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A história moderna da indústria sucroalcooleira no Brasil


ANDRE MARQUES VALIO
A esmagadora maioria dos executivos de sucesso consideram de alta importância o Planejamento em qualquer companhia e em qualquer segmento de negócio, mas por uma aberração histórica, o planejamento em usinas de açúcar e etanol foi algo que se desenvolveu tardiamente.

As Crises do Petróleo na década de 70 levou o Brasil a uma cruzada sem precedentes no desenvolvimento de tecnologia de produção e utilização de biocombustível em larga escala, lançando o Programa Nacional do Álcool (Proálcool). Este programa gerou centenas de destilarias e usinas a partir do final dos anos 70 e, principalmente na primeira metade dos anos 80.
Por ser estratégico, o Governo Federal  criou um sofisticado sistema de planejamento setorial, através do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) e fomentou iniciativas que atuavam de forma privada na coordenação técnica e difusão tecnológica tal como a Copersucar, muito presente neste período, principalmente com o seu braço denominado Centro de Tecnologia Copersucar (CTC).
Como a locomotiva deste processo de produção alcooleira se deu principalmente no Estado de São Paulo, o governo paulista também suportou fortemente  o desenvolvimento da agroindústria canavieira, tendo como principais expoentes a ESALQ/USP no desenvolvimento de tecnologias industriais de extração, fermentação e destilação e o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) no desenvolvimento de novas variedades de cana e de tecnologia agronômica.
Os profissionais destas instituições eram altamente qualificados, boa parte com mestrados e doutorados (alguns inclusive no exterior) e com grande conhecimento em produção sucroalcooleira.
O IAA atuava como agente planejador e regulador do setor, definindo e monitorando quotas de produção por usina, preços e mix de produto. Em outras palavras, podemos dizer que o IAA era o responsável pelo Planejamento Estratégico do Setor.
Já o CTC tinha uma gama de produtos e serviços prestados às usinas, tais como desenvolvimento de variedades de cana, melhorias no processo industrial, sistemas especialistas de gestão, controle integrado de pragas entre outros... e o mais digno de nota era o apoio ao Planejamento de Safra.
O CTC tinha uma equipe reconhecida internacionalmente como time de excelência em produção sucroalcooleira e estava muito presente no dia-a-dia das usinas. E era muito interessante notar os ciúmes gerados nos técnicos das usinas que apelidaram os profissionais do CTC que vinham realizar visitas às plantas de “Golden Boys”.
Sendo o IAA e o CTC os agentes planejadores, o primeiro em nível estratégico e o segundo em nível tático, sobrava às usinas se preocupar exclusivamente com o operacional. Então o perfil preferido pelas empresas para ocupar cargos de gerentes agrícolas e industriais sempre era o de “executores”.
Na Era Collor, houve uma mudança radical na forma de ver os incentivos e serviços dados à produção sucroalcooleira e iniciou-se um processo de gradativa desregulamentação do setor. E uma das primeiras ações foi extinguir o IAA e abolir o sistema de quotas.

O fim da URSS e seus subsídios à produção açucareira cubana também foi outro marco importante, pois abriu-se um novo mercado para o Brasil e era a hora de expandir (o Brasil saiu rapidamente de uma participação de 8% em volume no mercado internacional livre de açúcar para 32% em pouco mais de 4 anos).
Entretanto este crescimento não foi coordenado e houve naquele momento uma “corrida do ouro branco”. As destilarias autônomas começaram a investir na construção de fábricas de açúcar anexas às plantas originais e todos passaram a plantar mais cana.
Uma combinação de fatores climáticos em nível mundal, associada à rápida expansão na produção açucareira, principalmente no Brasil, fez com que houvesse um significativo desequilíbrio entre oferta e demanda no biênio 1994/95, gerando depressão de preços da commodity. E neste momento as usinas já estavam alavancadas, pagando taxas de juros altíssimas (pois o governo federal sempre se utilizou da ferramenta de juros altos para conter a pressão inflacionária), e instalou-se neste momento a primeira grande crise.
Desta vez, os usineiros perceberam que estavam diante de um paradigma que precisava ser quebrado. Não bastava mais apenas focar em produzir, mas sim era necessário ter domínio dos conceitos econômicos de “Oferta e Demanda” e saber utilizar ferramentas como o “Planejamento” e a “Inteligência de Mercados”. A partir de então muitas usinas começaram a reposicionar sua gestão, convertendo a tradicional familiar para a profissional.
Por sorte, a demanda de açúcar ainda era crescente e o setor rapidamente se recuperou. Por outro lado, as vendas de carro movidos à etanol continuavam decrescentes.
Em 1997, a Rússia, maior comprador mundial de açúcar, começa a reduzir as compras do produto, o que já era sintoma de que aquele país entraria em crise, e a consequencia foi nova redução nos preços mundiais.
O segundo semestre de 1997 e o ano de 1998 foi um ano muito pródigo de chuvas e a produção de 1998 de cana-de-açúcar no Brasil foi recorde (tema já tratado no artigo publicado no blog no dia 20/03: “A difícil missão de quem depende do clima para sobreviver”). A crise da Rússia se agravou e o setor viu toda a rentabilidade do negócio virar pó mais uma vez.
Mas nesta época, o aprendizado da crise de 94/95 já havia surtido algum efeito e o setor começava a se coordenar. Em 1997 é fundada a Unica, uma entidade setorial que nasce com a missão de "liderar o processo de transformação do tradicional setor de cana-de-açúcar em uma moderna agroindústria capaz de competir de modo sustentável no Brasil e ao redor do mundo nas áreas de etanol, açúcar e bioeletricidade" (texto entre aspas extraído do original).
Em 1998, chega-se a um modelo de pagamento de matéria-prima por teor de sacarose que revolucionou a comercialização da cana em São Paulo e por conseqüência no Brasil, o Consecana.
Com o Consecana, o planejamento tático passa a ser muito mais sensível à lucratividade das usinas, pois a partir de então, a distribuição de períodos de corte entre as canas próprias a as de fornecedor geram grandes diferenças em termos de custos e pagamentos.
E tendo este cenário histórico como pano de fundo, discorreremos nos próximos dias uma série de artigos sobre planejamento da cana-de-açúcar e suas conseqüências para a competitividade das usinas.

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