
Bruno J. R. Alves1
Segundo Urquiaga1
Robert M. Boddey1
Em toda a extensão do território nacional, existem cerca de 200 milhões de hectares dedicados à atividade pecuária, que pode ser agrupada em intensiva, semi-intensiva e extensiva. Os dois primeiros sistemas são muito comuns na região Sul e Sudeste, e caracterizam-se pelo confinamento e pastejo intensivo, com rotação frequente dos animais em um esquema de piquetes, praticados principalmente para a produção de leite.
Os sistemas extensivos, destinados principalmente à produção de carne, estão presentes em grande maioria nas regiões Centro-oeste, Norte e Nordeste, principalmente na área correspondente ao Cerrado. As áreas do Cerrado utilizadas para pastagem chegam a cerca de 100 milhões de hectares, das quais cerca de 40% estão cultivadas com espécies de gramíneas de origem africana, que, plantadas nesta região, podem aumentar em mais do que dez vezes a produção observada nos pastos nativos. As primeiras espécies introduzidas eram mais exigentes em fertilidade (Macedo, 1995), no entanto, como na pecuária extensiva raramente se usam adubos, principalmente por limitação econômica, a grande maioria das áreas de pastagens vieram sendo estabelecidas e exploradas com a mínima adição de insumos. Como a grande maioria dos solos brasileiros sob pastagens são predominantemente de baixa fertilidade, somente as espécies menos exigentes como as do gênero Brachiaria persistiram sob este regime de exploração pastoril.
O processo de degradação do pasto
Com o passar dos anos, as produtividades das pastagens, utilizadas em regime de criação extensiva, tendem a diminuir, permitindo a invasão de plantas de baixa palatabilidade e digestibilidade, o que prejudica, severamente, a produção animal. Este processo foi denominado de “degradação das pastagens”. Os primeiros sinais da degradação são sentidos pelo próprio produtor, ao atestar que a pastagem não suporta mais a mesma quantidade de animais que as dos anos anteriores. Normalmente, mesmo tendo em conta que a pastagem não está mais com o mesmo vigor, o manejo animal que vinha sendo empregado não é modificado e a degradação avança. Espécies invasoras vão ganhando terreno e as áreas de pasto existentes passam a ser superpastejadas. Esta progressão da degradação chega até o ponto em que a produtividade da área passa a ser semelhante ou até inferior aos pastos nativos.
Mas, o que faz com que o pasto degrade? Alguns estudos tem sido realizados no sentido de se levantarem as causas da degradação. Em muitas áreas já degradadas, ou em vias de degradação, o solo tem se mostrado com algum grau de compactação, o que tem sido atribuído ao pisoteio excessivo dos animais devido ao superpastejo (Mella, 1993). Por outro lado, sabe-se que solos ricos em matéria orgânica são mais estruturados e mais resistentes à compactação. Considerando-se este fato, não seria a compactação do solo o resultado da perda de produção do pasto em vez da causa? A diminuição da produção vegetal resulta na redução da formação de liteira (palha), que é a fonte de matéria orgânica do solo. Se a matéria orgânica diminui o solo fica mais susceptível à compactação.
Mas, se não é a compactação do solo, o que inicia a degradação? Em um estudo recente em pastagens degradadas de braquiária, em solos de cerrado, encontrou-se que somente a adição de adubo nitrogenado poderia elevar consideravelmente a produção da pastagem (Figura 1), o que confirmou as suspeitas de que a perda de produção do pasto seria, principalmente, de ordem nutricional (Oliveira et al, 1997). Em outro estudo, também realizado em área de cerrado, o consórcio de braquiária (Brachiaria ruziziensis) com uma leguminosa forrageira (Stylosanthes guianensis), a produção vegetal e animal da pastagem consorciada foi bem superior ao da pastagem em monocultura (Ayarza et al, 1997). Neste caso, a presença da leguminosa significou uma fonte extra de nitrogênio para a pastagem, proveniente do sistema fixador de nitrogênio atmosférico existente em suas raízes.
Uma vez que o problema é nutricional e a baixa disponibilidade de nitrogênio no solo é a responsável pelo início da degradação, como surge a deficiência deste nutriente na pastagem? Intuitivamente, a resposta para esta questão seria: o nitrogênio é perdido! As perdas ocorrem principalmente devido à presença do gado. A urina e as fezes do gado que está engordando ou “em terminação”, concentram cerca de 90 a 95% de todo o nitrogênio consumido pelo animal (Edwards, 1996). O nitrogênio existente na urina está na forma de compostos solúveis, principalmente uréia, e pode ser rapidamente transformada no gás amônia ou perdido por lixiviação uma vez que a urina é depositada em áreas muito restritas. As fezes também têm uma parte deste nitrogênio em solução também sujeitas as mesmas perdas. O cheiro forte da urina e das fezes que recém depositam-se sobre o solo indica que as perdas de nitrogênio já estão ocorrendo. Os estudos realizados na EMBRAPA-Agrobiologia mostram que estas perdas podem estar entre 34% e 70% do total do nitrogênio depositado na urina, sendo maior na ausência de cobertura vegetal. No caso das fezes, as perdas foram menores, situando-se em torno de 10% do total de nitrogênio depositado (Ferreira, 1995).
Figura 1. Resposta de pastagens degradadas de Brachiaria spp. à fertilização com N, P e K. Estudos realizados em áreas de pastagens representativas da região dos Cerrados (Oliveira et al, 1997).
O nitrogênio que passa a fazer parte da carne do gado, na forma de proteínas, também pode ser considerado perdido quando o gado é retirado do pasto para o abate, mas, raramente, esta exportação de nitrogênio excede 10 kg por hectare por ano numa produção media de 450 kg peso vivo/ha.ano.
Numa investigação feita em uma pastagem de Brachiaria humidicola, estabelecida numa região de Mata Atlântica, sul da Bahia, cujo objetivo era o de estudar o ciclo do nitrogênio, a equipe de cientistas da EMBRAPA-Agrobiologia e da CEPLAC (Boddey et al, 1994), deparou-se com um fato interessante. Na quantificação da liteira, ou palha, depositada sobre o solo, observou-se que a quantidade de nitrogênio depositada na liteira não se alterava nas pastagens com taxas de lotação de 2 e 3 cabeças de gado Nelore por hectare, porém, esta quantidade de nitrogênio depositada, era reduzida nas pastagens com 4 cabeças por hectare (Figura 2). Mais animais consomem mais pasto e, como era de se esperar, a formação de liteira, e consequentemente nitrogênio, deveria diminuir com o aumento do pastejo. Porém, adotando-se uma postura mais crítica, pôde-se sugerir, com base nos dados obtidos, que existe um certo limite no consumo da pastagem pelo gado, a partir do qual, o retorno de nitrogênio ao solo, via decomposição da liteira, é decrescente. A grosso modo o ciclo do nitrogênio da pastagem pode ser assim descrito: “A planta para crescer utiliza o nitrogênio do solo. Com o passar do tempo as folhas velhas morrem e formam a liteira, que chega ao solo, se decompõe e libera o nitrogênio novamente para que a planta continue se desenvolvendo”. Se a formação de liteira diminui devido ao alto consumo da forragem pelos animais, não haverá nitrogênio suficiente para manter o ciclo e a atividade biológica ativa, assim, a pastagem degrada.
Figura 2. Quantidade de nitrogênio depositado com a liteira de Brachiaria humidicola, sob 3 diferentes taxas de lotação (Modificado de Boddey et al, 1994).
Se existem somente perdas de N, através das excretas e pela produção de carne, de que adiantaria tanto controle se a presença do gado as torna inevitáveis? Neste ponto, a natureza foi perfeita. Ao mesmo tempo em que existem perdas, também existem ganhos. Estima-se que através das chuvas, podem retornar, da atmosfera para o solo, até cerca de 10 kg de nitrogênio por hectare por ano (Urquiaga et al, 1990). A fixação biológica de nitrogênio por bactérias presentes na região das raízes e, as vezes, no interior das gramíneas forrageiras, pode introduzir entre 10 e 30 kg de nitrogênio por hectare por ano, dependendo da espécie vegetal (Boddey & Victória, 1986). No entanto, estes dados foram obtidos em condições controladas e por isso não se sabe ao certo a magnitude destas contribuições à nível de campo, no entanto esta fonte não deve ser desprezada.
Assim, se existe limitação de nitrogênio, a pastagem se enfraquece e problemas como aparecimento de invasoras menos exigentes em nitrogênio, exposição do solo, compactação, erosão etc, alimentam o cenário de degradação e tornam cada vez mais difícil e caro a recomposição da pastagem.
Contornando o problema
Dependendo do estágio de degradação, pode ser necessário uma reforma do pasto. No entanto, nem todos os produtores dispõem de equipamentos adequados ao processo, principalmente quando a estratégia é a reforma do pasto com cultivo prévio de uma cultura de grãos. Nem sempre se pode garantir que a reforma trará resultado positivo, tanto pelo ponto de vista agronômico quanto econômico. Tão pouco pode-se afirmar sobre o prazo em que um novo processo de reforma deverá ser efetuado. Logo, o segredo é manejar a pastagem de forma a se evitar a degradação.
Uma das estratégias é a de manter a pastagem sob uma pressão de pastejo em que a quantidade de nutrientes reciclada no resíduo seja suficiente para atender à demanda da pastagem. Do ponto de vista do produtor, o controle da altura do pasto é a solução para o controle da oferta adequada de forragem, porém, este controle poderá ser variado dependendo do hábito de crescimento de cada espécie. A experiência de produtores mostra que, para pastagens de Brachiaria brizantha, de hábito ereto, manter os joelhos do gado cobertos tem aumentado a longevidade da pastagem. Para Brachiaria humidicola, de hábito mais rasteiro, o pasto deve ser manejado mais baixo, pois com a altura observada para B. brizantha, certamente haveria acamamento do pasto. Seguindo o exposto acima, a pressão de pastejo para manter a pastagem produtiva por longo prazo, deve estar situada em um ponto em que a quantidade de nutrientes reciclada, através da liteira, atenda à demanda da pastagem. Neste ponto, as perdas de nitrogênio através das excretas do gado devem estar a um nível muito próximo do que é introduzido ao sistema pela contribuição da fixação de nitrogênio e precipitação pluviométrica.
E quando a oferta de pasto for insuficiente? Muitas vezes, o número ideal de animais para manter um funcionamento economicamente viável de uma fazenda pode ser maior do que seria recomendado para as condições da pastagem. Neste caso, a introdução de leguminosas forrageiras pode ser a melhor solução, pois a maior oferta de proteína reduz o consumo de forragem e a liteira da leguminosa ainda pode atender a demanda extra de nitrogênio da pastagem pela maior taxa de lotação. Dados apresentados por Zimmer & Correa (1993) mostraram claramente o efeito positivo da consorciação de leguminosas em pastagens. O ganho de peso vivo foi mais significativo para o pasto consorciado quando a comparação foi feita com pastos de grama pura sem adição de N. Deste estudo, foi possível deduzir que a presença da leguminosa em consórcio, dependendo do manejo dado, pôde produzir resultados que se equipararam a pastos de gramínea pura adubados com até 100kgN/ha. O benefício da leguminosa para a produção animal é relatado em muitos outros trabalhos, no entanto, o benefício para o equilíbrio nutricional da pastagem não tem sido muito estudado. Em um dos poucos estudos, feito na região dos Cerrados, encontrou-se que Stylosanthes guianensis cv Bandeirantes, consorciado com Andropogon gayanus, obteve aproximadamente 81% do total de N acumulado na planta do processo de fixação biológica de nitrogênio (Cadisch et al, 1994), e que a presença da leguminosa foi fundamental para contrabalançar as perdas de N do sistema.
Deve-se salientar que, se a leguminosa não apresenta um sistema simbiótico, fixador de nitrogênio, eficiente, a planta passa a explorar o solo para atender às suas necessidades nutricionais, o que faria o sistema ainda mais extrativo, com uma aceleração no processo de degradação da pastagem por esgotamento de N do solo. Surge daí a necessidade de se incluírem leguminosas com alto potencial para FBN a fim de se manter um balanço sempre positivo entre ganhos e perdas deste nutriente. Afortunadamente, as leguminosas forrageiras são pouco competitivas por N do solo se comparadas às gramíneas tropicais, como as do gênero Brachiaria e, dessa forma, uma vez estabelecidas em consórcio, as contribuições da fixação biológica de nitrogênio é incrementada.
É importante salientar que, aliado ao controle do nitrogênio, a prática da adubação de manutenção com fósforo e potássio, as quais seriam suficientes em adições anuais de 25 kg/ha de P2O5 e 15 kg/ha de K2O, é fundamental para manter a pastagem produtiva.
Referências Bibliográficas Citadas
Ayarza, M., Alves, B.J.R., Boddey, R.M. and Urquiaga S. (1997). Introdução de S.guianensis cv. Mineirão em pastagens de Brachiaria ruziziensis: Influência na produção da pastagem e na reciclagem da liteira. Boletim técnico. No. 1 EMBRAPA-Agrobiologia.
Boddey R.M. and Victoria R.L. (1986) Estimation of biological nitrogen fixation associated with Brachiaria and Paspalum grasses using 15N-labelled organic matter and fertilizer. Plant Soil 90: 265-292.
Boddey R.M., Resende C. de P., Pereira J.M., Cantarutti R.B., Alves B.J.R., Ferreira E., Richter M., Cadisch G. & Urquiaga S. (1994) The nitrogen cycle in pure grass and grass/legume pastures: evaluation of pasture sustenability. In: Nuclear Techniques in Soil-Plant Studies for Sustainable Agriculture and Environmental Preservation. p. 309-319. Vienna, Austria: FAO/IAEA.
Cadisch G., Schunke R.M. & Giller K.E. (1994) Nitrogen cycling in a pure grass pasture and a grass-legume mixture on a red latosol in Brazil. Tropical Grasslands, 28:43-52.
Edwards D R (1996) Recycling livestock manure on pastures. In: Nutrient cycling in Forage Systems (Richard E J & Roberts C A, Ed.). Potash and Phosphate Institute, Kansas. p. 45-64.
Ferreira, E. (1995) A excreção de bovinos e as perdas de nitrogênio nas pastagens tropicais. Tese de Mestrado. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Seropédica, RJ. 120 p.
Macedo, M.C.M. (1995) Pastagens no ecossistema Cerrados: pesquisa para o desenvolvimento sustentável. In: Simpósio sobre Pastagens nos Ecossistemas Brasileiros: Pesquisas para o Desenvolvimento Sustentável (RP de Andrade, A de O Barcellos & CMC da Rocha) p. 28-62. Sociedade Brasileira de Zootecnia, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, Minas Gerais.
Mella, S.C. (1993) Manejo como fator de recuperação de pastagens. In: Encontro sobre Recuperação de Pastagens, 1, 1993. Anais... Nova Odessa: Paulino,V.T.; Alcântara, P.B. et al., 1993. p.61-78.
Oliveira O.C. de, Pereira de Oliveira I., Urquiaga S., Boddey R.M., Ferreira E., Alves B.J.R., Ayarza, M., Miranda C.H.B. & Vilela L. (1997). Resposta de pastagem degradada à adubação em condições de campo no cerrado brasileiro. In: Dias L.E. et al (eds.). pp. 110-117, Simpósio Nacional de Recuperação de Áreas Degradas (III SINRAD), Ouro Preto, MG. Universidade Federal de Viçosa.
Urquiaga S., Alves B.J.R. & Boddey R.M. (1990) Dinâmica do N no solo. Trabalho apresentado no I Simpósio Brasileiro sobre Nitrogênio em Plantas. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Itaguaí, RJ. 2 a 4 Maio, Caderno de trabalhos apresentados. Vol.1 pp 181-243.
Zimmer A.H. & Correa E.S. (1993) A pecuária nacional, uma pecuária de pasto? In: Anais do Encontro sobre Recuperação de Pastagens. Paulino V.T. et al Eds. pp- 1-25. Nova Odessa, São Paulo.