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Setor deve sofrer nova crise por falta de financiamentos

Faemg estima que não haverá capacidade de pagamento suficiente


O atual presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg) e futuro dirigente do Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa de Minas Gerais (Sebrae Minas), Roberto Simões, concedeu entrevista ao Diário do Comércio, na qual abordou as dificuldades e a crise que afetou o agronegócio brasileiro e mineiro e criticou a falta de apoio da União. De acordo com as estimativas, os prejuízos do setor em 2006 atingiram um montante da ordem de R$ 30 bilhões.

Em relação à reforma agrária, Simões defendeu a implementação de programas eficientes, que não estejam focados somente na distribuição de terra, mas no fornecimento de condições para que as famílias assentadas possam se tornar produtores rurais. De acordo com o presidente da Faemg, o Incra distribuiu até hoje cerca de 62 milhões de hectares, o que representa uma área maior do que os 48 milhões de hectares utilizados na atual produção nacional, que foi superior a 120 milhões de toneladas.

No primeiro mandato o governo federal falhou em relação à agricultura? O presidente Lula chegou a dizer que a crise do setor o "pegou de calças curtas".

Nós acreditamos que sim. Poderíamos ter obtido muito mais apoio do que tivemos. Esse foi um ano diferente para agricultura brasileira e mineira. Tivemos uma crise muito séria causada por vários fatores que nos prejudicaram muito. Sentimos a falta do apoio da União, principalmente em relação ao ajuste das contas das prorrogações da dívida dos agricultores. Foi preciso fazer "tratoraço" e manifestações e o governo federal foi insensível, achando que estes movimentos eram indevidos. E acabou que a crise existiu e ainda existe com muita força. Houve queda das aplicações orçamentárias, retração das defesas sanitárias, diminuição das pesquisas agropecuárias e estes são segmentos que não podem ficar sem recursos.

E para o novo mandato do presidente Lula, qual é a expectativa?

Se houver boa intenção política, o segundo mandato pode ser melhor do que foi o primeiro. Contudo, ainda não temos uma expectativa formada. Primeiro porque é uma época de transição, não sabemos quem será o ministro, não se sabe também quais os projetos específicos do governo federal para o próximo mandato. Acredito que a partir do início do ano que vem já seja possível ter uma posição mais clara. Mas, como somos otimistas, acreditamos naquilo que o próprio presidente disse após a eleição, quando afirmou que aquilo que não foi bom no primeiro mandato seria corrigido no segundo. E, neste caso, ele precisa apoiar mais o agronegócio.

Quais as principais demandas do setor agropecuário?

É preciso investir na infra-estrutura para o escoamento da produção. Investir mais nas estradas, nas ferrovias e nos portos também. É preciso dar mais incentivo à defesa e à pesquisa. Acredito que a adoção de medidas como estas irão levar o nosso agronegócio mais avante, pois a agricultura já demonstrou ser a vocação natural do Brasil e de Minas Gerais também.

O próximo exercício será um ano de retomada para a agricultura?

Em 2006 o setor agropecuário sofreu com grandes problemas, pois contou com um período muito ruim. Depois, pela própria força do agronegócio no país, os produtores foram se recuperando em ritmo lento e alguns segmentos até conseguiram reverter o cenário negativo. Faltando três ou quatro meses para encerrar o ano, houve uma recuperação significativa e chegamos até a registrar recordes de exportações. Um segmento que apresentou melhora foi o de carnes, por exemplo. Outros segmentos que também reagiram no final de 2006 foram o de cana-de-açúcar, soja, milho e de algumas frutas. No entanto, em Minas Gerais, este cenário foi impulsionado pelo café, que viveu ano de safra cheia. Para o próximo ano, estimamos que tanto o volume produzido quanto a receita do setor deverão, no máximo, se repetir, podendo até haver reduções em alguns segmentos, pois já é possível perceber uma diminuição média de 5% da área plantada no Estado e também da quantidade de insumos vendidos.

Diante deste cenário, qual é a expectativa para 2007?

Podemos esperar para 2007 uma nova crise financeira para a agricultura, principalmente a partir de março ou abril. As prorrogações das dívidas, que foram conseguidas com muita dificuldade pelo setor, foram feitas de forma inadequada. Para 2007, estão previstos os vencimentos de 2004, 2005, 2006 e ainda algumas parcelas remanescentes, como as de securitização. Com todos estes fatores reunidos, posso afirmar que não haverá capacidade de pagamento suficiente. Neste ano que se inicia, o governo vai ter que interferir novamente na recomposição do fluxo de caixa de alguns agricultores.

Qual o entendimento do senhor sobre as ocupações de terras realizadas pelos movimentos que defendem a reforma agrária?

Este é um assunto polêmico. Na minha opinião, o projeto de reforma agrária que nós temos no Brasil tem uma visão completamente errada das coisas. Este discurso de que está-se fazendo reforma agrária para a produção de alimentos e melhorar a vida das pessoas não tem sido verdadeiro. Primeiro, porque o Incra e outros órgãos do governo não têm conseguido dar continuidade necessária aos assentamentos já existentes. Muitos deles estão favelados, outros não possuem assistência nenhuma, outros já até venderam as terras que receberam. Isto tudo tem que ser melhorado, terra para todos tem à vontade e de sobra. Agora, o que é preciso ser feito são programas com compromissos de assentar pessoas que tenham ligação com a terra e vocação para a agricultura, não é qualquer morador da periferia de grandes centros que vai ser tornar um produtor rural. Precisamos ter um país onde respeitem as leis, que tenha marcos regulatórios bastante definidos. Como trazer investimentos para um país, se não há nem a garantia da propriedade dos negócios.

Na opinião do senhor, há leniência do governo federal em relação às ocupações ilegais dos movimentos sem-terra?

Com certeza. E isso vem acontecendo há mais tempo, não é de agora. O governo já demonstrou este consentimento desde que os movimentos começaram a invadir prédios públicos e nenhuma medida foi tomada.

Qual é a representatividade da agricultura no Produto Interno Bruto (PIB) mineiro?

Não temos ainda em Minas Gerais um cálculo efetivo e aprofundado que possa revelar quanto do PIB de Minas é referente à agricultura. A Faemg está até contratando um estudo desta natureza, para que possamos produzir pesquisas mais específicas. Contudo, em âmbito nacional, o agronegócio representa um percentual equivalente a, aproximadamente, 37% do PIB brasileiro, gerando cerca de 27% dos postos de trabalho existentes no país.

Como o senhor vê o acesso dos produtores às linhas de financiamento?

O acesso existe, mas sempre com mais dificuldade e burocracia do que desejamos. Quando o governo anuncia uma dotação de recursos para qualquer tipo de programa, este montante demora muito chegar à mão do gerente de uma agência bancária do interior, para que ele possa negociar o empréstimo com o produtor. Muitas vezes, esse processo se perde no meio do caminho. Além disso, existe ainda a seleção natural das próprias instituições financeiras, que tendem a deixar de lado os clientes que já tiveram problemas anteriormente e que possuem prorrogações das dívidas.

E se o governo não se disponibilizar a prorrogar as dívidas dos produtores?

Os produtores serão forçados a buscar capital de outras formas, seja com os próprios fornecedores ou no mercado financeiro, por exemplo. Como conseqüência, eles passarão a contar com uma cesta média de juros muito alta, o que é incompatível com o setor e que pode até inviabilizar a produção.

O Brasil não possui uma política agrícola definida. Como a ausência de normas específicas e marcos regulatórios prejudicam o desenvolvimento do setor?

Esta é a grande dificuldade que nós sentimos. E é por este motivo que não podemos traçar planejamentos e perspectivas mais concretas para o futuro. O setor agrícola brasileiro ficou por muito tempo sem trabalhar com projetos planejados e com objetivos para longo prazo. Acho que precisamos voltar a estabelecer planejamentos, definir diretrizes, linhas e políticas e ver quais são os objetivos do governo em relação à agricultura e onde se quer chegar. Agora, deve haver também a contrapartida em relação a estas iniciativas, pois não é só o governo que é responsável, muito pelo contrário. Nós da iniciativa privada também temos que evoluir muito ainda, pois precisamos de mais organização nas nossas bases, definir prioridades, ações e políticas, para que possamos ser coerentes com as nossas demandas. É preciso haver definição por parte do governo, mas precisa também haver coerência no setor privado para que possamos, em conjunto, desenvolver uma política agrícola eficiente.

Falta ainda a profissionalização do produtor rural?

Com certeza. A produção agropecuária evoluiu extraordinariamente na questão tecnológica, mas na gestão, na maioria dos casos, ela ainda não se desenvolveu o suficiente. Precisamos evoluir muito na gestão dos negócios próprios e mais ainda na gestão dos negócios coletivos. Sem falar na negociação entre os elos da cadeia produtiva, que se chama a coordenação das cadeias, que ainda é completamente atrasada. Parece que alguns segmentos ainda pensam que devem engolir os outros, e não é assim que funciona. Só será a partir desta mudança de postura é que vamos progredir realmente.

Além da profissionalização dos gestores do agronegócio, é preciso também que a mão-de-obra passe por processo de qualificação?

Esse é o grande papel que o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) está fazendo. Temos realizado aqui em Minas treinamentos com cerca de 80 mil trabalhadores rurais por ano, que são formados em cursos profissionalizantes, de curta duração. Não tenho dúvidas que para atingir uma agricultura desenvolvida, que seja sustentável e tenha alta segurança alimentar, sem resíduos, é preciso uma mão-de-obra treinada e especializada.

Na opinião do senhor, o Estado precisa descentralizar a produção e exportação do setor agrícola?

Com certeza. Quanto mais descentralizada a produção e a exportação, melhor será para o Estado. Outro fato que é importante ressaltar é a necessidade de exportar produtos acabados. Ao invés de vender para outros países simplesmente grãos e soja, precisamos exportar mais suínos e mais frango, que consomem as rações que levam estes grãos e a soja como insumos. Outro item que também pode ser mais explorado é a venda de rações prontas. Em relação ao café, atualmente já há uma tendência de explorar a comercialização do produto final, que tenha passado por processos industriais para torrar, moer, e por diferentes formas de preparação, ao invés de vender o grão como commodity. Minas carece muito de um parque agroindustrial melhor do que o que possui hoje, justamente para poder agregar mais valor à produção.

Em relação ao setor sucroalcooleiro, o senhor entende que a redução do ICMS para, por exemplo o patamar de 12%, contra os 25% em Minas, pode estimular a instalação de novas plantas no Estado?

A redução do ICMS ajudará a viabilizar mais a produção de álcool e de açúcar, pois temos uma diferença acentuada deste imposto entre Minas e outros estados. No entanto, mesmo diante deste cenário, o Estado tem recebido a instalação de diversos empreendimentos deste setor. Com certeza, se tivéssemos as mesmas condições de outros entes da Federação, poderíamos gerar mais segurança para os empreendimentos já consolidados e para os futuros aportes.

Como o senhor vê o programa Minas Carne, que foi implementado pelo governo estadual para aumentar a competitividade dos frigoríficos mineiros?

O Minas Carne é um bom programa. Neste caso, houve a equiparação do imposto de Minas Gerais em relação aos principais estados, o que estimulou a produção. Há também o incentivo através de um projeto de industrialização de frigoríficos, que já rendeu a vinda de um frigorífico exportador para o Estado, que se instalou em Janaúba (Norte de Minas). Acredito que precisamos de mais frigoríficos que trabalhem com este padrão de qualidade, e o Minas Carne é uma das principais formas de estimular a instalação destes empreendimentos.

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