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ASSOMBRAÇÃO


Paulo Lot Calixto Lemos

Houve uma época em que todos os esforços e definições de rumos que levassem o progresso e o desenvolvimento, especialmente às pequenas cidades, eram conduzidos por abnegadas almas que militavam na política ou nos bastidores dela, sem a menor pretensão salarial ou benesses indiretas.

Vereadores trabalhavam sem salário, lideres políticos, empresários, fazendeiros, presidentes de associações de classe, etc, doavam bens materiais e parte de seu tempo com a única finalidade de melhorar as condições de vida na terra onde seus filhos iriam viver. Era uma época em que a recompensa maior que se almejava era a perpetuação e o engrandecimento do nome de família.

Ainda nesse tempo, viveu em Passos, o senhor Pedro da Silva Lemos, idealizador e o grande responsável pela fundação, em 1949, da nossa “Cooperativa Agropecuária do Sudoeste Mineiro”, uma vez que chegou ao ponto de integralizar, do próprio bolso, cotas do capital social da empresa, em nome de companheiros descapitalizados.

Pedro Silva era um homem de objetivos claros e vontade férrea, orgulhoso e prepotente, mas cujo trabalho muito contribuiu para os destinos de nossa terra, pois acredito que podemos dividir a historia econômica da sociedade rural Passense, em “antes” e “depois” da fundação da CASMIL, onde permaneceu como presidente durante quase 13 anos.

Nunca se soube o motivo, pois econômico ou financeiro não foi, mas em 1962 Pedro Silva decidiu vender sua bela fazenda localizada nas margens do Rio Grande, cujo casarão sede era onde é hoje o restaurante Fazendão, propriedade do nosso amigo Ricardo “Whastec” Ribeiro.

Como não podia deixar de ser, tal fato foi muito especulado na época. Surgiram comentários de toda sorte: “Pedro Silva está com alguma doença grave, por isso vai se mudar pra capital”, diziam uns. “O sô Pedro só pode ter enlouquecido, onde já se viu vender sua fazenda e comprar uma rede de farmácias em Belo Horizonte!” Diziam outros. Mas a boateira que mais encontrou eco no imaginário popular foi a de que, o motivo de tão esdrúxula decisão havia sido fruto de “um trabalho encomendado” por algum desafeto. Aquela atitude só podia ser conseqüência da ação do “demo”, do “coisa ruim”, e assim por diante... Mas o fato é que Pedro Silva vendeu a fazenda e mudou-se para Belo Horizonte, aonde veio a falecer 10 anos mais tarde.

Já nos anos 80, Carlos Magno Vieira Leal, importante e tradicional fazendeiro no meio rural passense, que tem como habito vestir-se apenas com roupas brancas, adquiriu uma partida de gado que estava empastado na antiga fazenda do Pedro Silva, que nessa ocasião ainda pertencia à usina Açucareira Passos.

No dia de embarcar o gado, enquanto aguardava que o trouxessem para o curral, Carlos Magno resolveu rumar para a varanda do antigo casarão que ficava uns 500 metros acima. Diz ele que enquanto caminhava foi observando todo aquele desmazelo, a curralama “caindo”, os pastos que sobraram se transformando em capoeira, nenhum barulho, de um pardal que fosse, para alegrar o ambiente. Apenas um mar de cana acompanhava o silencio opressivo de local abandonado.

Sentado num velho banco esquecido na varanda, foi então se lembrando daquilo lá no tempo do sô Pedro Silva, daquele movimento todo, do cheiro do feijão cozinhando no fogo de lenha, da peonada na lida do dia a dia, dos mugidos do famoso gado gir de cor castanha que lotava aquelas encostas...

Absorto naquelas lembranças, nem se deu conta, até que ouviu alguém dizer:

- Bá tarde sô moço!

Olhou e viu que se tratava do caseiro da agora pseudofazenda.

- Boa tarde!

- O sinhô tá esperando o gado que tão juntano?

- Mais ou menos, e o senhor?

- Ieu tô aqui mode tomá conta desse lugá, tô aqui faiz pouco tempo, coisa de 8 dia só!

- Pouco tempo. Mas o senhor tá gostando do serviço?

- Oia aqui sô moço, pra fala a verdade ieu num tô não. Tô inté pricurando outro serviço, se o sinhô subé de argum...

- Mas porque? Serviço anda difícil de achar, heim!

- É, mas aqui ieu num fico mais não! Inda hoje nois vamo vortá pra cidade...

- Ora! Mas porque?

- Isso aqui é assombrado moço, ieu e a muié num durmimo há mais de 3 noite! É rastação de corrente, é pedra caindo no teiado, é gemido, a noite inteira!

- É mesmo! Mas quem será esse tal assombração?

- Eles fala por ai que é um tali Pedro Silva! O sinhô conheceu esse home?

Carlos Magno então, todo vestido de branco, juntou seu possante vozeirão e num rompante que estremeceu até as paredes, respondeu:

- Pedro Silva sou eu!!!

Pra que... Gritando apavorado, o pobre coitado saiu em desabalada carreira morro abaixo. Tropicando, caindo e levantando sem nem olhar pra trás, sumiu, e nunca mais se teve noticia do infeliz...

Paulo Lot Calixto Lemos

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