticas e medidas de controle da erosão em todo território nacional.

Embora o conceito de sustentabilidade seja ainda pouco consensual, e às vezes até mesmo contraditório, prejudicando a implementação de estratégias para o desenvolvimento sustentável, parece-nos que, mesmo intuitivamente pensando, é o caminho que temos escolhido, na última década do segundo milênio e na primeira do terceiro.

Assim, dada sua importância no ecossistema, o solo ocupa papel de destaque no controle da qualidade do ambiente. A qualidade desse controle está na dependência do modo como serão manejadas as reservas edáficas e da adequação dos equipamentos e de seu uso. Esse elenco de fatores depende fundamentalmente da aplicação escorreita do conhecimento do profissional formado e apto para tal propósito.

Entretanto, deve-se ter em conta nas nossas discussões, mesmo que puramente técnicas, que a degradação desses recursos não é consequência inevitável do progresso humano e nem mesmo da densidade das populações, mas resultado de um tipo de crescimento econômico cruelmente insustentável em termos ecológicos, e desigual e injusto em termos sociais. É indispensável que se perceba que a degradação ambiental não é consequência do desenvolvimento, mas de uma modalidade particular deste, fazendo-se, assim, necessária e urgente uma correção significativa de rota. Aqui tem papel substantivo o engenheiro agrônomo e o engenheiro agrícola.

A solução não estará, então, em desacelerar o desenvolvimento, mas mudar qualitativa e quantitativamente o modelo, mantendo como alvo primacial o melhoramento da qualidade de vida, não pensando o crescimento como simples aumento da produção. São os profissionais da engenharia agronômica e da engenharia agrícola que devem fornecer o lastro para dar equilíbrio ao período de transição e contemplar a sociedade com uma solução duradoura.

O momento é de reflexão e nos resta pensar que o homem só conservará sua saúde biológica e mental se aprender a criar um ambiente sadio. E gostaríamos de concluir essas reflexões com a observação feita pelo escritor Henry Thoreau: “de que vale uma casa quando não se tem um planeta tolerável onde colocá-la?”..., e cabe aos profissionais de engenharia, que com conhecimento científico, discernimento, critério, juízo, senso crítico de observação e faro sociológico contribuir de maneira efetiva e segura para o estabelecimento de soluções duradouras.
 
¹Pesquisador, Instituto Agronômico de Campinas, Av. Barão de Itapura, 1481, Jardim Guanabara, 13020-902 Campinas, SP, Brasil, Fone (19) 2137-0600. E-mail: [email protected]
 
²Pesquisador, Embrapa Trigo, Rodovia BR 285 km 294, Caixa Postal 451, 99001-970 Passo Fundo, RS, Brasil, Fone (54) 3316 5828. E-mail: [email protected]

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