Soja: Preço não garante renda
Cenário ao grão segue positivo totalmente sustentado pela demanda
A sojicultura nacional, especialmente a mato-grossense – a maior do Brasil –, completará na próxima safra, 2012/13, a sexta temporada positiva da cultura, período marcado pela dobradinha “cotações e rentabilidade”. A notícia boa é que considerando cenários de médio e longo prazos – até o final desta década – a demanda mundial por grãos deve sustentar preços em níveis acima da média histórica. A má notícia é que nem toda cotação favorável é sinônimo de remuneração.
O sojicultor que tiver condições e estratégias que garantam retorno positivo deverá desfrutar por alguns anos o efeito China, que traz a reboque, em um panorama conservador, preços sustentados em cerca de US$ 13 por bushel.
Comparando a expectativa com os preços atuais, na sexta-feira fechou a US$ 14,42, o valor é inferior, no entanto a média já foi de US$ 9,50 e US$ 9,08, em março de 2010 e 2009, respectivamente. Em março de 2011 a média foi de US$ 13,55 e em março deste ano, US$ 13,52. O recorde foi US$ 16,58 em 3 de julho de 2008, após as lavouras norte-americanas serem comprometidas por geadas. O contrato março é o primeiro a ser liquidado e isso é feito em plena boca de safra. Os preços demonstram que mesmo sobre pressão da oferta o mercado segue altista, numa prova do tamanho de seu apetite.
Alerta de que nem todo preço bom é na mesma proporção remunerador, pelo menos para a realidade mato-grossense, foi dado pelo agrônomo e sócio-diretor da Agroconsult, André Pessôa, que esteve na semana passada em Cuiabá (MT), onde participou da abertura da 7ª edição do Circuito Aprosoja. As chances de que os preços na casa (e com picos acima) de US$ 13 por bushel (padrão de medida norte-americano que equivale a 27,21 quilos) cubram os custos de produção e gerem renda são grandes, mas a condicionante ao lucro é justamente o efeito desta alta sobre os insumos, onde se inclui o arrendamento da terra e o desembolso adicional para a conversão de áreas de pastagem em lavouras. “Quanto mais o custo de produção sobe, menos retorno positivo há. Além disso, é preciso estar atento à taxa de câmbio que pode corroer uma cotação histórica”.
Em Mato Grosso, a ascensão do custo na mesma intensidade das cotações foi registrada várias vezes e numa delas, safra 04/05 e 05/06, o descasamento entre receita e despesa mergulhou a agricultura estadual em crise profunda e que ainda hoje é paga por produtores.
Para o ciclo 2012/13, pelo menos por enquanto, como destaca o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), a relação de troca – aquisição de insumos para pagar com soja – está em ritmo acima da média das suas últimas temporadas, um indicador de que o momento está favorável ao produtor. Cerca de 10% da produção estimada em 23 milhões de toneladas está vendido antecipadamente, com 72% das sementes adquiridas, 70% dos fertilizantes e 65% dos defensivos.
FUNDAMENTO - Mesmo com a esperada recuperação da produção na América Latina - onde cerca de 25 milhões de toneladas deverão ser perdidos nesta temporada por fatores climáticos e sanitários – para as próximas temporadas, Pessôa acredita que a taxa de crescimento da oferta será modesta em relação à demanda. “Temos fatores concretos que indicam hoje que a oferta continuará correndo atrás da demanda pelos próximos anos. A mudança na dieta dos chineses que passaram a incorporar mais carnes – proteínas animal -, o que demanda grãos mundo afora para fabricação de ração, mudou o ritmo mundial”, explica. Outro fator que segura a boa projeção de preços são os norte-americanos. Como frisa Pessôa, a lavoura deles entra no sexto ano seguido com níveis críticos de estoque. “Nem o Brasil e nem a Argentina são capazes de suplementar os estoques. Na próxima safra o Brasil pode recuperar produção acima de 70 milhões de toneladas, mas continuaremos uma safra atrasada. As perdas não serão amenizadas”.
Durante sua palestra, o analista deixou aos produtores um recado que resume o momento e o cenário futuro: “A hora é boa para se fazer uma reflexão, sair do risco da euforia e {provocada por preços e panorama de escassez} da ilusão. Para que os resultados se traduzam em renda é preciso estar atento aos desafios que não se resumem à logística, somente. Fazer reflexão quando as coisas vão bem ajuda a não nos eximir das responsabilidades”.
ALERTA – O economista Ricardo Amorim é contundente ao afirmar que a crise, tachada de europeia, sairá ainda neste ano da periferia do continente e chegará à Itália e Espanha. “A crise será de fato global, tirará de cena bancos fortes e só restará a China, por isso aproveitem a excepcionalidade atual dos preços. A alta adicional que deverá vir será de escada e a queda, de elevador”.