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Um Código Florestal de acordo com a realidade do País

Confira entrevista com o presidente da Famasul, Eduardo Riedel


Presidente da Famasul fala sobre código florestal, em alusão ao movimento dos produtores, em Brasília

A atual lei ambiental brasileira data de 1965, mas de lá para cá foi alterada por uma série de medidas provisórias e outros dispositivos legais, transformando-se em uma verdadeira colcha de retalhos. Exemplo disso é o decreto 7029, de 2009, que se entrar em vigor em 11 de junho, como está previsto, vai deixar 90% dos produtores rurais brasileiros em condição irregular. O decreto prevê que todas as propriedades rurais tenham reservas legais de florestas nativas averbadas até esta data, uma condição que poucas preenchem na atualidade.

Ante a ameaça de ilegalidade em massa, o setor produtivo organiza uma grande manifestação pública no Congresso Nacional, nesta terça-feira (05-04). O movimento busca apoio para aprovação do texto do deputado Aldo Rebelo (PCdoB/SP) para o Novo Código Florestal. Se aprovado, o Código tiraria a ameaça de penalidades como a detenção de um a três anos previstas na atual legislação.

Com perspectiva de ser votado nas próximas semanas, o texto defende entre outros pontos a dispensa da reserva legal (área de preservação da cobertura florestal com percentuais que variam de 20% a 80%, dependendo do bioma) para o produtor que tiver até quatro módulos. O módulo rural é uma unidade de medida de dimensão variável, considerando aspectos como a situação geográfica do imóvel rural e as condições do seu aproveitamento econômico. Quatro módulos podem significar uma área que vai de oito a 600 hectares.

Pela proposta de Rebelo, a propriedade que tiver mais de quatro módulos poderia reunir áreas de reserva legal com Áreas de Preservação Permanente. As APPs são áreas de vegetação nativa no entorno de rios e outros recursos hídricos. Atualmente, tanto a reserva legal quanto as APPs tem critérios específicos e individuais de manutenção. Na entrevista, o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de MS (Famasul), Eduardo Riedel, defende que a proposições do texto de Rebelo não favorecem simplesmente o produtor, pois na verdade corrigem a condição de ilegalidade na qual esses foram colocados pelas constantes alterações na legislação.
 
1 - O texto de Aldo Rebelo para o novo Código Florestal tira 90% dos produtores rurais da ilegalidade. Que irregularidades são essas?

A configuração dessas ilegalidades é mais acentuada dependendo da região, mas tem relação principalmente com os percentuais de reserva legal das propriedades, tendo em vista que a maioria dos produtores não conseguiu se adequar às recentes mudanças na legislação neste sentido. Mas há outras situações evidentes como a preservação permanente em estados como Santa Catarina, que tem estrutura fundiária com pequenas propriedades e grande capilaridade de sangas e riachos. A preservação permanente prevista no código florestal para as margens desses cursos d’água praticamente inviabiliza a pequena propriedade nessa região. Outra questão importante é o uso de áreas consideradas de preservação permanente pelo Código Florestal e que são situações seculares em termos de uso como as plantações de café em Minas Gerais, cultivadas em APPs por questões de declividade. A produção de arroz no Rio Grande do Sul em áreas de várzea e a pecuária do Pantanal sul-mato-grossense também utilizam áreas com essa configuração. São muitos os exemplos do Brasil inteiro onde há produção há décadas e que hoje, frente ao que prevê a legislação, são consideradas ilegais.

2 – Como foram geradas as condições que hoje podem tornar o produtor ilegal?
Isso foi gerado ao longo dos anos pelas mudanças de resoluções e decretos feitos em cima do Código Florestal. A legislação foi transformada ignorando os incentivos e direcionamentos por parte das políticas públicas para abertura de áreas, para aumento de áreas agropecuárias. Temos que lembrar que na década de 1960 o Brasil era importador de alimentos. E hoje além de ser exportador expressivo, com geração de saldo positivo da balança comercial, atende a demanda interna que se elevou expressivamente não só devido ao crescimento demográfico, mas com o aumento de renda do brasileiro. A base da mudança foram as políticas públicas que levaram o produtor a fazer a utilização dessas áreas. E agora, diante dessa nova discussão, ele está sendo considerado ilegal.

3 – Quais os argumentos para propor a isenção da reserva legal nas pequenas propriedades?
Nós temos que entender que a figura da reserva legal é única no mundo. E temos que nos perguntar se em uma estrutura fundiária onde há pequena propriedade, de quatro, cinco ou 15 hectares, manter parte da reserva é eficiente do ponto de vista de manutenção da biodiversidade. Ou o modelo de parques nacionais, de grandes áreas contínuas, não seria mais indicado para a proteção dos biomas. Voltamos ao exemplo de Santa Catarina, com sua estrutura fundiária com propriedade média de 14 hectares. Será que é interessante que cada propriedade tenha três hectares de reserva legal além da área de preservação permanente? A reserva legal em áreas com esse tipo de estrutura fundiária não faz o menor sentido do ponto de vista econômico, social e ambiental. Isso tem que ser revisto porque não favorece o meio ambiente e tira do produtor a competitividade que ele precisa para produzir naquelas áreas.

4 – A isenção de multas já aplicadas, como prevê o texto de Rebelo, seria anistiar os produtores?
De maneira nenhuma. Existia um percentual até uma determinada época, e houve uma mudança. O que aconteceu é que havia uma legislação a qual os produtores seguiam, respeitando os percentuais por ela previstos. Depois houve a mudança e então passou-se a cobrar uma constituição das propriedades rurais diferente da anterior, só que as alterações já haviam sido feitas. Então não se trata de anistia, um termo usado injustamente, porque na verdade é uma adequação. Não se cria uma situação de injustiça, mas uma situação de justiça frente ao que estava posto na legislação.

5 - Pode-se dizer então que o produtor rural tem problemas legais, mas não ambientais?
A maioria das vezes sim. O trabalho que o produtor precisa fazer não se restringe a proteção das nascentes, dos cursos d’água ou uma suposta reserva legal na propriedade. Talvez o maior benefício ambiental seja a proteção do solo e as técnicas de produção, mantendo um balanço de carbono o mais adequado possível, minimizando a emissão de gases de efeito estufa. Eu penso que as ações do ponto de vista de tecnologia de produção são a grande contribuição do agricultor para o meio ambiente. A questão da preservação – e o Brasil tem mais de 50% de seus biomas preservados – tem que ser definida por políticas públicas através dos parques, das reservas, de áreas que mantenham a biodiversidade. A figura da reserva legal é única no mundo. Então a gente não pode comprometer toda uma estrutura de produção frente a essa figura que foi constituída no País. Não consideramos como problema ambiental a ação do produtor em cima da produção. O que temos certeza é que o produtor tem que avançar nas suas técnicas de produção. E isso é uma grande contribuição ambiental. Não apenas a preservação da biodiversidade.

6 – Que impactos poderá ter a agricultura nacional se o texto não for aprovado?
Uma criminalização em massa dos produtores, sem que eles tenham agido no sentido de se tornarem ilegais. E isso gera uma série de impactos do ponto de vista burocrático, de acesso ao crédito, da produção de alimentos. O produtor tem que ter consciência e respeito pela questão ambiental, tem que ser capacitado, tem que conhecer a legislação. Precisamos avançar na legislação que está obsoleta frente à realidade que está posta no País. Realidade essa constituída não a partir de agressão à legislação porque a legislação que foi mudando diante do tempo e tornou essas propriedades ilegais. O que gera um impacto muito grande na estrutura legal do País, a insegurança jurídica. E esse é o maior problema que o produtor poderá enfrentar para ter tranqüilidade na sua atuação.

7 – A aprovação do texto de Rebelo não poderá criar problemas para o Brasil no mercado externo diante do aumento das barreiras comerciais geradas pelas restrições ambientais?
 
Eu não acredito. O Brasil tem uma condição privilegiada e nós temos que ser protagonistas nessa discussão. Nós temos respaldo e moral para conduzir essa discussão pela maneira como produzimos, pela maneira como protegemos nossos biomas. Os países compradores que porventura venham exigir essas ações não fizeram o dever de casa, não mantiveram seus biomas, não tem um sistema de produção tão sustentável quanto o que o Brasil desenvolveu ao longo de décadas de pesquisas e ação no campo. E vamos mostrar isso através do conhecimento técnico e científico e das certificações que porventura forem exigidas. Nós temos que chamar essas discussões e sermos protagonistas, até porque temos competência para isso.

8 – Qual o espelho que o Brasil pode ter em termos de legislação ambiental lá fora? Como os países que tem grande produção agrícola resolveram a questão?
 
Os grandes produtores agrícolas resolveram essa questão simplesmente ignorando o aspecto ambiental, coisa que o Brasil, o produtor brasileiro, não faz. Nos EUA, por exemplo, não existe reserva legal. Existe a preservação de alguns biomas através de parques federais ou estaduais e, ainda assim, as reservas são utilizadas para produção dependendo da necessidade. Não é uma sociedade que pensou em preservação ou manutenção de seus ativos ambientais. Isso vale para todos os grandes produtores de alimentos do mundo. A Europa tem 0,3% de sua vegetação nativa preservada, enquanto o Brasil tem mais de 50%. Eles não pensam em preservação. E tem uma agropecuária extremamente subsidiada, com uso intensivo de insumos, com baixa competitividade do ponto de vista de eficiência produtiva. Eles não conduziram essa discussão, coisa que estamos fazendo aqui com muita competência.

9 – A aprovação do texto de Rebelo não reforçaria a dualidade entre produtores rurais e ambientalistas?

Não, pelo contrário. Essa discussão está trazendo o debate para o centro e eliminando os radicalismos de posição. O grande mérito do relatório é justamente não se pautar por extremismos, por uma visão desenvolvimentista pura - coisa que os grandes produtores do primeiro mundo já fizeram. Também não se pauta pelo ambientalismo romântico. Estamos tentando dar um caráter científico, prático para essa discussão. Isso vai aproximar ambientalistas e produtores rurais e eu tenho certeza que muitas ações conjuntas vão poder sair a partir desse novo momento.

10 – O produtor encontra-se hoje em condição irregular devido a incentivos que recebeu no passado. De um modo geral, o produtor rural de MS é consciente em relação à necessidade de preservação?
 
Absolutamente. O produtor tem uma diversidade muito grande de sistemas de produção. A busca é por um sistema de produção sustentável do ponto de vista econômico, produtivo e ambiental. Quando se pensa em reforma de pastagem, na integração entre agricultura, pecuária e floresta, no Pantanal, os produtores estão absolutamente conscientes de trilhar esse caminho. Se muitas vezes não o fazem na velocidade que nós gostaríamos de ver é em função de questões econômicas,ou às vezes falta de acesso ao conhecimento técnico. O produtor está irregular frente à legislação devido ao conceito que se dá à área de preservação permanente. Mas a consciência do produtor hoje é muito grande no que diz respeito ao modelo de produção sustentável.

11 – Qual o papel do produtor em meio à necessidade de preservação e à demanda por aumento na produção de alimentos?
 
Quando a gente fala em sustentabilidade, em usar sistemas de produção que na sua essência tenham uma eficiência produtiva de longo prazo, estamos falando em preservação. O aumento de produção de alimentos vai ser alcançado com o uso de tecnologias e de eficiência produtiva. E a sustentabilidade e preservação tem relação direta com isso, e não apenas a figura da reserva legal como está posta no código atual.

12 – O congresso não é uma casa de consenso. O Sr. acredita na aprovação do texto de Aldo Rebelo? Qual a expectativa do setor?

A expectativa é que seja aprovado. Existe diálogo, é natural que isso ocorra. O texto do deputado Aldo não é consenso entre os produtores e nem entre os ambientalistas, mas isso traz consistência ao debate. A perspectiva é que o texto seja aprovado, porque ele é feito frente à realidade do País, embora muitos produtores achem que ele não é interessante para o setor produtivo. E tem pontos difíceis de serem abordados e que a sociedade, através do Congresso Nacional, vai continuar discutindo.

As informações são da assessoria de imprensa da Famasul.

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