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A perda do tempo


Fabiano Daniel De Bona

As anedotas ou piadas populares sempre possuem um certo grau de realidade encobertas pelo fino e transparente manto do humor ou sarcasmo. Nesse contexto, um amigo meu, engenheiro agrônomo de um grande empresário rural do Mato Grosso, nos contou que certa feita, em plena metade de semana de labuta, o reconhecido produtor rural lhe convidou para irem a uma pescaria no meio daquela tarde. Esse convite soou estranho, pois meu amigo necessitava trabalhar e respondeu ao reconhecido empresário rural: “Senhor fulano, mas nós não vamos trabalhar hoje, checar as lavouras e ver as compras e vendas dos insumos e produtos do ano?”. Ao que o empresário respondeu de pronto: “Se acalme rapaz, pois quem trabalha demais não tem tempo para pensar e ganhar dinheiro”.

          Se essa passagem narrada é fato ou mito, não se sabe ao certo, mas sem sombra de dúvida há uma sabedoria filosofal na resposta, um tanto controversa, do anônimo empresário. A sociedade atual inebriada pela paixão do mundo digital, do imediatismo, da inteligência artificial e do mundo na palma da mão está sempre “na correria”. Não há mais tempo para refletir, pois parece que todos escrevem, publicam vídeos, falam e gesticulam freneticamente, mas poucos ouvem, interpretam e/ou pensam. De modo geral as pessoas estão imersas em informações e ferramentas de fácil acesso a tudo do mundo digital, mas ao mesmo tempo estão afogando em dados, notícias e ideias que simplesmente sufocam o seu pensamento e a criatividade intelectual.  

          Como parte da sociedade, o mundo das criações e invenções da pesquisa científica das universidades e instituições de pesquisa também sofre muito com o imediatismo e as respostas prontas e “mastigadas” que nos são cobradas todos os dias (sempre com muita pressa!). Todas as demandas são para ontem, tudo precisa gerar algo prático para amanhã, todos os stakeholders precisam ser atendidos na semana e, principalmente, tudo precisa “dar Ibope”. Obviamente nós concordamos que essencialmente o recurso investido em pesquisa deve gerar resultados práticos, porém isso não significa pular etapas, deixar de se ter ciência básica, desvirtuar a essência de algumas profissões e/ou esquecer que o princípio da evolução e do desenvolvimento é se ter tempo e oportunidade de arriscar alto na testagem das hipóteses científicas.

          A busca por respostas rápidas no mundo científico não permite ao pesquisador se desafiar para atingir a fronteira do conhecimento. A falta de tempo para estudar e ler seus pares e também prospectar a realidade do seu campo de estudo não gera novas ideias. A criatividade exige tempo para reflexões. Charles Darwin passou horas e horas debruçado sobre um formigueiro em campo aberto observando o comportamento das formigas, o que lhe rendeu conceitos de hereditariedade de fatores instintivos que todos nós estudamos até hoje. A modernidade nos tirou o que os gênios do passado tinham em abundância: tempo para decantar ideias sólidas e disruptivas.

FABIANO DANIEL DE BONA - Engenheiro agrônomo (UFSM), Mestre em Ciência do Solo (UFRGS) e Doutor em Solos e Nutrição de Plantas (ESALQ/USP e Universität Hohenheim-Alemanha). Pesquisador A da Embrapa Trigo desde 2011. E-mail: [email protected]

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