CI

Alguns detalhes importantes no descarte de fêmeas bovinas para produção de leite


Danielle Maria Machado Ribeiro Azevêdo

Parnaíba, 18 de dezembro de 2009. Em bovinocultura leiteira é comum ouvirmos o produtor reclamar do “baixo preço do leite”. Infelizmente, ao perguntarmos, poucos produtores sabem quanto custa produzir um kg de leite em sua propriedade. Desconsiderando a alimentação, que sabemos ser responsável pela maior parte do custo de produção do leite, podendo chegar a 60%, o “amor” a seus animais pode também elevar os custos de produção. Difícil entender esta questão? Vamos analisar...

Quando chegamos a uma propriedade, principalmente as pequenas, onde o próprio produtor e sua família são responsáveis pelo trabalho com os animais e estão em íntimo contato com eles, é difícil não encontramos aquelas vacas “especiais” que podemos chamar de “vacas de estimação”. Quero dizer com isso que, muitas vezes o produtor, mesmo preocupado com o baixo preço do leite e em tornar sua propriedade mais rentável, “não lembra” de descartar aqueles animais que podem estar inviabilizando seu lucro. É a vaca que alimentou seu primeiro filho, quando sua esposa esteve doente (e hoje o filho já tem 15 anos...), é a vaca que tem uma pelagem que lhe agrade e que recebeu de herança de seu pai, é aquela que sua filha menorzinha tem maior apego...e daí vai...

Sendo assim, este texto tem por objetivo ajudar o produtor a deixar os fatores sentimentais de lado e descartar seus animais objetivamente.

Dentre os principais fatores que devem levar o produtor a descartar vacas em sua propriedade estão: 1. problemas físicos; 2. problemas reprodutivos; 3. baixa produção de leite; 4. reduzida persistência de lactação; 5. idade avançada ou ordem de lactação. Cada um destes fatores é discutido a seguir.

Em relação às causas físicas de descarte, podemos destacar defeitos de andamento, como os decorrentes de aprumos defeituosos e problemas de casco. No primeiro caso é importante lembrar que dificilmente a vaca passa a apresentar aprumos defeituosos de um dia para o outro. Em geral, o produtor ou o técnico de sua propriedade já pode perceber na bezerra, ou mais tardiamente na novilha em recria, os problemas de aprumo. Aprumos defeituosos podem até mesmo levar a problemas de fertilidade, pois em caso de uso de monta natural, o touro pode não conseguir montar a fêmea, ou, em caso de montá-la agravar ainda mais o problema da mesma. O próprio touro pode sofrer conseqüências que lhe causem incapacidade de montar no futuro, como no caso de quedas.

Quanto ao casqueamento, poucos produtores lembram de casquear seus animais e que esta técnica deve ser utilizada de forma preventiva e não como tratamento. Vacas com cascos maltratados podem ser acometidas por irregularidades de aprumos, dificuldade de andar, maior predisposição às doenças do casco, como a laminite e, ainda, sofrer para se alimentar no cocho, por ficar em desvantagem em relação às demais vacas do lote. Isso sem considerar a dificuldade que ela pode enfrentar em sistema de produção de leite a pasto, onde precisa se movimentar bastante para pastejar, para beber ou para chegar ao cocho de sal mineral. Além disso, em geral, esta vaca deve ser levada à ordenha, que geralmente não é tão próxima ao piquete em pastejo, pelo menos duas vezes ao dia, de acordo com sua produção.

Também devem ser observados problemas no úbere e/ou em seus ligamentos, que podem dificultar a mamada do colostro pelo recém-nascido e, ainda o manejo da ordenha, seja manual ou mecânica. Úberes pendulosos, com tetas muito grossas ou muito pequenas, tetos perdidos devido a infecções, como a mastite são alguns exemplos. Em bezerras deve-se observar a ocorrência de tetas supranumerárias e, caso existam, chamar o Médico Veterinário para eliminá-las, pois no futuro podem ser funcionais (apesar de pequenas), causando problemas na ordenha.

Os problemas reprodutivos em geral estão relacionados à dificuldade de emprenhar ou de parir. É importante o produtor incorporar aos seus conhecimentos que novilhas em seu primeiro estro (cio ou “calores”), se não apresentam pelo menos um peso equivalente a 60% do peso normal de uma fêmea da sua raça, não deve ser coberta. A razão para isso é que esta novilha, mesmo precoce, ainda está em crescimento e, caso venha a emprenhar muito cedo, pode tornar-se aquela “vaquinha entanguida” que se destaca no meio do lote. Claro que estas novilhas, se tiverem um manejo diferenciado dentro da propriedade, com alimento suficiente para a continuidade do seu crescimento, desenvolvimento do bezerro e da glândula mamária e, posteriormente à parição e à produção de leite é um patrimônio genético que não deve ser desperdiçado, e sim selecionado para que suas filhas consigam, em conjunto com as demais vacas da propriedade, reduzir a idade ao primeiro parto na propriedade e, conseqüentemente a longevidade produtiva dos animais.

O ideal é que a vaca tenha um bezerro por ano, visto que, para produzir leite ela precisa ter passado por uma gestação e pelo parto. Sendo assim, o período de serviço ideal (ou seja, o tempo que vai da parição até o estabelecimento da próxima prenhez), deverá ser de, no máximo, 90 dias, já que, em média, a gestação de uma fêmea bovina é de nove meses – assim, a adição do período de serviço ao período de gestação dá um ano.

O produtor deve lembrar que, após o parto, é normal a vaca perder peso – logo, se a novilha não for bem tratada, poderá, sofrer bastante após o parto aumentando o intervalo de partos em sua propriedade, por dificuldade de ser novamente fertilizada. Novilhas bem alimentadas e que não parem até os 24 meses na raça Holandesa, ou até os 33-34 meses em mestiças Holandês-Zebu, em regime de pasto, devem ser avaliadas para identificação dos problemas que possam estar ocasionando este retardo à primeira parição.

Na Embrapa Meio-Norte/UEP Parnaíba, onde são criados bovinos mestiços Holandês-Zebu para produção de leite, as novilhas são colocadas com o macho ou inseminadas com, no mínimo, 310 kg, o que tem permitido que as mesmas tenham o seu primeiro parto com aproximadamente 400-450 kg, dependendo do grau de mestiçagem. Dificilmente estas novilhas apresentam problemas ao parto, pois além de uma alimentação adequada o bem-estar destes animais tem sido bastante observado.

Em casos de problemas de parto, ou seja, a ocorrência de partos distócicos na propriedade, várias podem ser as causas. Dentre elas a má alimentação durante o período seco (ou mesmo a não realização do período seco), isto é, quando a vaca não está sendo ordenhada (dois últimos meses de gestação), brigas com outras fêmeas do lote para instalação da hierarquia social ou, ainda, a utilização de sêmen de reprodutores com DEP (diferença esperada na progênie) elevada para peso ao nascer. É importante lembrar que os problemas relacionados ao periparto também devem ser incluídos neste tópico, ou seja, a retenção de placenta, a ocorrência de metrites (infecção do útero), a falta de habilidade materna para manifestar os cuidados com a cria logo após o nascimento (limpeza do bezerro, corte do cordão umbilical, estímulo à mamada do colostro), distúrbios metabólicos.

Em relação a estes últimos - distúrbios metabólicos (febre-do-leite, cetose, fígado gordo etc.) não devem ser causa de descarte de fêmeas na propriedade leiteira, visto ocorrerem não por causa na fêmea mas por ineficiência no manejo nutricional da mesma, cuja responsabilidade é do produtor ou técnico.

Em uma propriedade leiteira não compensa que uma vaca com repetidos problemas de parto permaneçam no rebanho. Os custos com Médico Veterinário e medicamentos são incluídos nos custos totais e o criador deve se resguardar ao máximo deles, mesmo descartando uma vaca de boa produção de leite, por ser uma vaca com problemas reprodutivos repetitivos.

O descarte de fêmeas em uma propriedade leiteira também deve ser feito quando a fêmea não atinge a produção média do rebanho. O produtor só terá conhecimento disto se tiver uma rotina de pesagem do leite por vaca estabelecida em seu criatório, pelo menos uma vez por mês (controle leiteiro). Caso o produtor não possua balança em sua propriedade, o leite por vaca pode ser medido em balde graduado, removendo, evidentemente, a espuma antes da leitura.

Deve-se ressaltar que o produtor, antes de descartar uma fêmea bovina por baixa produção de leite, deve ter em mente algumas observações: a vaca somente chega ao pico de sua produção leiteira (dentro de uma mesma lactação), entre a quarta e sexta semanas após o parto; uma novilha produz, em média 20% menos leite do que produzirá ao chegar em sua idade adulta (terceira lactação), pois ainda está em crescimento, estabilizando sua produção até a quinta ou sexta lactação; considerar a produção de leite da mãe da vaca e a DEP para produção de leite do pai da mesma; e se ele, produtor, realmente está dando condições ideais para que o animal expresse todo o seu potencial produtivo – Está fornecendo alimentação adequada em energia, proteína e minerais e vitaminas para este animal? O momento da ordenha é tranqüilo para o animal? Como esta vaca está sendo tratada pelo ordenhador? As condições de ambiente, como a temperatura, são boas para o grau de sangue que a vaca possui? É comum, em rebanhos leiteiros a existência de diversos graus de sangue, o que influencia não apenas a produção de leite do animal, mas sua resistência às intempéries do ambiente. Então, o produtor deve conhecer bem o seu rebanho (o que pode conseguir através de uma adequada escrituração zootécnica) para dar a ele o que realmente precisa e assim poder “cobrar” em produção de leite.

Outro fator que deve ser considerado no descarte de fêmeas leiteiras, talvez até mesmo mais importante que a produção de leite em kg/dia, é a persistência de lactação. A persistência de lactação é o “tempo” em que o animal continua produzindo leite, sem apresentar uma queda acentuada após o pico de lactação, sem que tenha havido alguma interferência externa para que o animal deixe de produzir (como por exemplo, falha na alimentação). Assim, deve-se observar que a vaca deve ter um pico de produção de leite alto e reduzir sua produção lentamente.

O ideal é que uma vaca produza leite por 305 dias. Assim ela terá um período de descanso – o período seco, para recuperar sua glândula mamária e seu corpo encaminhar os alimentos para a cria que a fêmea está gestando nos dois últimos meses antes do parto, período de maior desenvolvimento do bezerro. No entanto, algumas vacas, principalmente as mais azebuadas, apresentam uma baixa persistência de lactação, devendo ser secas muitas vezes até o quinto mês de lactação.

Na Embrapa Meio-Norte/UEP Parnaíba, as vacas são secas aos sete meses de gestação ou quando tem produção mínima em dois controles leiteiros consecutivos (o controle é semanal), de 3 kg ou menos.  Percebemos nitidamente que as vacas cujo grau de sangue zebuíno é bem superior ao taurino têm uma persistência de lactação bem inferior – já houve um caso em que necessitamos “secar” a vaca com menos de três meses de lactação. Estudando o histórico deste animal, decidimos pelo descarte, pois a lactação anterior havia sido similar.

É importante considerar que uma vaca que pare ainda sendo ordenhada não significa maiores ganhos ao produtor (mesmo que ele assim pense, em função da produção maior na atual lactação), visto que o bezerro poderá não se desenvolver adequadamente nascendo mais fraco e precisando de cuidados, a glândula mamária não se recuperará bem e na próxima lactação, conseqüentemente a produção de leite será menor. Considerando-se então toda a vida produtiva do animal, explorá-lo ao máximo em uma lactação não é um bom negócio em longo prazo. Em um texto anterior, neste mesmo site, abordamos detalhadamente a importância do período seco em vacas.

A ordem de lactação e a idade da vaca também devem ser consideradas no momento do descarte de vacas leiteiras. Em vacas que já passaram da sexta lactação pode-se perceber um declínio na produção.  No entanto, nestes casos, o produtor não deve considerar apenas a ordem de lactação e sim avaliar todos os outros parâmetros comentados anteriormente e fazer um balanço para avaliar se é melhor descartar o animal logo ou se lucrará mais se deixar esta vaca mais uma ou duas lactações na propriedade. É importante lembrar que vacas de mais idade, independente da ordem de lactação estão sujeitas a maiores problemas, seja por conta do próprio manejo reprodutivo ou por acúmulo de acidentes que ocasionam problemas como perda de tetos, defeitos de aprumos, dentre outros.

Em resumo, todos os fatores acima devem ser bem ponderados pelo produtor antes de descartar uma fêmea bovina de sua propriedade. No entanto, o “coração” do produtor e de seus familiares deve ser deixado de lado e encarar a produção de leite como um empreendimento que, como tal, poderá lhe trazer lucros ou prejuízos, dependendo para isso, das decisões que toma conscientemente e com base em dados reais de sua propriedade.

 

 

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.