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A cana-de-açúcar e a degradação ambiental


Alexander Silva de Resende

A cana-de-açúcar e a degradação ambiental A cana-de-açúcar foi a primeira cultura comercial do Brasil e, em quase 500 anos de história no País, transformou-se em parte integrante do cotidiano do povo brasileiro, seja na cozinha com o açúcar e derivados, na indústria para fabricação de alimentos, nas ruas, através do álcool combustível, na energia elétrica co-gerada, no papel, nos plásticos, nos produtos químicos, etc. Avaliando-se a cultura de cana pelo seu potencial energético, pode-se considerar que é uma usina de enorme eficiência: cada tonelada tem um potencial energético equivalente ao de 1,2 barril de petróleo. O Brasil é o maior produtor do mundo, seguido pela Índia e, em média, 55% da cana brasileira é utilizada na fabricação de álcool e 45% na de açúcar, variando ano a ano em função dos preços praticados no mercado brasileiro e internacional. Ela é cultivada na região Centro-Sul e no Norte-Nordeste, o que permite dois períodos de safra. Atualmente são cerca de 304 usinas e destilarias (com grande perspectiva de aumento nos próximos 5 anos), das quais 227 encontram-se na região Centro-Sul. Estas usinas e destilarias processam a biomassa proveniente da cana-de-açúcar que gera como principais produtos o açúcar, a energia elétrica, vinda da queima do bagaço nas caldeiras, o álcool hidratado, para movimentar veículos, e o álcool anidro, para melhorar o desempenho energético e ambiental da gasolina. A cultura de cana-de-açúcar ocupa papel de grande importância também na economia de diversos países dos cinco continentes do planeta, tendo maior evidência nas economias da América Latina e do Caribe. No Brasil, a cultura ocupa uma área de 5,6 milhões de hectares e uma produtividade média de 74 Mg ha-1. A queima do canavial antes do corte, visando facilitar a colheita, a aplicação de vinhaça e a adubação nitrogenada, são práticas bastante difundidas em nosso País. O palhiço, depositado na superfície do solo na ocasião da colheita, soma tipicamente entre 10 e 15 Mg ha-1 de massa seca, promovendo uma cobertura do solo de 10 a 15 cm de espessura. A queima deste material expõe a superfície do solo às chuvas e, possivelmente, aumenta a repelência do solo à água através da condensação de produtos da combustão, que têm propriedades hidrofóbicas . Assim, a queima do palhiço pode diminuir a infiltração de água no solo e aumentar o escorrimento superficial, provocando perda da camada fértil pela erosão. A queima provoca perdas significativas de nutrientes principalmente de N, S, C para o ar e a liberação de formas solúveis dos elementos minerais (P, K, Ca, Mg etc.). A curto prazo, estes nutrientes tornam-se disponíveis para as plantas, podendo causar alterações no pH da camada superficial do solo e, consequentemente, na disponibilidade de outros nutrientes. Por outro lado, como a rebrota da soca da cana é relativamente lenta no início e, consequentemente, retardada a retirada de nutrientes do solo, as perdas de nutrientes muito solúveis através da lixiviação e escorrimento superficial podem ser significativas. Quanto ao aspecto ecológico, não queimando-se o palhiço evita-se a emissão de monóxido de carbono, óxidos de nitrogênio e dióxido de enxofre, que contribuem para o chamado efeito estufa, e para a formação de chuvas ácidas, que vêm sendo alvos de grande preocupação mundial. A produção de fumaça e fuligem originadas da queima da palha, também constituem-se num grande transtorno para as cidades circunvizinhas de regiões canavieiras, a ponto desta prática ser proibida por lei nestas regiões. No entanto, poucos são os estudos referentes ao efeito da queima nas características químicas do solo, a longo prazo. A cultura de cana-de-açúcar é altamente extrativa em nitrogênio. Para uma produção de 100 Mg ha-1 de colmos frescos, em cana planta, a cultura acumula entre 180 e 250 kg ha-1 de N. Para o ciclo de cana soca, estes valores ficam ao redor de 120 a 180 kg ha-1 de N. Em alguns países produtores de cana-de-açúcar, como os Estados Unidos, Cuba, Venezuela e Peru, as adições de nitrogênio estão entre 200 e 400 kg ha-1 ano-1. Nos programas de melhoramento de cana-de-açúcar desenvolvidos no Brasil, tanto em Campos (RJ) nos anos 40, como nos programas conduzidos mais recentemente pelo Planalsucar, pela Copersucar (SP) e pelas Universidades Públicas, as aplicações de fertilizante nitrogenado foram sempre modestas (60 a 120 kg ha-1 ano-1 de N), e as cultivares selecionadas produziram satisfatoriamente nestas condições, raramente mostrando grandes respostas às adições deste nutriente. É bastante aceitável que, devido a estas baixas doses de N-fertilizante aplicadas durante o processo de melhoramento genético das plantas, os pesquisadores brasileiros contribuíram e vêm contribuindo, para aumentar a eficiência da fixação biológica de nitrogênio (FBN) na cultura de cana-de-açúcar. Estudos de longo prazo realizados por diversos autores, vem indicando que apesar da grande acumulação de nitrogênio na cana, o solo não vem reduzindo a quantidade de nitrogênio de forma significativa após 16 anos de cultivo. Na tabela está exemplificado o estudo de Resende et al. (2006), realizado Usina Cruangi, em Timbaúba, PE. Nota-se que, naquelas condições, após 16 anos de cultivo com os tratamentos de aplicação de vinhaça, nitrogênio ou da manutenção da palhada na cultura o nitrogênio do solo foi pouco alterado. Deve-se ressaltar que o nitrogênio apresenta relação muito estreita com o carbono do solo e ficando muito próxima a 10 unidades de carbono para cada uma de nitrogênio, permitindo concluir que a matéria orgânica do solo também não foi reduzida de forma muito significativa. Deve-se ressaltar que esses valores de nitrogênio foram obtidos após mais de 200 anos de cultivo de cana na região. A pergunta que fica é: considerando todo o agronegócio brasileiro e as formas de cultivo hoje praticadas, qual é a cultura que pode ser cultivada por cerca de 200 anos na mesma área e ainda ser produtiva e rentável? Nitrogênio no solo cultivado com cana de açúcar /planta. (0-20 cm). Tratamentos Solo 0-20cm N inicial (1983) Nfinal (1999) kg ha-1 Sem Vinhaça 2809 2606 Com Vinhaça 3014 2724 Com Queima 2897 2562 Sem Queima 2926 2791 Sem Nitrogênio 2943 2647 Com Nitrogênio 2876 2713

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