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Por um mercado mais justo

Barreiras protecionistas e subsídios agrícolas minam a competitividade dos países emergentes e dificultam o acesso a alimentos com preços melhores


Barreiras protecionistas e subsídios agrícolas minam a competitividade dos países emergentes e dificultam o acesso a alimentos com preços melhores

Os subsídios influenciam a trajetória agrícola do Brasil. O País não tem medidas protecionistas dessa natureza em favor de seus produtores rurais, mas sua história está recheada de consequências sofridas por conta dos incentivos que governos de outros países dão a seus produtores. O resultado é a perda de competitividade no mercado internacional e prejuízo para o agro nacional.

O Brasil já sofreu, por exemplo, o embargo russo e norte-americano à carne e teve o etanol sobretaxado por conta das pressões dos produtores de milho dos Estados Unidos, medida esta que não foi renovada pelo Congresso dos EUA. Confira aqui.

Iniciativas como estas estão se tornando cada vez mais comuns no jogo do comércio agrícola internacional. Mas de que forma barreiras e subsídios atingem países, especialmente os mais pobres e os emergentes, bem como prejudicam a economia mundial? Na quarta reportagem da série “Onze maneiras de alimentar 7 bilhões”, o Sou Agro mostra os impactos dessas ações na produção e no acesso aos alimentos.

Medidas protecionistas como os subsídios agrícolas permeiam o mundo há décadas. Na Europa, eles [os subsídios] chegaram a responder por 84% do orçamento do continente na década de 70. Por meio da sua Política Agrícola Comum (PAC), o bloco europeu concede, atualmente, 42% de seu orçamento para subsidiar a produção agrícola e pecuária. “Cerca de um terço do orçamento é usado para subsidiar os agricultores, que respondem por 5% da população”, explica Fernando Sampaio, diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec).

Mesmo comprometendo boa parte de seu orçamento, a Comissão Europeia sinalizou que deverá renovar em 2012 a Política Agrícola Comum (PAC) com altos subsídios aos seus produtores. Na próxima década, eles devem totalizar o equivalente a R$ 1,2 trilhão. “A PAC apoia não só a agricultura moderna, mas também uma agricultura antiquada”, diz a deputada europeia Britta Reimers, da Dinamarca.

O Parlamento Europeu votará a nova PAC em 2012. “Penso que seria melhor investir o dinheiro comum em outras áreas, como pesquisa e desenvolvimento”, defende Britta. Mas as chances de isso acontecer são pequenas. “Brasil e Austrália precisam entender que os pequenos agricultores europeus precisam de proteção”, diz o deputado europeu Albert Dess, alemão que é líder da bancada ruralista no Parlamento Europeu.

Crise

Apesar da importância de se reduzir as barreiras comerciais para combater a pobreza e a fome, o momento de crise não é propício para a abertura de mercados. “Historicamente, o mundo só liberaliza o comércio quando está crescendo”, diz o diretor geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), André Nassar, que é também coordenador da RedeAgro.

Provas disso estão claras. Após quase uma década de negociações, a Rodada Doha de liberalização comercial foi oficialmente encerrada sem nenhum sucesso. As negociações comerciais para um acordo entre Mercosul e União Europeia também têm dificuldades para avançar. “A crise tende a fazer os países protegerem mais seus mercados e seus empregos, o que dificulta as negociações internacionais”, explica Nassar.

Por outro lado, a manutenção de subsídios faz com que os preços dos produtos nos mercados atinjam níveis além da realidade praticada. Para Sampaio, muitos países colocam barreiras à entrada de produtos importados, a fim de proteger sua produção, mas isso acaba camuflando a ineficiência produtiva. Dessa forma, muitos produtos chegam ao varejo com preços mais elevados, dificultando o acesso das pessoas aos alimentos. “Isso distorce o mercado e afeta o consumidor, que passa a pagar mais pela ineficiência.”

No Brasil, muitas mudanças ajudaram os produtores a produzir mais e melhor, segundo Pedro de Camargo Neto, pecuarista e presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs), dirigente rural que ajudou o Brasil a abrir o painel do algodão na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001. Para ele, “a privatização dos portos, os avanços em segurança sanitária e a diminuição nos impostos sobre as importações de alguns produtos como fertilizantes, ajudaram a baratear os custos de produção”.

O dilema do algodão
Um dos casos mais emblemáticos de disputas na OMC é o do algodão brasileiro. No ano passado, o Brasil conseguiu o direito de retaliar os EUA, caso o país não deixasse de oferecer a seus produtores de algodão, subsídios para continuarem produzindo, já que mesmo com custos mais altos do que os demais países, os cotonicultores norte-americanos respondem por 40% das exportações mundiais. O processo brasileiro foi o primeiro da história do órgão internacional, envolvendo a agricultura.

Ao final ficou acertado que os norte-americanos repassariam aos produtores brasileiros, US$ 147,3 milhões anuais, como compensação pelos subsídios pagos aos seus agricultores. O acordo prevê que o pagamento será feito até o ano que vem e a partir daí deverá haver um corte nos subsídios. Mas ao que parece, o suporte dos governos aos produtores já começa a diminuir.

“Como os preços agrícolas subiram muito nos últimos anos, houve uma redução natural dos subsídios nos Estados Unidos e na Europa”, explica Camargo Neto. Ele afirma que a crise econômica também contribuiu para a redução do orçamento para esse tipo de iniciativa.
A FAO, órgão das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, defende o fim dos subsídios para a produção agrícola.

“A produção de alimentos e de biocombustíveis precisa ser feita sem subsídios. O mercado deve selecionar naturalmente, qual região ou país será apto a produzir determinado item”, explica Helder Muteia, representante do órgão para a América Latina. Para ele, deve haver maior sinergia entre os países do hemisfério sul, pois “a cooperação horizontal permite aportes como a transferência de tecnologias, ajuda humanitária e novas oportunidades comerciais e financeiras”.

Eficiência cooperada
Em meio a tantos embargos e empecilhos para a exportação, muitos produtores brasileiros, especialmente pequenos e médios, acabam perdendo também a competitividade no mercado doméstico, por conta das diferenças entre os preços de produtos subsidiados e não subsidiados.

Uma das saídas para ganhar mais competitividade, ter melhor acesso a linha de créditos e tecnologia está na organização das cooperativas. Muitas delas são exemplos de como a união de produtores permite ganhos para toda a cadeia produtiva, com redução dos custos de produção e melhora na qualidade dos produtos, como é o caso da cooperativa paranaense Cocamar.

Fundada em 1963, a cooperativa tem 10 mil produtores associados, sendo que 75% deles são pequenos cooperados, cujas propriedades têm menos de 50 hectares. “Para os pequenos, a única maneira de negociar preços justos e conseguir ter competitividade é por meio das cooperativas. Assim negociamos como os grandes produtores”, destaca Luiz Lourenço, presidente da Cocamar.

Com um faturamento estimado em R$ 2 bilhões ao final deste ano, a organização tem no mercado interno o seu foco. Além da venda de soja, milho, café e laranja, a cooperativa também tem uma linha de produtos acabados, como óleos vegetais, sucos de soja e margarinas, com marcas próprias. Juntas, elas respondem por 25% do faturamento total da Cocamar.

Tudo isso foi possível graças ao trabalho de capacitação dos produtores, por meio de cursos, visitas técnicas, treinamento e acesso à tecnologia. “Vendemos por preços abaixo dos grandes ‘players’, já que não temos intermediários e o trabalho de capacitação dos produtores permite aumento da produtividade com redução de custos”, diz Lourenço.

Mas para ele, o maior ganho da cooperativa durante toda a sua existência é o humano. “Com o trabalho e a união dos cooperados, a região se desenvolveu mais, as famílias melhoraram a renda e o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), melhorou também.”

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