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O TREM DE FERRO


Paulo Lot Calixto Lemos

Naqueles tempos, nossa região ainda era rica em matas virgens. Salpicando as fertilíssimas terras do vale do rio Grande, existiam áreas totalmente intocadas, onde ostentavam toda sua majestade, enormes arvores de Jacarandá, Ipês, Angicos, Castanheiras, Jatobás e Aroeiras. Todas elas chamadas madeiras “de lei”, ou seja, madeira pra toda vida, de alta durabilidade, cada uma pra uma serventia especifica.

Na barra do ribeirão Bocaina, onde este deságua no rio Grande existia uma imensa mata, chamada Mata da Onça. Tal mata pertencia à também imensa fazenda da dona Maricota, e nela morava, quase que sem nenhum contato com a civilização, um caboclo tratado por todos de sô Coruja. Coruja tinha mulher e vários filhos, supersticioso ao extremo, sua especialidade maior era contar causos de assombração. Afirmava com certeza, que era ali a morada do famoso caboclo D’água, que não havia lua cheia que o tal não aparecesse, e que seu prato predileto era atacar mocinhas indefesas... Como tinha duas filhas, pedia a elas que continuassem com o caso:

- É... nois tava na canoa pescando, o sol já tinha sumido na barra do dia, já tava no lusco-fusco quando nois notemo que arguma coisa pesô a canoa da outra banda... Conta ocê agora Filomena!

- Ieu?! Tá bão Margarida... Uai! Aí, quando nois oiô, nois viu a mãozona peluda do caboco D’água, ele já ia dando o galeio mode pulá pra dentro. A sorte foi q’eu tive presença e meti o facão nos dedo dele! Foi uma só, o bicho hurrô de dor! Mais num é que o danado ainda gorpeô e virô o barco cum nois dentro!

Nesse momento entrava o pai Coruja novamente:

- Mais o que acabô de sarvá essas menina foi eu tê ensinado elas a nadar... Elas nada que nem traíra, merguiando fundo e amoitada. Dessa veiz o caboco D’água nem nutiça teve!

Assim vivia o sô Coruja e sua família, amocados naquela mata, nunca, nenhum deles, teve a oportunidade de conhecer ao menos a cidade de Passos.

Do outro lado do ribeirão, localizava-se a fazenda Bocaina, bela gleba de terras pertencente ao Sr. Euclides Machado, irmão do famoso Coronel Antenor Machado, grande pecuarista e capitalista da vizinha cidade de Santa Rita de Cássia.

A fazenda Bocaina era uma fazenda moderna, bem montada, contava com engenho de açúcar, olaria e uma equipada serraria. Assim, Sô Euclides negociou com dona Maricota toda madeira de lei da Mata da Onça. Negocio fechado, trabalho a vista...

Quem tocava e gerenciava os negócios do Sr. Euclides era seu concunhado, Toniquinho Stockler, homem sério e muito sistemático, mas que apreciava escutar as “historias” do sô Coruja, assim, se afeiçoou com o mateiro e vivia dizendo que ainda iria leva-lo pra conhecer o comércio, que era como chamavam a cidade na época.

Até que enfim o dia de conhecer o comercio chegou. Era ainda alta madrugada quando Toniquinho passou para apanhar o sô Coruja. Montaram no fordinho e pé na tábua. Toniquinho queria chegar ainda noite escura, pois assim sô Coruja poderia ver a cidade iluminada...

Dito e feito! Coruja ficou maravilhado com todas aquelas luzes:

- Num tem base! Que tanto de luz lumiando na ponta desses baita moirão! Mas, como que se ateia fogo nessa artura toda sô Tonico?

Ficou ainda mais boquiaberto ao saber que ali não havia fogo, mas eletricidade, que as luzes eram acesas todas de uma só vez quando escurecia, e apagadas quando clareava o dia... De manhã foram conhecer o cemitério, depois a rua do comercio, a igreja matriz, tomaram café no bar da praça, e por ultimo Toniquinho levou sô Coruja para conhecer a atração maior da cidade: O Trem de Ferro!

Até aqui, Coruja estava encantado com as luzes, com o calçamento das ruas, com o tanto de gente andando pra lá e pra cá. Mas quando viu o Trem de Ferro...

- Cruz-credo Ave Maria sô Tonico! Que troço é esse, isso é coisa do Demo! Do Coisa Ruim!

Pacientemente, Toniquinho explicou ao sô Coruja as funções do trem de ferro, como funcionava, e etc, etc... Aproveitando as manobras do maquinista, Toniquinho fez com que entrassem na máquina, e passeassem da estação até o viradouro, do viradouro até a estação, enquanto que Coruja, completamente extasiado com aquela novidade, não parava de falar:

- Que coisa medonha que é isso aqui! Escuita só o baruio q’ele faz! Um trem desse deve de arrastar duzentas toras duma veizada só!

No caminho de volta pra mata sô Coruja não tinha língua que não fosse pra falar do trem de ferro. A locomotiva não saia de sua cabeça. E assim, nesse estado, Toniquinho deixou Coruja em sua casa...

- Mas que diabo de trem de ferro que é esse que ocê tanto fala home de Deus?! Raiava a sua esposa.

Coruja falava, falava, tentando explicar como era o trem de ferro, mas ninguém entendia nada que ele estava falando...

Até que Filomena, sua filha, fez com que sossegasse um pouco, e lhe pediu que dissesse algo, que pelo menos fosse parecido com essa tal de locomotiva.

- Pai, pensa... Num tem nada parecido com essa coisa não?

Coruja deu então uma trégua, pensou, pensou, até que um brilho especial apareceu em seus olhos! E num rasgo de inteligência gritou:

- Já sei! Sabe a máquina de costura da sua mãe? Aquela que tem manivela? Pois antão, é iguarzinho a ela. Só que muito maior e muito diferente!!

Paulo Lot Calixto Lemos

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