CI

Opinião: Setor agrícola e o aquecimento global: como exercer um papel positivo

O agro tem todas as condições de reduzir suas emissões. É importante fomentar práticas com potencial de amenizar o problema


Por Marcelo Galdos*

O agro tem todas as condições de reduzir suas emissões. É importante fomentar práticas com potencial de amenizar o problema

Éramos quarenta cientistas em início de carreira reunidos num parque nacional no árido estado americano de Arizona, onde a relação entre clima e ecossistema salta aos olhos. Estávamos ali para discutir os desafios de se pesquisar mudança climática de forma integrada, tratando-se de um tema que abrange de modelagem matemática de processos bioquímicos ao estudo do comportamento humano. Numa das palestras, Susan Hassol, uma importante comunicadora da área de ciências, dizia sobre o aquecimento global, entre outras coisas:

•O aquecimento global é uma realidade;
•Fazemos parte do problema;
•Podemos resolver o problema.

Refletindo sobre estas afirmações, em especial a última, percebo que o setor agrícola brasileiro talvez seja um dos melhores exemplos de como a aplicação das melhores práticas pode ser parte de um conjunto de soluções para o aquecimento global. Não há dúvidas de que a agricultura e pecuária são fontes relevantes de emissões de gases do efeito estufa (GEE). A queima de florestas, resíduos agrícolas e pastagens; emissões do solo a partir da aplicação de adubos que contem nitrogênio; e as emissões de metano por animais ruminantes são exemplos de fontes de emissões significativas. No entanto, estes setores representam também as maiores oportunidades de amenizar o problema (Cerri et al. 2009).

O que é preciso fazer para transformar a agropecuária de parte do problema para parte da solução? Na verdade, não é muito diferente de como se equilibra um orçamento doméstico. É preciso reduzir o desperdício e aumentar o que se poupa. Traduzindo o princípio para a área ambiental, há que se fazer duas coisas: reduzir a quantidade de GEE emitidas para a atmosfera e fixar parte destes gases no solo e na biomassa. Ambas as ações são necessárias, complementares e interdependentes.

A redução de emissões é estreitamente relacionada ao aumento de eficiência na produção agrícola. Podemos pensar em emissões como perdas de insumos úteis para produção. Por exemplo, o nitrogênio perdido na forma de óxido nitroso (um potente GEE) poderia ter sido usado pela cultura agrícola como nutriente. Parte do carbono que compõe o metano emitido pelo gado poderia ter sido usado para produzir mais carne. Parte dos resíduos agrícolas queimados no campo poderia ter gerado eletricidade, ou num futuro próximo, etanol de segunda geração, aumentando assim a quantidade de energia que se produz em um hectare de terra.

Além de reduzir emissões, é preciso também remover parte do dióxido de carbono acumulado na atmosfera e estocá-lo de alguma forma. As plantas já fazem isso pela fotossíntese, estocando carbono em sua biomassa. Florestas em crescimento, por exemplo, são chamadas de sumidouros de carbono, funcionando como um reservatório. Outro importante reservatório de carbono é o solo. Há mais carbono orgânico no solo que em toda a vegetação e atmosfera somados. À medida que a biomassa das plantas se decompõe, uma parte do carbono contido no material vegetal fica retida no solo, no chamado seqüestro de carbono. Este processo é, no entanto, lento e reversível. Ao haver revolvimento excessivo do solo, pode-se perder boa parte do carbono estocado. Diversas ações na agricultura precisam ser tomadas para aumentar a quantidade de carbono que fica estocada no solo e evitar que este carbono seja perdido. Alguns exemplos de práticas que aumentam o aporte de material orgânico são o uso de adubos verdes, a manutenção de resíduos de cultura sobre o solo, e a diminuição ou eliminação do cultivo do solo.

É essencial também considerar as emissões de GEE como um dentre diversos impactos ambientais das atividades humanas. Ações para reduzir emissões ou aumentar a fixação de carbono devem também promover o uso responsável dos recursos hídricos e energéticos, além de minimizar impactos na biodiversidade e na saúde humana, para citar alguns exemplos.

Outro conceito importante na gestão de emissões é a visão de cadeia produtiva. As emissões de GEE e outros impactos ambientais precisam ser avaliados ao longo de todo o ciclo de vida de produtos agrícolas, passando pela produção de matéria prima, processamento, embalagem, transporte e consumo. Esta abordagem implica em uma ação conjunta entre os diversos elos da cadeia de produção e consumo, em contraste a uma identificação simplista de “culpados”. O mercado consumidor interno e externo exerce um papel de crescente importância ao cobrar produtos produzidos com baixas emissões.

O agro brasileiro tem todas as condições para produzir com sustentabilidade e lucratividade, reduzindo suas emissões de GEE e aumentando a fixação de carbono com tecnologias disponíveis. É importante, portanto, fomentar e desenvolver práticas agrícolas com potencial de amenizar o problema do aquecimento global, por meio de políticas públicas e pesquisa científica. O papel positivo que o agro pode exercer como parte da solução deste desafio global precisa ser intensificado, apoiado e divulgado.

Referências:
Cerri, C.C., Maia, S.M.F., Galdos, M.V., Cerri, C.E.P., Feigl, B.J., Bernoux, M. (2009) Brazilian greenhouse gas emissions: the importance of agriculture and livestock. Scientia Agricola 66: 831-843.

*Marcelo Galdos é pesquisador do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) no Programa de Sustentabilidade. Doutor em Ciência do Solo pela Esalq/USP.

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.