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Você paga, nós acumulamos


Lula tem toda a razão quando diz que não se pode aceitar uma sociedade na qual 'um cortador de cana tem que trabalhar 60 anos para se aposentar', enquanto 'um professor universitário se aposenta com 53'.

Admita-se que seja aceitável Lula ter requerido uma aposentadoria especial, aos 51 anos, como dirigente sindical perseguido pela ditadura. Recebia R$ 2.195.40 em 1996 e receberá R$ 3.976 a partir deste mês. Fica difícil entender que, no país do cortador de cana, ou onde '40 milhões de pessoas não têm oportunidade de trabalhar', ele acumule essa aposentadoria com o salário de presidente da República (R$ 6.830,42 líquidos).

Houve dois Lulas na Previdência. Um foi Taturana, o peão que teve a carteira assinada em 1959, aos 14 anos.

Esse trabalhador poderia ter se aposentado aos 49, em 1994, com pouco mais de R$ 957, depois de passar 35 anos no chão da fábrica. Estaria no regime geral da Previdência, no qual há hoje 21 milhões de trabalhadores. O outro foi o sindicalista que militou entre os metalúrgicos de São Bernardo durante 11 anos (1969-1980), até ser preso e afastado da instituição. Esse segundo Lula está hoje no grupo de 17.700 afortunados que recebem mais de dez salários mínimos pelo regime geral. Se a contribuição dos servidores inativos passar no Congresso, eles não pagarão um ceitil, pois a cobrança cairá só sobre os aposentados do serviço público. Noves fora os cortadores de cana, os R$ 3.976 de Lula estão acima do teto da choldra do INSS (R$ 1.869,34) e da média da patuléia dos funcionários civis do Executivo (R$ 2.200).

Desde janeiro, Lula está no clube da militância cumulativa. Ele soma os proventos de aposentado aos vencimentos de presidente. Juntou-se (porque quis) a um time onde estiveram outros acumuladores: FFHH, Itamar Franco, José Sarney, os cinco generais da ditadura mais Juscelino Kubitschek. Os presidentes-aposentados têm como patrono Epitácio Pessoa (1918-1922). O doutor livrou-se do pesado aos 47 anos, como ministro do Supremo. Não podia trabalhar por ter má saúde. Tornou-se presidente aos 53 e morreu aos 77.

Lula e todos os seus antecessores tiveram a oportunidade de praticar um gesto lógico, respeitoso para com a Viúva: enquanto ela lhes pagasse salário de presidente, casa, comida e roupa lavada, devolveriam a grana da aposentadoria. Terminado o mandato, voltariam a recebê-la. Isso não acontece porque, na sociedade brasileira, os benefícios nunca chegam ao andar dos cortadores de cana e, quando passam pelo andar de cima, ninguém os solta, para nada. Em tempo: dom Pedro II recusou a pensão de 2 mil contos oferecidos por Rui Barbosa em nome dos golpistas que o destronaram.

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