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Tecnologia pode reverter dependência de adubos fosfatados

Esse mineral é indispensável para o crescimento e a produção vegetal


Uma parceria público-privada entre a Embrapa e a empresa Bioma oferece pela primeira vez ao mercado brasileiro um inoculante totalmente desenvolvido a partir de tecnologia nacional. O produto denominado BiomaPhos alia sustentabilidade e produtividade porque é biológico – produzido a partir de duas bactérias identificadas pela Embrapa, sendo uma no solo e a outra no milho – e capaz de aumentar a absorção de fósforo pelas plantas, o que pode mudar o quadro de alta dependência brasileira do mercado internacional de fertilizantes.

À Embrapa coube a parte de pesquisa, com a detecção das bactérias que apresentam aptidão para solubilizar ou tornar disponível o elemento fosfato. Esse mineral é indispensável para o crescimento e a produção vegetal, já que interfere nos processos de fotossíntese, respiração, armazenamento e transferência de energia. Concluída essa etapa, a empresa Bioma estabeleceu os índices de produção em larga escala e a formulação do produto, que permitiram melhor sobrevivência do inoculante na prateleira e nas condições de campo.

Mais de 5,5 milhões de toneladas importadas

Em 2018, segundo dados da GlobalFert, um dos principais provedores de informações estratégicas do segmento, o Brasil importou 24,96 milhões de toneladas de fertilizantes NPK (nitrogênio, fósforo e potássio), volume 4% maior que em 2017. Somente os adubos fosfatados, segundo a consultoria, respondem por 23% desse montante, atingindo 5,69 milhões de toneladas importadas no período.

“As cepas das bactérias Bacillus subtilis (CNPMS B2084) e Bacillus megaterium (CNPMS B119) conseguem fazer com que maior quantidade de fósforo seja absorvida pelas raízes, recebendo em troca compostos fundamentais para o crescimento bacteriano, como fontes de carbono, em especial açúcares e ácidos orgânicos”, explica Christiane Paiva, pesquisadora da área de Microbiologia do Solo da Embrapa Milho e Sorgo, responsável pela pesquisa que culminou com o lançamento do produto comercial.

A pesquisa teve início em 2002 com os pesquisadores Ivanildo Marriel e Vera Alves. Posteriormente, a identificação e o isolamento dos microrganismos resultaram na publicação de um artigo na revista científica “Soil Biology and Biochemistry”, uma das de maior impacto internacional na área de microbiologia do solo. Publicado em 2009, o paper continua sendo um dos recordistas em citações.

Já o desenvolvimento do inoculante se deu a partir de 2011, com a entrada da pesquisadora Eliane Gomes na equipe que desenvolveu a pesquisa. A parceria com a empresa Bioma foi firmada em 2016, chegando ao lançamento do produto comercial em 2019.

Aumentos médios de produtividade chegam a 10%

Resultados de experimentos na cultura do milho conduzidos em regiões brasileiras mostram aumentos médios de produção de grãos de cerca de 10%, o que pode corresponder a um ganho médio de até dez sacas por hectare. “Esses experimentos avaliaram a inoculação combinada com a adubação reduzida de superfosfato triplo, o que pode diminuir o gasto para o produtor com fertilizantes sintéticos”, destaca a pesquisadora Christiane Paiva. Outro diferencial do uso do inoculante é uma redução significativa no índice de emissão de CO2 na atmosfera. “Com isso, os resultados demonstram que é possível empregar uma tecnologia limpa e de baixo custo na cultura do milho, contribuindo para a sustentabilidade na agricultura, sem perdas para o meio ambiente”, reforça.

Christiane Paiva ressalta detalhes técnicos do inoculante, que é inédito  no mercado brasileiro, e foi desenvolvido a partir de microrganismos tropicais.

Diferenciais

Os inoculantes produzidos com esses microrganismos apresentam menor custo, não causam danos ambientais e ainda podem ser usados para suplementar os fertilizantes. “Além disso, a adição de inoculantes no solo pode acelerar a ciclagem de nutrientes, aumentar a liberação do fósforo presente na matéria orgânica e enriquecer o solo biologicamente. Além disso, esses inoculantes apresentam outros mecanismos de promoção de crescimento para as plantas”, complementa Paiva. Estudos conduzidos pela Embrapa revelam que há um estoque bilionário de fósforo nos solos, que se encontra inerte e que não pode ser aproveitado pelas plantas.

O chefe de P&D da Embrapa Milho e Sorgo, Sidney Parentoni, destaca que o inoculante é uma inovação à disposição do produtor no mercado brasileiro.

“Em alguns solos de plantio direto, cerca de 88% do fósforo encontra-se em forma orgânica, indisponível para ser absorvido pelas raízes, e precisa ser mineralizado para esse fim. As bactérias solubilizadoras de fosfatos conseguem disponibilizar o elemento para a planta, atuando de forma agronômica nesse grande estoque presente na natureza”, interpreta a pesquisadora. “No caso do milho, por ser uma planta de ciclo curto e altamente exigente em nutrientes, o uso complementar do inoculante à adubação vem ganhando espaço. É realidade conseguirmos maiores ganhos de produção e de produtividade com o uso do produto”, reforça.

Outra vantagem é a estabilidade do inoculante por causa da sua capacidade de formação de esporos das bactérias selecionadas, permitindo sua adaptação a condições extremas, como temperaturas, pH ou exposição a pesticidas.

Mais de US$1,2 bi em fertilizantes importados
O crescente aumento da produção de milho no Brasil – o País deve colher uma safra recorde estimada em 99,3 milhões de toneladas segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), alcançando a segunda posição mundial entre os maiores exportadores, ficando atrás apenas dos Estados Unidos – implica ganhos nos índices de produtividade. O Estado de Mato Grosso, celeiro agrícola brasileiro, concentra a produção nacional, com estimativa de colheita de mais de 31 milhões de toneladas na safra 2018/2019, segundo a Conab. “Essa região de Cerrado apresenta solos predominantemente ácidos, pobres em nutrientes, com ênfase no fósforo, que possui baixa mobilidade”, explica Paiva.

A necessidade de aplicação de altas doses de fertilizantes para atender à demanda das culturas se traduz em maior dependência externa, segundo o pesquisador Ivanildo Evódio Marriel, membro da equipe, já que mais de 50% dos fertilizantes fosfatados são importados. Somente no primeiro semestre de 2019, segundo dados do Ministério da Economia, Indústria, Comércio Exterior e Serviços divulgados pelo portal Farmnews, canal de notícias relacionadas ao agronegócio brasileiro, a importação de adubos e fertilizantes atingiu o maior patamar na história do País, chegando a US$ 1,25 bilhão, valor 67,4% superior ao mesmo período de 2018. “Esse aumento de preços dos adubos e fertilizantes importados tem contribuído para o aumento do custo de produção dos grãos no País”, cita um trecho de uma nota publicada no Portal Farmnews.

A conjuntura se agrava pela tendência de aumento de preços. Segundo dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA), o preço médio da tonelada do superfosfato simples em março deste ano foi de R$ 1.378,81, valor 8,6% superior se comparado ao mesmo mês de 2018.

“Preços voláteis de fertilizantes fosfatados criam insegurança para agricultores em regiões onde o recurso é escasso, e choques de preços podem tornar o insumo inacessível aos agricultores de baixa renda”, analisa a pesquisadora Christiane Paiva. Estudo da Embrapa revela que quase metade da quantidade de fósforo aplicada na agricultura em forma de fertilizante inorgânico nos últimos 50 anos continua no solo, constituindo uma reserva superior a US$ 40 bilhões – o que pode ajudar o Brasil a se precaver contra uma possível escassez futura do nutriente.

“Outro problema ocasionado pelo acúmulo de fósforo nos solos é a contaminação dos mananciais de água, além do aumento do potencial de eutrofização”, reforça Paiva. A eutrofização consiste no excesso de nutrientes, sobretudo os nitrogenados e fosforados, nas águas superficiais, o que promove um elevado crescimento de algas e de outras espécies vegetais aquáticas. “A prática de inoculação, ao contrário, é uma alternativa estratégica para a recuperação biológica natural da qualidade do solo, adicionando microrganismos benéficos com múltiplas funções estimulantes para as plantas, além de, obviamente, proporcionar ganhos de produtividade”, pondera.

Diversos países já abraçaram a tecnologia

No Brasil, o uso de inoculantes para suprir a demanda de fósforo pelas plantas ainda é incipiente. “No entanto, países como Argentina, Canadá, África do Sul, Índia, Austrália, Filipinas e Estados Unidos têm investido na linha de bioprodutos visando reduzir o uso indiscriminado de adubos fosfatados, além de propiciar aumento na oferta de produtos que aumentem a tolerância das plantas a esses estresses de forma eficiente”, reforça a pesquisadora.

Já para a aquisição de outro elemento fundamental – o nitrogênio – inoculantes à base de rizóbio e Azospirillum têm dominado o mercado de biológicos tanto para culturas de grãos quanto para leguminosas, com significativa redução do uso de adubos nitrogenados, principalmente no bem-sucedido caso da cultura da soja, segundo Paiva.

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