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Popularização da ciência do solo voltada para a transformação social

A popularização da Ciência do Solo avançou muito nas últimas décadas no Paraná


Foto: Pixabay

A popularização da Ciência do Solo avançou muito nas últimas décadas no Paraná, mas tornar acessível o conhecimento científico ao cidadão leigo consiste em um desafio diário enfrentado pelas instituições de ensino e pesquisa. Mais do que transpor o conhecimento científico em linguagem de fácil compreensão ao público alvo, a popularização da ciência do solo deve ser, também, um ato político voltado para a transformação social.

Como sociedade científica, o Núcleo Estadual Paraná da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (NEPAR) se ocupa também da popularização da ciência do solo. "Um dos problemas que detectamos é que a população em geral conhece muito pouco sobre o solo. Esse desconhecimento sobre a importância deste elemento natural torna mais difícil a difusão de boas práticas de manejo e conservação, tanto de solos urbanos como de solos rurais", enfatiza a diretora do NEPAR, Nilvania de Mello, professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), de Pato Branco.

É importante lembrar que processos como erosão, contaminação, perda de funções ocorrem tanto no campo quanto na cidade. "Outro aspecto que temos buscado enfatizar é que atualmente mais de 70% da população do estado do Paraná reside no meio urbano", destaca Nilvania, acrescentando que são essas pessoas, esses cidadãos que votarão nas eleições, que defenderão ou não políticas públicas em prol da conservação ambiental e consequentemente do solo. "Por isso a popularização da ciência do solo, e a educação em solos são tão importantes", complementa.

Nas últimas duas décadas, um grupo de docentes do Departamento de Solos e Engenharia Agrícola da Universidade Federal do Paraná (DSEA-UFPR), insatisfeitos com a educação em solos no ensino fundamental e médio, lançaram o  Programa Solo na Escola.

"Como programa de extensão universitária, o Solo na Escola entende que a extensão é uma via de duas mãos onde contribuímos para a transformação social, ao mesmo tempo em que a própria Universidade é transformada e qualificada neste processo", explica o professor Marcelo Ricardo de Lima, coordenador do Programa de Extensão Universitária Solo na Escola/UFPR-Curitiba.  

Segundo ele, o Programa procura se apoiar em alguns grupos de ações, que compõem os projetos vinculados: a) Exposição didática de solos, enquanto espaço expositivo, de popularização científica, mas também de desenvolvimento e testagem de tecnologia educacional; b) Formação inicial e continuada de professores da educação básica, nas modalidades presencial, híbrida e EaD; c) Educação ambiental, especialmente vinculada a ações de grande impacto no uso do solo; e d) produção de material didático, como cartilhas, vídeos, livros, banners e mapas, no intuito de ampliar o alcance das experiências desenvolvidas no Programa.  

A boa notícia, diz o professor Marcelo, é que muitas ideias, concebidas pelo Programa e outras ações de Educação em Solos pioneiras, foram abraçadas por outras instituições de ensino, pesquisa e conservação ambiental e, atualmente, há quase uma centena de iniciativas de educação em solos espalhadas pelo país. No estado do Paraná, por exemplo, há iniciativas de educação em solos na UENP-Cornélio Procópio, UNIOESTE-Marechal Cândido Rondon, UTFPR-Medianeira, UFPR-Jandaia do Sul, UFPR-Litoral, entre outras instituições.  

"Entretanto, embora exista quase uma centena de iniciativas, ainda estamos bem aquém do que seria necessário para abranger um país de dimensões como o Brasil", avalia o professor.  

Entre as atividades desenvolvidas por essas iniciativas, nos últimos dois anos, foram lançados livros infantis, buscando explicar, por exemplo, as funções do solo ou seja para que serve, o que é degradação, biodiversidade, entre outros temas relacionados.  

"Essas obras infantis são uma forma de popularizar o conhecimento, de veicular as informações, fazendo a transposição didática de algo mais técnico para algo acessível. Quando fazemos essa releitura, já estamos direcionando isso para um público leigo, no caso as crianças", afirma a professora Jully Gabriela Retzlaf de Oliveira, da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), Campus Cornélio Procópio, onde coordena o Projeto Solo na Escola/UENP.  

Em contrapartida, a docente destaca a importância de levar o conhecimento do solo a qualquer público, de qualquer idade.  "Uma vez que o indivíduo toma conhecimento do solo como componente natural que interfere em vários processos ecológicos, ele passa a ser um agente transformador que contribui para a manutenção do solo".  

Conhecimento gera poder - O grande trunfo da popularização da ciência é que, a partir do momento em que o indivíduo obtém conhecimento de algo que desconhecia, ele passa a ter poder, especialmente em decisão da sociedade, define a professora Jully Retzlaf.  
"Quando concebemos que o conhecimento é poder, ao fazermos atividades de popularização, estamos dotando o indivíduo leigo (entendendo que leigo é aquele que não é da área) de poder", afirma.  
O mais interessante da popularização, na avaliação da professora, é a tomada de consciência sobre determinado fato e situação científica.   "O indivíduo passa a adquirir noções que permitem agir na sociedade, enquanto ser que vai pensar e influenciar nas políticas públicas, por exemplo, a partir daquele conhecimento adquirido", afirma a professora Jully.  
Um exemplo bem simples, citado pela professora Jully, diz respeito ao uso de agrotóxicos. "Quanto mais a gente conscientizar o indivíduo do impacto que o agrotóxico traz ao meio ambiente, mais conhecimento ele terá para agir plenamente na sociedade em que vive, participando de situações decisórias, se posicionando sobre as políticas que envolvem o tema".  

Mudança nos métodos  - No Brasil, atualmente, o ensino de solos é voltado principalmente para o ensino superior, e pouco trabalhado no ensino básico. Na opinião dos docentes, observa-se uma escassez e até ausência de conteúdo sobre solos nos livros didáticos.
 
O professor Marcelo Ricardo de Lima, da UFPR, coordenador do Programa Solo na Escola/UFPR-Curitiba, observa que, em grande parte, os docentes das escolas e colégios, públicos e privados, têm evidentes deficiências em sua formação inicial em relação ao tema solos.  

"Às vezes este tema até é abordado em seus conteúdos programáticos, mas com evidente tendência para o bacharelado e não para a licenciatura. Então o professor recebe o conteúdo, mas não sabe como abordá-lo em sala de aula", avalia o professor, lembrando que, outras vezes, o solo nem é abordado em nenhuma disciplina durante toda a graduação e, assim, o conhecimento dos professores sobre o tema limitam-se ao senso comum.

Aliado a isto, as estruturas curriculares do ensino fundamental e, principalmente do ensino médio, não privilegiam a abordagem deste tema nas escolas e colégios. "Muitos livros didáticos disponíveis, tanto na rede pública quanto privada, abordam o solo com informações desatualizadas, descontextualizadas da realidade nacional ou local, distanciando ainda mais os alunos e os professores desta temática", enfatiza.

A professora Vanda Moreira Martins, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), campus Marechal Cândido Rondon, que coordena o Projeto “O Solo na Escola” desde junho de 2017, afirma que as dificuldades para ensinar os conteúdos sobre solos estão diretamente relacionadas à algumas variáveis básicas identificadas durante o período de desenvolvimento do projeto.

Entre elas, a formação do professor não contempla o rol de conhecimentos específicos sobre alguns conteúdos ensinados nas séries do ensino básico, o que exige que ele desenvolva habilidades autodidatas. Entretanto, isso demanda tempo e dedicação na forma de carga horária de trabalho, o que frequentemente sobrecarrega o professor.

Segundo a professora, as escolas carecem de espaços adequados e de materiais didáticos temáticos sobre o solo. "O aluno precisa entrar em contato com o objeto de estudo, neste caso, o solo. O encantamento e o entusiasmo por aprender é uma condição indispensável nesse processo e as atividades práticas e lúdicas fornecem a condição adequada para compreender e aprender os conteúdos abordados".

Vanda explica que as atividades desenvolvidas no projeto são pautadas na interação e troca de experiências entre a comunidade universitária e a escolar (ensino básico público e privado), por meio de atendimentos na modalidade tutorias, oficinas, minicursos, palestras etc., com apoio das práticas pedagógicas diferenciadas relacionadas ao ensino do solo.  

Desde a implantação do projeto de extensão permanente em 2017, a equipe realizou atendimentos em vários municípios da região Oeste do Paraná. "Em todas as modalidades o público atendido (até o ano de 2021) passa de 2000 participantes entre professores e alunos das redes pública e privada, além da comunidade acadêmica".

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