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Produção de grãos e formação de pastagem (Parte II)


Acredita-se que o consórcio de culturas ou cultivos múltiplos em uma mesma área durante o mesmo ano, é praticado desde os primórdios da civilização e seja uma tradição ligada aos costumes indígenas. Observou-se, por exemplo, no México, que a área de distribuição do milho silvestre é a mesma de variedades silvestres de feijão-comum e que, tendo as duas espécies o mesmo ciclo vegetativo, ao crescerem juntas, o milho serve de suporte ao feijão-comum.

Conclui-se que o sistema de associar as culturas foi copiado da natureza pelos indígenas, e, posteriormente, transferido aos colonizadores. Nos trópicos, o exemplo mais marcante vem dos pequenos agricultores, com recursos limitados, ao praticarem, nos minifúndios, os mais variados sistemas de consórcios de culturas. Procuram, desta forma, diminuir os riscos de insucesso, aproveitar melhor a mão-de-obra e a área que dispõem, dar a família uma fonte variada de alimento e, ao mesmo tempo, aumentar o lucro em condições de tecnologia mais simples.

O consórcio mais comum praticado no Brasil é o de milho e feijão. Entretanto, na abertura dos cerrados para a formação de pastagens, o consórcio de arroz com braquiárias foi largamente usado tanto na implantação como na recuperação de pastagens degradadas, tecnologia conhecida como Sistema Barreirão, envolvendo, também, outras culturas. Mais recentemente, em áreas de lavoura, com solos devidamente corrigidos, é preconizado o sistema consorciado de culturas de grãos com forrageiras na integração lavoura-pecuária, cognominado de Sistema Santa Fé-Tecnologia Embrapa, homenageando a Fazenda Santa Fé, em Santa Helena de Goiás (GO) onde se deu o desenvolvimento inicial da tecnologia.

Em quaisquer situações, o consórcio ou cultivos múltiplos tem sido mais eficiente que as monoculturas pelo uso mais eficiente da terra, capital, trabalho e melhor aproveitamento dos recursos do ambiente (água, luz e nutrientes), devido, principalmente, as diferenças no espaço e no tempo, na sua utilização pelas espécies consorciadas.

O Sistema Santa Fé fundamenta-se na produção consorciada de culturas de grãos, especialmente milho, sorgo, milheto, arroz e soja, com forrageiras tropicais, principalmente as do gênero Brachiaria, tanto no Sistema Plantio Direto como no convencional, em áreas de lavoura, com solo parcial ou devidamente corrigido.

Nestes, as culturas anuais apresentam grande performance de desenvolvimento inicial, exercendo com isto alta competição sobre as forrageiras, evitando assim redução significativa nas suas capacidades produtivas de grãos. Os principais objetivos do Sistema Santa Fé são a produção forrageira para a entressafra e palhada em quantidade e qualidade para o Sistema Plantio Direto.

Este sistema apresenta grande vantagem pois não altera o cronograma de atividades do produtor, é de baixo custo e não exige equipamentos especiais para sua implantação. O consórcio é estabelecido anualmente, podendo ser implantado simultaneamente ao plantio da cultura anual ou cerca de 10 a 20 dias após a emergência desta. O sistema já foi definido para as culturas do milho, sorgo e milheto, e estão se complementando os estudos para a inserção das culturas do arroz e da soja.

As consorciações preconizadas pelo Sistema Santa Fé podem ser estabelecidas de forma simultânea ou em pós-emergência da cultura anual. Para o estabelecimento do sistema em semeadura simultânea, em princípio, a única modificação em relação ao sistema convencional de implantação da lavoura é a adição das sementes da forrageira, porém, alguns cuidados devem ser observados para a implantação do consórcio.

 Dessecação da área ou preparo do solo

A dessecação da resteva ou o preparo do solo são feitos, seguindo-se as recomendações convencionais vigentes.

 Semente da forrageira

Utilizam-se 5 a 10 kg de semente de braquiária (Brachiaria brizantha, B. decumbens ou B. ruziziensis) por hectare com valor cultural (VC) igual ou superior a 30%. Caso o VC da semente seja diferente deste, ajustar a quantidade por hectare. Para os consórcios de milho e sorgo, pode-se utilizar 7 a 10 kg de semente, e 5 kg para a soja. No caso do consórcio com o milheto, pode-se utilizar até 15-20 kg de semente de braquiária por hectare. A população mínima desejada da forrageira é de 4 a 6 plantas por metro quadrado, para que a área seja satisfatoriamente coberta pela forrageira. Para o milho e sorgo pode-se estabelecer entre 8 a 10 plantas por metro quadrado, para o milheto 10 a 20 plantas por metro quadrado, e, para a soja e arroz, não se deve passar de 6 plantas por metro quadrado.

 Adubação

As sementes da forrageira são misturadas ao adubo correspondente a um hectare, não devendo armazenar a mistura por mais de 48 horas, para adubos com médio teor de nitrogênio (N) e potássio (K), exemplo (5-30-15) e por mais de 24 horas para os ricos em N e K (exemplo 8-20-20). A quantidade de adubo segue as recomendações convencionais, considerando-se o solo e a exigência da cultura.

 Semeadura

Na operação de semeadura, deve-se utilizar velocidade variável, entre 4 e 6 km por hora, e regular para que a mistura de adubo e semente da forrageira seja colocada mais profundamente que as sementes da cultura anual, em torno de 2 a 6 cm. Nos solos com teor de argila entre 30% e 50%, a profundidade de adubação em relação à semente da cultura anual pode ser de 4 a 6 cm. Nos solos com mais de 60% de argila ou mais de 70% de areia, a adubação deve ser mais superficial, em torno de 2 a 3 cm abaixo das sementes da cultura.

 Ajuste das plantadoras

Para as culturas que exigem espaçamento entre linhas de 30 a 60 cm, utiliza-se a plantadora de forma convencional, semeando a forrageira (misturada ao adubo) em todas as linhas da cultura anual. Para espaçamentos maiores que 60 cm, caso se deseje colocar uma fileira adicional da forrageira entremeio às da cultura anual, o procedimento pode ser o seguinte: se houver disponibilidade de semeadora com carrinhos independentes para adubo e sementes, basta regular a plantadora convencionalmente para a cultura e utilizar as caixas e mecanismos do entremeio para distribuir apenas o adubo misturado às sementes da forrageira ou mesmo as sementes puras da forrageira. Neste caso convém misturar 50 kg por hectare de superfosfato simples com as sementes das forrageiras para facilitar a semeadura. No caso das plantadoras cujo reservatório de adubo é na forma de cocho, deve-se utilizar a caixa de sementes das linhas intermediárias para a distribuição das sementes da forrageira puras ou misturadas ao superfosfato simples. No caso de sementes puras, deve se optar pelo disco dosador recomendado para a cultura do sorgo.

 Adubação de cobertura

Adubação nitrogenada em cobertura para o milho, sorgo e milheto deve ser antecipada, em relação ao plantio convencional. Nos solos com mais de 30% de argila aplicar todo o nitrogênio cerca de 10 dias após a emergência das plântulas. Nos solos com mais de 70% de areia, recomenda-se aplicar 50% do nitrogênio aos 10 dias da emergência e o restante quando o milho, o sorgo ou o milheto apresentarem 6 a 7 folhas totalmente expandidas, e o arroz estiver no estádio de primórdio floral.

 Manejo de herbicidas

No Sistema Plantio Direto, a aplicação correta de herbicidas tanto de manejo (dessecante) como os pós-emergentes é de primordial importância para o estabelecimento do consórcio e também no caso do uso das forrageiras como cobertura morta.

É importante, na semeadura simultânea, que até a completa emergência das plântulas das espécies consorciadas não tenham ainda emergido muitas plantas daninhas. Para isto, deve-se realizar a semeadura imediatamente após a dessecação caso a área não apresente grande quantidade de cobertura viva, em número de plantas ou volume de massa vegetal. Caso contrário, deve-se proceder à dessecação com herbicida sistêmico, aguardar o secamento das plantas e a emergência de novas plantas daninhas, realizar a semeadura, e, em seguida, antes da emergência das espécies consorciadas, dessecar com herbicida de contato (eliminação do primeiro fluxo de plantas daninhas). Este procedimento é de extrema importância para o sucesso do sistema.

Após a emergência das espécies consorciadas, deve-se usar herbicidas específicos para o controle de plantas daninhas de folhas largas, seguindo-se as recomendações convencionais. Como a braquiária é uma gramínea, no caso do controle de plantas daninhas de folhas estreitas deve-se fazer um manejo com sub-doses de herbicidas.

 Colheita das culturas

Para os consórcios entre sorgo, arroz ou milho com forrageira, o procedimento de colheita é o convencional. Deve-se, contudo, evitar atrasos, já que a partir de senescência da cultura, as forrageiras tendem a crescer muito vigorosamente , podendo causar embuchamento ou reduzir a velocidade de operação da colhedora.

No caso do consórcio com soja, dependendo do desenvolvimento e população da forrageira, pode-se necessitar de uma aplicação de dessecante de contato, em subdose, com o intuito de desidratar a parte aérea das forrageiras, melhorando com isto o rendimento da colhedora bem como garantindo a qualidade do produto colhido.

A semeadura da forrageira em pós-emergência da cultura anual é particularmente recomendada para áreas muito infestadas por plantas daninhas, principalmente as de folha estreita, pois permite controlá-las em pós-emergência precoce e em seguida semear a cultura forrageira.

Este procedimento também pode ser utilizado no consórcio soja x forrageira, possibilitando a maximização da capacidade competitiva da soja. Os procedimentos são semelhantes à semeadura simultânea, no que diz respeito à dessecação ou preparo do solo, quantidade de sementes, adubação em cobertura e colheita.

A operação de semeadura da forrageira, neste caso, torna-se mais simplificada. Deve-se utilizar o espaçamento idêntico ao da cultura anual, porém os sulcos de semeadura da forrageira devem ser feitos o mais próximo possível das fileiras da cultura anual.

Pode-se usar tanto a mistura de sementes com fertilizantes, neste caso, usar o superfosfato simples em dose reduzida, ou o disco dosador de sorgo no caso de sementes puras. No caso de espaçamento da cultura anual ser superior a 80 cm, deve-se semear duas fileiras da forrageira entre duas fileiras da cultura anual. Deve ser considerado também que a semeadura muito tardia de forrageira resultará numa qualidade inferior do seu estabelecimento e desenvolvimento.

Tanto para a semeadura simultânea como em pós-emergência da cultura anual, se houver qualquer equívoco que redunde em excessiva competição da forrageira sobre a cultura anual, basta utilizar os herbicidas convencionais para eliminação das plantas forrageiras.

Autores: João Kluthcouski e Homero Aidar

Pesquisadores da Embrapa Arroz e Feijão

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