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BOEMIA


Paulo Lot Calixto Lemos

Nunca se soube por que ele cantava tão bem assim. Se era estimulado pelo famoso sobrenome que carregava, ou se era por ser realmente parente, a razão do dom de tão bela cantoria. O fato é que ele foi um dos grandes boêmios e cantadores que nossa terra já criou. Nosso personagem, além de contemporâneo do grande Vicente Celestino possuía o mesmo sobrenome. Chamava-se Manuel Celestino.

Mané Celestino era o que podemos chamar de uma pessoa autentica, trabalhador quando precisava, mas um completo “bom vivam” quando podia... Mané possuía alguns tratores e trabalhava como empreiteiro para muitos fazendeiros. Passava longas temporadas sumido pelos sertões formando fazendas, cultivando e plantando terras. Quando considerava que já tinha ganhado o suficiente, eis que aparecia Mané Celestino que nem um bicho do mato, todo sujo, barbudo, roupas esfarrapadas... Porem, logo a noitinha estava irreconhecível e impecável: Banho tomado, barba feita, vestido no ultimo figurino com um novíssimo terno branco de linho 120 e o mais importante: com os bolsos estufados de dinheiro.

Iniciava sua ronda noturna sempre pelo centro da cidade. No bar Seleta encontrava os amigos, punha a conversa em dia e após umas e outras já estava a postos com o violão na mão. Junto aos primeiros acordes começava a juntar gente para ouvir o Mané cantar. Por ser bem apessoado, considerado bonitão, muitas moças casadoiras concorriam ao sarau, e quanto maior a platéia mais o Mané se esmerava soltando seu vozeirão em belas canções românticas.

Bem, essa sessão era simplesmente para “afinar o tamborim”. O que vinha depois era o que era pra valer... Por volta das 21:00 horas subia pra chamada “Terceira”. Alusão à rua 3 de Maio, antiga 3ª chapada, famosa zona boemia de Passos. Nessas ocasiões Mané incorporava o papel de “xerife” da boemia. Fechava o cabaré, era tudo por conta dele. Tinha inclusive mulher por conta, ou seja, mulher considerada apenas sua quando estava presente, sem direito a que ninguém bulisse com ela.

Numa dessas ocasiões, em plena festança, acompanhado de amigos e da “sua mulher”, um conhecido baba-ovos e fofoqueiro se achega ao seu ouvido cochichando:

- Mané, eu não queria te contar isso não... Mas amigo é pressas coisas né? Na sua ausência, sua mulher andou ficando com outros, e o pior! Se engravidou! O que é que ocê vai fazer com a criança Mané?

Sob o olhar admirado de todos Mané respondeu em alto e bom português:

- Uma coisa eu não abro mão! Seja quem for que tiver plantado, nasceu em terreno meu é meu!

Fim de papo para o agora envergonhado fofoqueiro. Assim era Mané Celestino...

Em outra ocasião, já altas horas da madrugada, após muita cantoria e bebedeira, Mané resolve de levar as “meninas” para um passeio pela cidade. Coloca um companheiro no volante, monta na carroceria da camionete e sai a cantar junto a dezenas de Rosinhas e Marias: “Tornei-me um ébrio, na bebida busco esquecer/Aquela ingrata que me amava e me abandonou/Apedrejado pelas ruas, vivo a sofrer/Não tenho lar e nem parentes, tudo terminou...”.

E assim foram. Depois de muito passear, o diabo do Mané encasqueta de presentear suas bonecas. Onde então encontrar presentes para tão belas damas àquela hora da noite? Ora, na Casa Leal, é claro! – pensou...

Depois de muitas palmas e chamados, aparece seu Ezequias Marques com os olhos esbugalhados de sono, ainda vestindo touca e ceroula, para atende-lo:

- É você Manuel? Aconteceu alguma coisa?

- Nada sério seu Ezequias, o senhor desculpe o adiantado da hora, mas viajo ainda hoje e preciso urgentemente comprar algumas coisinhas...

- Muito bem senhor Manuel. Espero que seja rápido.

Seu Ezequias desceu então, até a sua loja, que ficava ao lado, e assim que abriu uma das folhas de uma das portas da centenária Casa Leal, assistiu arregalado a uma verdadeira invasão de alegres, falantes e coloridas damas noite... E ainda mais assustado ouviu o inusitado pedido de Mané Celestino:

- Por favor, calçado para todas!

Seu Ezequias Marques passou o resto do dia com dores nas costas de tanto calçar os delicados pés das “meninas” do Mané...

Paulo Lot Calixto Lemos

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