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Pesquisador australiano defende preservação das tecnologias através do manejo da resistência

David Murray, especialista em controle de Helicoverpa


"Vocês têm um grande desafio que precisa ser vencido, mesmo que isso implique sacrifícios, se quiserem continuar produzindo algodão de uma forma sustentável" - o alerta foi feito pelo entomologista australiano David Murray, em Campo Verde (a cerca de 120 km de Cuiabá). Especialista no Manejo Integrado de Pragas,  Murray visitou pela primeira vez o estado maior produtor de fibra no Brasil e seu último compromisso em Mato Grosso foi um encontro com representantes do setor produtivo, que contou com a presença do presidente da Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão (Ampa), Milton Garbugio.
 
O desafio ao qual o australiano se refere é preservação da vida útil dos inseticidas e, especialmente, das biotecnologias utilizadas no sistema produtivo de Mato Grosso e outros estados brasileiros.  Essas tecnologias transgênicas oferecem maior eficiência no controle de plantas daninhas e proteção contra as principais lagartas que atacam as lavouras de algodão, milho e soja. No caso da Austrália, o embate com as lagartas do gênero Helicoverpa spp. começou há quatro décadas e, depois do esforço que uniu produtores, pesquisadores e representantes do governo no uso adequado das tecnologias, o placar tem sido favorável aos agricultores nos últimos anos.
 
Como funcionário do governo de Queensland por quase 40 anos, Murray esteve diretamente envolvido nesse processo e participou da formação de um comitê gestor do monitoramento da resistência de pragas a inseticidas e variedades Bt de algodoeiro. "Estamos muitos felizes com a atual situação na Austrália, já que não estamos enfrentando problemas com o controle de Helicoverpa armigera", contou Murray no auditório lotado da Cooperfibra, em Campo Verde, na noite de sexta-feira passada (16 de maio).  O pesquisador disse que houve resistência dos produtores às medidas definidas como necessárias para preservar a vida útil de inseticidas e das tecnologias Bt usadas nas lavouras de algodoeiro, porém, eles acabaram entendendo que o uso responsável dos produtos agroquímicos e das biotecnologias era imprescindível para a continuidade da cotonicultura na Austrália (um dos cinco maiores exportadores de algodão em pluma ao lado do Brasil). O programa de pesquisa e monitoramento é mantido pelos agricultores, que investem $ 2,25 por fardo (o equivalente a pouco mais de R$ 5), enquanto o governo entra com o mesmo valor.
 
Murray, que desde 2013 dá consultoria à cotonicultura do Oeste da Bahia no controle de Helicoverpa armigera e outras lagartas-praga, reconhece que a situação no Brasil é muito diferente. Na Austrália, o clima é mais temperado e as lavouras de algodão são 100% irrigadas. Na safra atual 90% da área foi cultivada com variedades Bollgard II® e a cotonicultura é a única a utilizar variedades Bt na Austrália diferentemente do que ocorre no Brasil. Em Mato Grosso, o clima tropical favorece a realização de várias safras sucessivas e também a pressão maior de insetos-praga. Durante o encontro de Campo Verde, o presidente da Ampa alertou para a pressão do bicudo-do-algodoeiro e o entomologista Paulo Degrande, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), por sua vez, alertou para o aumento de percevejos nas lavouras que visitou em companhia do pesquisador Miguel Soria, entomologista do Instituto Mato-grossense do Algodão (IMAmt).
 
Degrande e Soria, assim como o diretor executivo do IMAmt, Alvaro Salles, e outros pesquisadores presentes ao encontro com David Murray, como a entomologista Danielle Thomazoni (do IMAmt), apontaram o risco da resistência de pragas no sistema produtivo de Mato Grosso e do Brasil de modo geral. "O perigo da evolução à resistência é muito maior aqui do que na Austrália", observou Degrande numa referência ao processo natural que faz com que insetos-praga privilegiem genes resistentes aos princípios ativos dos inseticidas usados nas lavouras e também aos eventos presentes nas biotecnologias, o que reduz a eficácia e a vida útil das ferramentas à disposição dos agricultores.
 
Embora Mato Grosso e outros estados produtores de algodão tenha uma diversidade muito maior de lagartas (sendo que muitas delas migram de uma cultura para outra), enquanto a Austrália basicamente se preocupa com Helicoverpa, Degrande acredita que a experiência bem sucedida da Austrália pode servir como exemplo para o Brasil.  Degrande, Salles, Soria, Danielle e o produtor Milton Garbugio concordam quanto à urgência de se adotarem medidas no Brasil para a preservação dos inseticidas e das tecnologias que estão funcionando no controle de insetos-praga, como a adoção do refúgio para insetos suscetíveis sobreviverem.
 
Nesse sentido,  defendem a adoção em Mato Grosso e em outros estados produtores de algodão de estratégias de Manejo Integrado de Pragas e das recomendações do Plano de Manejo de Resistência seguido à risca pelos agricultores na Austrália. Segundo Murray, isso resultou na redução de 80% do uso de inseticidas. São pilares do programa australiano: 1) uso mandatório por décadas do cultivo de áreas de refúgio, onde são plantadas variedades não Bt com pragas controladas (no modelo 50:50 da área de algodão), outras culturas hospedeiras das lagartas (como feijão guandu - em 5% da área), ou ainda variedades não Bt e não pulverizadas (no modelo 90:10) para permitir a sobrevivência e reprodução de insetos não resistentes; 2) controle de plantas tigueras (involuntárias); 3) definição de janela de cultivo (e respeito absoluto ao período definido); 4)  restrições ao uso de Bt pulverizado; 5) destruição de soqueiras;  e 6) cultura armadilha para as regiões tropicais da Austrália. "Precisamos urgentemente fazer refúgio acatando a porcentagem correta dessas áreas. Tem que ser uma decisão coletiva",  defendeu Degrande.
 
Com vasta experiência em Manejo Integrado de Pragas, Murray conhece o caminho para a vitória no controle de pragas do algodoeiro e sabe também que a vigilância constante é a chave para o sucesso de qualquer programa de monitoramento. Na Austrália, o Plano de Manejo de Resistência é revisado a cada safra pelo comitê e a revisão visando à próxima safra será iniciada em duas semanas, segundo Murray. Além disso, os australianos já vislumbram a possibilidade de contar uma tecnologia mais avançada (Bolgard III), mas nem isso faz com que relaxem no controle de Helicoverpa e outras pragas do algodoeiro.

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