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Por que a Lei de Proteção Industrial é fundamental?

No Brasil até a alguns anos atrás, a média estava em 13 anos, o que inviabilizava qualquer coisa


Foto: Marcel Oliveira

Você investiria tudo o que tem para criar um produto ou serviço que pode ser copiado a qualquer momento? Apostaria anos de trabalho no desenvolvimento de uma tecnologia sem garantia de que seria recompensado por isso? A Lei de Proteção Industrial é fundamental para dar segurança aos inventores de inovação.

Dá pra imaginar como o mundo estaria sem vacinas, medicamentos, geladeira, telefone, carro, computador, internet ou avião? Se algum cientista ou inventor não tivesse investido tempo, dinheiro e muita dedicação no desenvolvimento desses, e muitos outros, produtos e tecnologias, certamente, nossas vidas seriam bem mais difíceis.

Na agricultura, a tecnologia mudou a forma como produzimos alimentos tanto em quantidade quanto em qualidade. Graças aos avanços da ciência, hoje conseguimos ter acesso a uma alimentação variada o ano todo. A pesquisa e o desenvolvimento voltados à inovação, também nos permitiram produzir mais nas mesmas áreas – reduzindo a pressão por novas terras – e diminuindo o preço dos alimentos.

As universidades estão na base dessas transformações. Gerando e compartilhando conhecimento, formam os profissionais que asseguram a continuidade da produção científica. A busca por inovação é o principal objetivo da Inova, a Agência de Inovação da
UNICAMP, a Universidade de Campinas (SP), uma das principais instituições de ensino público do país. A Inova é responsável por atender e gerenciar a geração de novas tecnologias na universidade, auxiliando pesquisadores no licenciamento de inovações.

Entre as atribuições da agência, estão a redação e depósito de patentes; registro de programas de computador; identificação de produtos ou processos patenteáveis e licenciáveis. No Dia Internacional da Propriedade Intelectual, conversamos com Newton Frateschi, diretor executivo da Inova.

Como definir inovação?

É a transformação de ideias em algo que tenha impacto socioeconômico em todas as
áreas que se possa imaginar. A missão da universidade é basicamente formar e potencializar talentos para colocar para a sociedade. No processo dessa formação - de expor as pessoas à pesquisa, aos eventos universitários, às conversas, às comunidades, às coisas que não acontecem dentro da sala de aula - acaba potencializando um pensamento multidisciplinar que mistura desde as artes, humanidades até a ciência super aplicada. Pelo fato de você ter pesquisa, de ter talento, os resultados começam a aparecer. Além da questão científica, podem ter impacto como a transformação num produto ou serviço. Uma das coisas na área de inovar, de transformar, é que a propriedade intelectual, a proteção do que você faz é muito importante. É como negociar um terreno. Se ele não tiver com a documentação certa, ninguém confia, gera insegurança e o negócio não sai.

A agência foi criada para ajudar na implementação de inovações?

A Inova foi criada, em 2003, com 4 eixos: propriedade intelectual; transferência de tecnologias e parcerias; empreendedorismo (parque científico tecnológico e incubadora) e área de relações institucionais e marketing. Esse é o ponto crucial. Se você tiver qualquer um desses 4 pontos faltando, não funciona direito. Colocamos tudo isso numa agência. Esse foi o grande segredo e um ponto de interlocução.

Como a Inova funciona?

A patente é um dos itens. Temos o canal de comunicação de invenção. O professor ou o aluno ou a Inova que fez a prospecção com eles, entra no nosso site e comunica a invenção. E nossa área de propriedade intelectual vai olhar vários aspectos. O primeiro é checar a questão de patenteabilidade – se aquela invenção é patenteável ou não. Um outro olhar é pensando em inovação, na melhor estratégia pra transformar aquilo numa inovação, porque não queremos ter um banco de patentes como a gente tem. A gente quer que isso vire produto ou serviço. Então, esse processo, vamos ver se é melhor se for patenteável, se deve se patentear, se deve ficar só como know-how ou se é só uma marca. Uma vez decidido, verificamos se pode ser feita uma parceria com empresa ou se vamos criar uma nova. Decidida essa estratégia, vamos olhar na questão específica da propriedade intelectual. Os passos da patente: você pegou a comunicação de invenção, discute e apura os detalhes com o inventor. Aí, você faz uma busca de anterioridade para ver se não tem nada igual. Essa busca é bastante complexa. Caso seja descoberta alguma publicação que possa ser igual a invenção em análise, o inventor precisa justificar o invento. Uma vez que percebeu que a invenção é patenteável, considerando aquela estratégia de inovação, a partir daí, a Inova faz. Se for patente, ela vai escrevê-la, registrar no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) e fica no instituto. Durante o processo de patenteamento, os técnicos do INPI fazem exigências.

A patente pode ser depositada fora do Brasil. Existe um acordo internacional que você deposita e, potencialmente, pode deixar a tecnologia protegida por 1 ano para, eventualmente, depositar na Europa ou nos Estados Unidos. A gente busca financiamento de uma empresa para bancar o depósito fora do Brasil porque é muito
caro.

A agência é destinada a que público?

É destinada ao público da Unicamp. Agora, como uma das ações é disponibilizar, por exemplo, a ocupação do nosso parque científico tecnológico, eventual licenciamento de alguma tecnologia por alguma empresa ou uma parceria de pesquisa e desenvolvimento com a universidade, nós estamos atendendo essa demanda externa, ou seja, fazendo a ligação entre os dois. O que não fazemos é atender uma outra universidade. A princípio, poderíamos como uma consultoria, mas não temos braço. Nossa missão é atender as tecnologias da universidade.

E quanto tempo se leva para todo esse processo?

Nosso processo é o mais tangível porque a gente sabe exatamente como fazer a patente. O prazo, hoje, é bastante curto: 4 meses. E o tempo que a gente leva da comunicação de invenção ao depósito de patente. Agora do depósito até a concessão da patente, é um processo que é totalmente externo. Os Estados Unidos têm uma coisa que não temos no Brasil. Você deposita e em um mês tem um documento dizendo que está protegido por 1 ano, tendo esse período para depositar a patente. No máximo em 3 anos, a patente já foi analisada, recusada ou concedida.

No Brasil até a alguns anos atrás, a média estava em 13 anos, o que inviabilizava qualquer coisa. Muitas vezes, você não tem investimento e não pode fazer nada com a patente porque fica lá depositada, o que gera insegurança. Isso atrapalhou muito. Mas, a gestão hoje do INPI está indo muito rápida. Tínhamos patentes lá (no INPI) levando 10 anos para conseguir ser analisada. Hoje, há um esforço muito grande para concessão. No ano passado, 100 patentes que estavam no portfólio foram concedidas. Temos, em média, entre 60, 70 patentes depositadas por ano na Inova. Mas, temos um portfólio de mais de 1000, entre elas, a maioria depositadas e não concedidas ainda.

O que pode ser feito para agilizar esse trâmite?

O INPI está trabalhando muito bem agora. Toda patente quando se deposita, paga-se um guia de recolhimento (GRU), para união e não para o INPI. Então, o instituto vive sempre as mínguas. Há um ano, para suprir o backlog do INPI, precisaria pegar o número de especialistas, multiplicar por 2 e, ainda, ia demorar uns 10 anos para tirar o atraso. O que precisa é reestruturar o INPI. Tem que contratar mais gente, ter uma metodologia mais rápida porque patente demorar 13 anos é praticamente igual a nada.

Quantas patentes a Inova possui e em que áreas?

Entre 1000 e 1100 patentes vigentes. Devo dizer que várias patentes são licenciadas para se desenvolver coisas. Então, tem várias nas áreas de fármacos, de biotecnologia. Há patentes na área de agro ligadas a processos de fermentação, de transformar a biomassa em álcool. Tem patentes também na área de mecanização, ligadas a agricultura de precisão, a identificação por alguma forma de doenças ou de falta de algum tipo de nutriente que pode ser suprido de uma forma inovadora. Também temos trabalhos na produção de novas modalidades de sementes, principalmente de cana, que demandam menos água e que são mais resistentes a ataques de pragas.

Como a Inova estimula a inovação?

O mais forte é o Desafio Unicamp. A Inova seleciona e avalia tecnologias da universidade, as quais acreditamos ter maior tendência de criação de spin-off (uma nova empresa que nasce de uma tecnologia, de um conhecimento da universidade). Aí, abrimos essas patentes com contrato e sigilo para pessoas de dentro e fora da universidade fazerem grupos. Nós os ajudamos a transformar aquela tecnologia num negócio pensando em toda a cadeia: necessidade de suprimentos, investimento, público, canal de marketing. É uma competição. Cada integrante do grupo vencedor ganha 3 mil reais. Estamos na 11ª edição e já foram criados 8 spin-offs. E tem uma parte interessante porque, além de fazer isso, centenas de tecnologias foram trabalhadas e estudadas, é uma forma de divulgar o que a gente tem. Um outro ponto é a educação. A cabeça muda quando se pensa em transformar em negócio.

Às vezes, a pessoa acha que teve uma ideia genial, mas tem um abismo ali no meio até virar um negócio. É isso que estamos ensinando. Esse é o carro chefe. Também tem o Inova Jovem voltado para alunos do segundo grau de todo o Brasil. A diferença é que eles têm que trazer a tecnologia desenvolvendo o caráter empreendedor. Começamos há 3 anos e as tecnologias têm que estar dentro de algum dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) das Nações Unidas. É um treinamento inclusive sustentável, porque acreditamos muito que o desenvolvimento sustentável é baseado no conhecimento. Por fim, tem o Prêmio Inventores, voltado aos profissionais da universidade que trabalham com inovação. O Prêmio Inventores valoriza o pesquisador, o docente que trabalha por depositar patentes, por ajudar na criação de novas empresas ou por licenciar sua tecnologia.

Atualmente, há uma discussão no Supremo Tribunal Federal sobre as patentes. A
Procuradoria Geral da República solicita via ADI 5529 que o artigo 40 do parágrafo
único seja retirado da Lei da Propriedade Industrial. O argumento é que o dispositivo é inconstitucional. Como o senhor analisa esse processo?

Acho que é fundamental resguardar esse direito à inovação e à proteção da inovação. Isso tem que ser sempre respeitado. Inclusive, quando você vê questões de vacina, por exemplo, há quem diga que temos que violar a patente porque isso é de direito. Na verdade, o que se pede não é violar a patente, é você, por exemplo, usá-la pagando, porque quando começa a desrespeitar isso, quebra o esquema todo. Isso é muito importante para o desenvolvimento tecnológico, da transformação de conhecimento em inovação, é muito importante que tenha a garantia da segurança jurídica. O Brasil não pode ficar indo e voltando. O que tenho visto é que no Brasil as coisas vão acontecendo e a lei corre atrás, porque se for esperar uma lei que dá toda segurança jurídica você não faz nada. O que tem que permear tudo isso é, realmente, o direito à propriedade intelectual porque sem isso vira o caos e, aí é terra de ninguém.

E como ficaríamos sem inovação?

As pessoas naturalmente têm que inovar. Só que essa inovação pode ser a inovação do desespero. Eu estou morrendo de fome e de algum jeito eu tenho que me virar, a gente tem muito disso no Brasil. Sem inovação, você vai ficando à deriva, vai ficando marginal. Sem inovação, você não tem sustentabilidade, não tem desenvolvimento, você tem a pobreza, tem o caos, tem a ignorância e está, realmente, levando à marginalização de uma região e/ou de um povo. E isso é muito sério. O papel da inovação em transformar, em criar emprego, é o futuro. Não tem outro caminho.
 

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