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Bioinsumos, a terceira onda da agricultura brasileira


Amélio Dall’Agnol

Enquanto o país e o mundo atravessam a pandemia do coronavírus, levando a uma queda estimada de até 10% do PIB brasileiro em 2020, o PIB agropecuário deverá crescer 2,4%, segundo estimativas do IPEA. É a economia brasileira, mais uma vez, respirando com a ajuda do agronegócio. O setor cresce, apesar de os demais segmentos da economia estarem em queda. Mas não será apenas na temporada de 2020 que o agronegócio sustentará a economia do Brasil. Isto vem acontecendo há décadas. As super safras se sucederam, as exportações aumentaram e os superávits gerados pelas exportações do agronegócio cresceram, somando cerca de US$ 1,2 trilhões nas duas últimas décadas: saldo de US$ 78,2 bilhões anuais, no período 2010 a 2019 (Conab). 

A pujança da produção agrícola brasileira impressiona pela eficiência, apesar da baixa fertilidade natural de boa parte dos solos agricultáveis do país. O sucesso se deve, em boa medida, aos aportes tecnológicos introduzidos nos seus processos produtivos. A mais recente investida tecnológica refere-se ao desenvolvimento e uso de bioinsumos, cujo Programa foi lançado pela Ministra Tereza Cristina da Agricultura, em 27 de maio de 2020. O decreto que instituiu o Programa nacional de incentivo à produção e uso de Bioinsumos já está vigente e foi publicado no Diário Oficial da União, ainda em maio. 

Na abertura do evento que lançou o Programa, a Ministra proferiu a frase que dá título a este artigo e qualificou o desenvolvimento e uso de bioinsumos no Brasil como parte de uma estratégia tecnológica tão importante quanto foram o Sistema Plantio Direto e a Integração Lavoura/Pecuária, tecnologias que trouxeram avanços sem igual para a agropecuária nacional. O Programa admite, inclusive, a possibilidade de os bioinsumos serem produzidos na propriedade do agricultor, seguindo os protocolos recomendados. 

Bioinsumos, como o próprio nome sugere, são insumos biológicos de origem animal, vegetal ou microbiana, que interferem positivamente no desenvolvimento e produção agropecuária e nos sistemas de produção aquáticos ou florestais. A Ministra considera que a rica biodiversidade do solo brasileiro deveria ser melhor aproveitada para o desenvolvimento e produção de produtos biológicos utilizados no controle das pragas agrícolas e no desenvolvimento e nutrição das plantas. 

Os principais bioinsumos são à base de microrganismos (vírus, bactérias e fungos), mas também existem vários macro-organismos (insetos benéficos, predadores, parasitoides, ácaros predadores, etc.), semioquímicos (feromônios) e bioquímicos, todos muito interessantes na busca por uma produção agrícola mais dinâmica e competitiva. São importantes aliados para auxiliar nos sistemas de produção e diminuir o uso de insumos químicos, cujo uso inadequado ou excessivo leva a desequilíbrios que aumentam ainda mais a dependência por insumos sintéticos. A utilização de bioinsumos está em franco crescimento no Brasil e sinalizam com a possibilidade de promoverem uma produção agrícola mais sustentável, utilizando os recursos que a natureza desenvolveu no curso da sua evolução.

Vários insumos biológicos já são bastante utilizados pela agricultura orgânica no Brasil, mas a atual gestão do MAPA quer mais e tem disposição para impulsionar sua utilização em larga escala na agricultura convencional e com isto reduzir os custos de produção, a poluição ambiental e a dependência de agrotóxicos e fertilizantes importados. É a bioeconomia operando no país. 

O bioinsumo que mais impacta economicamente a agricultura brasileira é o inoculante à base de bactérias fixadoras de nitrogênio do gênero Bradyrhizobium  na soja, capazes de fixar o nitrogênio atmosférico e transformá-lo em nitrogênio amoniacal, que é a forma absorvida pelas plantas. O custo do inoculante que substitui o fertilizante nitrogenado mineral é muito baixo frente aos benefícios que traz, resultando na economia anual de bilhões de dólares nos cerca de 38 milhões de hectares cultivados com a oleaginosa no Brasil. Mais recentemente, inoculantes à base de Azospirillum, uma bactéria promotora de crescimento vegetal, também passou a ganhar importância na cultura da soja, na inoculação simultânea com o Bradyrhizobium, num processo chamado coinoculação, que resulta em mais produtividade. O Azospirillum também traz benefícios ao ser coinoculado com Rhizobium no feijoeiro ou inoculado sozinho em gramíneas como milho, trigo, arroz e pastagens. É importante ressaltar que o sucesso da FBN e da coinoculação na soja e o uso em outras culturas, só chegou até este patamar devido ao uso de produtos de qualidade e registrados com a devida fiscalização dos órgãos nacionais. O desenvolvimento da indústria de bioinsumos, juntamente com a pesquisa, também proporcionou a geração de novas formulações que deram ao produtor maior garantia de eficiência destes produtos e segurança de uso. 

O setor de bioinsumos movimenta perto de R$ 1.0 bilhão por ano no Brasil e cresce a uma taxa anual superior a 10%. Entre 2015 e 2019, 40 novas empresas produtoras de bioinsumos ingressaram no setor no país, que, juntamente com as que já estavam operando antes de 2015, no final de 2019 totalizavam 80 biofábricas, indicando que mais da metade delas existem há menos de 5 anos. O registro de novos produtos biológicos, por sua vez, cresceu de apenas 3, em 2011 para 106, em 2018. 

A Embrapa conta com bancos de germoplasma microbianos destinados a preservar e caracterizar microrganismos agentes de controle biológico de pragas e doenças, fixadores de nitrogênio e promotores de crescimento de plantas. São mais de 10 mil isolados de bactérias, fungos e vírus para controle biológico e mais de 14 mil isolados fixadores de nitrogênio, solubilizadores de nutrientes, e promotores de crescimento de plantas. É um patrimônio valioso que pode ser usado na produção de bioinsumos, vários dos quais já se encontram no mercado. Para preservação deste patrimônio e bioprospecção, o país investe milhões em pesquisa para a descoberta crescente de novos ativos. É um processo que envolve testes laboratoriais que vão até o campo.

Neste caso, o retorno deste investimento para as instituições de pesquisa com a produção de novos biológicos é de extrema importância para que a ciência continue cada vez mais inovando e realizando novas descobertas para o crescimento da agricultura. 

A produção de insumos biológicos não é tarefa fácil. Demanda conhecimentos técnicos e controle de qualidade durante as etapas de produção e do produto final para que possa promover os benefícios sociais, ambientais e econômicos que se propõem. Assim como ocorre com as empresas hoje estabelecidas no país, o controle de qualidade deve ser regido por legislação, visando garantir aspectos fitossanitários das culturas para evitar a disseminação de doenças e problemas ambientais devido à destinação incorreta dos resíduos gerados nestas produções. Além disso, garantir uma formulação eficiente, onde o produtor possa investir com segurança no uso do bioinsumo.

Características como pureza e concentração mínima do microrganismo de interesse são imprescindíveis para o sucesso de um bioinsumo. Produções sem o devido controle de qualidade podem impor riscos sanitários ao usuário e ao consumidor final, caso ocorram contaminações por microrganismos patogênicos. Podem, também, ser disseminados microrganismos patogênicos na própria lavoura, levando a riscos fitossanitários para o país, além do enfrentamento de perdas de exportação pela contaminação de grãos e frutos. No caso de produtores certificados, há uma crescente exigência do mercado externo em relação ao uso de produtos que sejam registrados em órgãos para tal competência. Isso garante ao mercado segurança na aquisição de mercadorias brasileiras. 

 

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