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Opinião: Desafios e conquistas globais do meio ambiente após a COP 2010

"Ainda há muito o que se resolver, mas o primeiro passo foi dado em outubro"


Por * Lia Lombardi

"Ainda há muito o que se resolver, mas o primeiro passo foi dado em outubro"

Quando o presidente da 10ª Conferência das Partes da ONU (Organização das Nações Unidas), o ministro de Meio Ambiente do Japão, Ryu Matsumoto, bateu o martelo naquele início de madrugada de 30 de outubro deste ano, durante a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), marcando a aprovação do Protocolo de Nagoya, houve uma comoção geral. Quem acompanhava a plenária final da COP 10 sabia da importância daquela conquista, que representava um marco na história da Convenção.

Pela primeira vez, os 193 países signatários da CDB chegaram a um consenso sobre o terceiro objetivo da CDB, que prevê a repartição justa e equitativa dos benefícios advindos do acesso e uso de recursos genéticos. A CDB começou a receber a assinatura dos países em 1992 e, desde então, vem discutindo como deve ser feita a compensação pelo uso desses benefícios, o chamado regime de ABS (Access and Benefit Sharing – Acesso e Repartição de Benefícios) entre outros pontos como o intercâmbio de tecnologia e conhecimento. Ainda há muito o que se resolver, mas o primeiro passo foi dado em outubro.

Pelo acordo, as comunidades e/ou países onde os recursos genéticos poderão ser acessados deverão ser consultados antes de qualquer pesquisa. O texto também prevê um reconhecimento pelo conhecimento tradicional, assegurando que qualquer recurso genético associado a um conhecimento tradicional de uma comunidade local ou indígena precisa necessariamente contar com o seu consentimento prévio e o estabelecimento de acordos mútuos para o seu uso. Os países têm que assinar o Protocolo a partir do ano que vem, mas o pagamento só será feito a partir de 2020. Apesar de não serem legalmente vinculantes, as regras de acesso e pagamento, assim como os mecanismos de verificação para o cumprimento do Protocolo, são itens pendentes para as próximas discussões.

A distância para o ano de vigência do Protocolo, daqui a dez anos, é uma das críticas ao acordo. O Brasil, muito elogiado pelo esforço dos seus negociadores por meio de uma jovem equipe de diplomatas do Itamaraty, liderada por Paulino Franco de Carvalho Neto e apoiada pelo Ministério do Meio Ambiente, solicitou em plenário que essa data fosse alterada para 2015. Outra decisão que fica para a próxima COP, que será em Ahmedabad, na Índia, em 2014.

Plano estratégico

Também foi aprovado em Nagoya o Plano Estratégico da CDB para 2011-2020 que prevê meta de 17% para conservação de áreas terrestres e 10% para as áreas marinhas até 2020. Hoje o estado atual de proteção para áreas terrestres é 13% e, por isso, a decisão de aumentar só quatro pontos percentuais foi considerada pouco ambiciosa por muitos especialistas. Diferentemente do que ocorreu com as áreas de proteção marinha, que hoje têm pouco mais de 1% de áreas protegidas e meta de 10% até 2020, o que foi bastante audacioso.

O Plano também prevê a redução do desmatamento pela metade em nível global, especialmente em áreas de floresta tropical, e onde for possível zerá-lo. O Brasil já atingiu redução de 40% nas áreas de desmatamento da Amazônia nos últimos quatro anos, mas a situação do Cerrado ainda é crítica, principalmente em razão da agropecuária.

O Brasil na COP 10

O Brasil foi presença importante nessa COP, tanto pela participação do Itamaraty nas negociações, quanto pela do governo e do setor privado. O Ministério de Meio Ambiente mostrou que o país sozinho alcançou 75% da meta global de ampliação de áreas de proteção ambiental, por meio da duplicação das áreas protegidas, da redução de 70% da área de queimadas em todos os biomas e da publicação de uma nova lista da flora com 40 mil espécies, depois de 100 anos de espera.

O evento paralelo organizado pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) marcou a participação do setor privado com a apresentação das experiências de cinco empresas, que também foram registradas numa publicação lançada no encontro. Petrobras, Natura, Monsanto, Cemig e Vale mostraram como vêm fazendo para incorporar a biodiversidade no seu modelo de gestão. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e o diretor do WBCSD (World Business Council for Sustainable Development), James Griffiths, falaram sobre a importância do diálogo entre o governo e as empresas nos assuntos de sustentabilidade, relacionados à pauta de desenvolvimento do país.

A participação de empresas não é comum em COPs e a novidade chamou a atenção. Dr. Josh Bishop, coordenador do relatório TEEB (The Economics of Ecosystems and Biodiversity - Economia dos Ecossistemas e de Biodiversidade) o mais importante relatório sobre biodiversidade lançado esse ano, e outros representantes da IUCN (International Union of Conservation of Nature - União Internacional pela Conservação da Natureza) compareceram ao encontro para ouvir e conversar com as empresas, assim como algumas das principais ONGs do mundo, como Conservação Internacional, WWF Brasil, Birdlife, WCS (World Conservation Society), Instituto Life, além de executivos japoneses e da CNI. E, para encerrar as novidades da COP, o CEBDS fez pela primeira vez um blog com a cobertura das negociações, dos eventos paralelos e com um pouco de comportamento sobre a Conferência. Em duas semanas, o número de acessos ao site do Conselho bateu recorde de visitação. A COP acabou, mas o blog ficou - e continua sendo acessado - como um registro, com fotos e vídeos, desse momento histórico para a biodiversidade. O conteúdo pode ser acessado pelo link www.cebds.org.br/cebds/blogdacop10.

Mecanismos financeiros

Ainda na última plenária, os países continuavam a discussão sobre um dos pontos de maior embate, que era a estratégia de mobilização de recursos para a implantação do plano estratégico. Reconhecendo que os mecanismos de financiamento tradicionais originários de acordos multilaterais (Banco Mundial, GEF) e bilaterais (cooperação entre países) não são suficientes para atender a todas as demandas de conservação, os países incluíram uma provisão para o desenvolvimento de mecanismos inovadores de financiamento. Estes mecanismos consideram propostas como o mercado de carbono para florestas (REED+), mercado de água, de créditos de espécies, habitats etc.

Foi um encerramento surpreendente para uma COP que começou mal com a constatação de que nenhuma das metas previstas para 2010, o Ano Internacional da Biodiversidade, definido em 2002, havia sido alcançada. O Brasil se posicionou com firmeza desde o início, reiterando o que já vinha defendendo antes do encontro, ou seja, o país só apoiaria as outras questões, como Plano Estratégico e Financiamento, se o texto de ABS fosse aprovado.

* Lia Lombardi, jornalista, é coordenadora de Comunicação do CEBDS. Formada pela PUC MG, em 1994, com pós-graduação em Filosofia pela UFMG, em 2006, já trabalhou nas TVs Record e Globo e foi gerente de redação da Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Belo Horizonte

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