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Plant-based devem ter regulação específica?

Especialistas analisam mercado e legislação brasileira


Foto: Divulgação

Muitas pessoas já devem ter ouvido falar sobre produtos plant-based, mas sem entendê-los a fundo. O que, neste momento, é normal, visto que até mesmo autoridades estão começando a entendê-los e a regulá-los. Os produtos plant-based, atualmente, são os queridinhos dos consumidores, seja aqueles que possuem dieta normal, regular, seja aqueles veganos ou vegetarianos. Mas afinal o que são produtos plant-based? Qual a efetiva popularidade deles no mercado (mundial e local)? Existe mercado expressivo? E, o mais importante, como regular tais produtos, regulatória e tecnicamente falando? Este artigo não possui o objetivo de esgotar o tema, até porque muitas perguntas ainda não possuem respostas, mas colaborar com a discussão.

Os produtos plant-based podem ser entendidos como os produtos à base de ingredientes de origem vegetal que procuram, minimamente, se aproximar dos produtos tradicionais de origem animal, quanto à aparência, à textura e demais características. Os exemplos mais comuns de produtos plant-based seriam leite, carne, peixe e ovo.

O mercado desses produtos vem chamando (e muito) a atenção dos empresários ao redor do mundo. Segundo estudos do Boston Consulting Group e Blue Horizon Corporation, até 2035, o mercado de produtos plant-based responderá a 11% (onze por cento) do mercado global de proteínas .

E a realidade não está longe do Brasil. Em lojas do Extra e do Pão de Açúcar, por exemplo, notou-se o crescimento de 150% (cento e cinquenta por cento) do consumo de produtos plant-based, significando que o comércio desses produtos praticamente triplicou mensalmente em 2019 . Some-se a pesquisa realizada pelo IBOPE em 2020: (i) metade dos brasileiros reduziu o consumo de carne propriamente dita; e (iii) 39% dos entrevistados já consomem alternativas vegetais em substituição aos animais pelo menos três vezes por semana .

Diante do crescimento orgânico do mercado de produtos plant-based, é evidente que surgiram (e surgirão ainda mais) questões jurídicas sobre o tema, vez que os produtos seguem sem regulamentação formal e específica no Brasil. É dizer, até o momento, não há norma que regule produtos plant-based, tampouco posicionamento formal e firme de agências regulatórias e ministérios.

No âmbito regulatório , referente a regularidade e segurança dos produtos, em junho de 2020, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (“MAPA”) realizou a primeira consulta pública sobre produtos plant-based para avaliar contribuições técnicas de interessados. Até o momento, a consulta não retornou em resultados.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (“ANVISA”) começou também a voltar seus olhos para o tema: em outubro de 2021, realizou oficinas virtuais para obter subsídios para Análise de Impacto Regulatório  e, futuramente, regular os produtos. O objetivo das oficinas foi obter elementos para identificar e analisar o “problema regulatório” e mapear os agentes afetados. Afinal, quais seriam eventuais questões?

De início, podem ser enumeradas as seguintes questões regulatórias: segurança de ingredientes e processos produtivos; requisitos de composição (teor mínimo proteico, adição de outros ingredientes); categoria de enquadramento dos produtos plant-based; elaboração de novos Padrões de Identidade e Qualidade (PIQ); rotulagem; necessidade de registro ou de dispensa de registro para o produto; risco sanitário e demais características de gestão de risco pré-mercado.

A nosso ver, afasta-se a aplicação da RDC 268/05 aos produtos plant-based, por conta da definição de “produtos proteicos de origem vegetal” da própria RDC . Vide que: (i) na composição de produto plant-based, podem ser inseridos diversos elementos que não sejam necessariamente itens proteicos contidos nos produtos vegetais; e (ii) a principal função de produto plant-based não é ser proteico, mas se aproximar o máximo possível dos produtos de origem animal. Neste sentido, deve-se combater a aplicação dessa RDC, via analogia, aos produtos plant-based, ainda que a RDC 268/05 seja a norma que mais se aproxima aos produtos em questão. Ou seja, produtos plant-based ainda estão engatinhando no Brasil, sob a perspectiva regulatória.

Ainda que MAPA e ANVISA estejam avaliando o assunto, as autoridades ainda estão em primeiros passos. O que não solucionaria questões com necessidade de rápida resolução, não podendo se aguardar todo o trâmite regulatório regular para que, então, o mercado obtenha respostas. Para tanto, o setor propriamente dito já começou a se movimentar, inclusive no âmbito judicial. É o caso da Ação Civil Pública (“ACP”), ajuizada pela Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (“ABIPESCA”), contra a ANVISA e a União Federal, para questionar a ausência de regulamentação e fiscalização dos produtos plant-based.

Segundo a ABIPESCA, a ausência de regulamentação e fiscalização constituiria violação à livre concorrência, à defesa do consumidor e à isonomia, porque restrições impostas aos produtores e comerciantes de (tradicional) proteína animal não são exigidas dos fabricantes de produtos plant-based . Para exemplificar, a ABIPESCA trouxe o caso do bacalhau: a falta de fiscalização teria feito com que os fabricantes de produtos plant-based utilizassem livremente, nas embalagens, o termo “bacalhau” para identificar seus produtos. Ao passo que  os fabricantes e produtores de pescados estão restritos a limitações impostas pelo MAPA – a venda de pescado com a denominação “bacalhau” só é permitida quando o peixe equivale a uma das 6 (seis) espécies dispostas na Instrução Normativa 53/20. Ou seja, haveria tratamento diverso entre empresas e certo favorecimento aos fabricantes de “bacalhau” plant-based. A mesma questão se aplicaria a outros “peixes vegetais”, como o salmão e atum. Até o momento , não houve decisão que norteie o assunto.

Outra questão que se levanta: de quem é a competência para regular e fiscalizar os produtos plant-based? ANVISA, MAPA ou competência concorrente? A resposta não parece ser fácil, tampouco simples. Vide que, no âmbito de alimentos, a ANVISA seria competente pela regulação e fiscalização de alimentos processados, bebidas, seus insumos, aditivos alimentares. Já, o MAPA seria competente para regular e fiscalizar produtos agrícolas in natura, produtos de origem animal (leite, ovos, carne, peixe, mel e seus derivados). Há, ainda, nessa seara, casos em que ANVISA e MAPA regulam e fiscalizam produtos ao mesmo tempo: é o caso do leite, vendido in natura e processado.

Neste momento, é difícil afirmar, sem questionamentos, quem seria competente para regular e fiscalizar os produtos plant-based (ANVISA, MAPA ou ambos). Em uma primeira análise, parece que a regulação e fiscalização seria de competência mútua, porque ao mesmo tempo em que o produto plant-based busca se aproximar de um produto de origem animal (competência MAPA), o produto plant-based seria uma espécie de “invenção” da indústria, que o submeterá a várias etapas de processamento, com adição de ingredientes não restritos a de origem vegetal. No entanto, posicionamentos só poderão ser fixados quando da manifestação dos órgãos sobre o tema.

Concluímos que haveria necessidade de regulação e fiscalização, de certa forma urgente, do setor de produtos plant-based. Isso porque o ritmo em que produtos são criados, ofertados e disponibilizados, bem como consumidos, é exponencial, não se podendo aguardar o desenrolar regular (e demorado) de elaboração de normas administrativas. ANVISA e / ou MAPA estariam com seus dias contados. Contudo, há de se considerar também que a “pressa é inimiga da perfeição”; aqui estaria a “chave do negócio”, resposta à pergunta que impera há muito tempo: como “agilizar” regulação de determinado assunto, sem perder a qualidade de avaliação e conclusões regulatórias? Resta, aos produtos plant-based, aguardar desenrolar dos fatos que, inclusive, pode vir mediante imposição do Poder Judiciário.

* Por Daniela Guarita Jambor, mestre em direito pela USP e especialista em direito sanitário, com atuação na área de Life Sciences e Fernanda Lucarelli, graduada em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, também atuando em Life Sciences

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