Em 1974, a soja em nosso país era quase uma exclusividade do Sul: a produção brasileira mal chegava a 7 milhões de toneladas, e mais de 90% desse volume vinha dessa região. O Centro-Oeste ainda engatinhava, contribuindo com cerca de 5% desse total.
Cinquenta anos depois, a cultura transformou o agronegócio brasileiro. Em 2024, a Produção Agrícola Municipal (PAM), do IBGE, constatou que o Brasil colheu impressionantes 144 milhões de toneladas de soja - 20 vezes mais. O Centro-Oeste se tornou o verdadeiro motor desse crescimento, produzindo 66 milhões de toneladas – 160 vezes maior do que há 50 anos!
Essa marcha do grão rumo a regiões mais quentes — indo do clima ameno do Sul para o Cerrado e, mais recentemente, para a fronteira agrícola do MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) — só foi possível graças à ciência brasileira. Instituições como a Embrapa e Universidades, em parceria com agricultores audaciosos, não apenas viabilizaram o avanço geográfico, como também desenvolveram tecnologias fundamentais, como a inoculação com microrganismos benéficos associada ao melhoramento genético da cultura.
Esse trabalho impulsionou a Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN), um bioinsumo pioneiro na soja, muito antes do termo se popularizar no Agronegócio. A inoculação garante uma vantagem competitiva fundamental, representando uma economia anual estimada em 15 bilhões de dólares em fertilizantes nitrogenados para os produtores!
Hoje, o Sul produz 28% da produção nacional de soja. O Centro-Oeste lidera com 46%, enquanto Nordeste (11%); Sudeste (8%) e Norte (7%) completam o quadro. Em 1974, Rio Grande do Sul e Paraná respondiam por 82% da soja. Atualmente, o maior produtor é o Mato Grosso (quase 27%), seguido de Rio Grande do Sul e Paraná (ambos com 12,5%) e Goiás (11%).
A soja se deslocou no mapa e, devido à sua importância como principal fonte de proteína para a alimentação animal, trouxe com ela a cadeia produtiva da carne brasileira. Surge, então, a grande questão: A soja impulsionou a cadeia da carne, ou o mercado da carne impulsionou a soja?
O Big Bang da soja nos anos 2000
Em 1988, o Brasil tinha 49 milhões de hectares cultivados com lavouras temporárias, sendo a soja responsável por 21% desse total. Em 2024, são 91 milhões de hectares (quase o dobro), com a soja representando metade da área: 46 milhões de hectares.
A migração da soja não foi linear. Em 1997, o Brasil ainda tinha basicamente os mesmos 11 milhões de hectares cultivados em 1988. Mas a partir daí veio a grande aceleração, impulsionada pelo Plano Real (que controlou a inflação e trouxe previsibilidade ao produtor) e pelo crescimento dos mercados da carne no Brasil e no exterior. Em 2000 já tínhamos 13 milhões de hectares de soja. Em 2005 eram 23 milhões; 2014, 30 milhões até chegar aos 46 milhões de hectares em 2024. Enquanto a área cultivada no Brasil dobrou no período, a área da soja quadruplicou!
O Mapa da Expansão
No Centro-Oeste, a área plantada com soja passou de pouco mais de 3 milhões de hectares em 1988, para 21 milhões em 2024 — um crescimento de 7 vezes! No Sul, a área dobrou, indo de 6 para 13 milhões de hectares, acompanhando o crescimento nacional. A Região Nordeste saltou de 250 mil hectares em 1988 para mais de 4,4 milhões em 2024, atingindo patamar semelhante ao do Sudeste. Já a Região Norte passou de 4.600 hectares para 3,4 milhões no mesmo período.
Os dados mostram que a expansão começou nos anos 2000, no Centro-Oeste. Na última década, a nova fronteira agrícola se consolidou com destaque para o MATOPIBA e o Pará. Estados como Bahia (desde 2011), Maranhão e Tocantins (2021), Pará (2023) e Piauí (2024) ultrapassaram 1 milhão de hectares de soja plantada, somando juntos hoje, cerca de 13% da área nacional.
Mas o que impulsionou essa migração? A busca por terras mais baratas? O avanço tecnológico que adaptou a soja ao calor? A melhoria na logística? Ou o ganho de escala na pecuária? A resposta está na combinação complexa de todos esses fatores.
O Desafio do futuro
Enquanto o mercado dita essa dinâmica, o agronegócio precisa ir além. Concentrar 50% da área de grãos com soja é uma aposta alta? Existe limite para a expansão da cultura no País? Há espaço (e vontade) para diversificar com outras culturas proteicas que sustentem a cadeia da carne e reduzam riscos econômicos e ambientais? Nosso modelo produtivo é, de fato, eficaz e sustentável a longo prazo?
O IBGE nos entrega o mapa do passado e do presente. O desafio agora é transformar esses dados em planejamento estratégico, garantindo a segurança de toda a cadeia produtiva e promovendo o crescimento econômico com responsabilidade no uso do solo. Aqui gostaria de trazer a reflexão: Estamos, de fato, agindo com essa visão de futuro, ou apenas reagindo ao imediatismo da expansão e dos bons preços das commodities?
Este é o debate central para a nova era do Agronegócio brasileiro e não podemos adiá-lo. Chegar até aqui não foi fácil, mas manter-se no alto é um desafio ainda maior e certamente a ciência já tem ideia de qual caminho devemos seguir. O desafio de hoje talvez não seja mais o de crescer, mas sim diversificar e consolidar a produtividade de forma sustentável nas fronteiras agrícolas já abertas.
Forte abraço!
Nota: Os números de 2025, segundo outra pesquisa do IBGE, o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA-IBGE), são ainda maiores e superam os 165,8 milhões de toneladas! Mas nos atemos nesse artigo a Produção Agrícola Municipal (PAM) do IBGE (https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pam/tabelas) até 2024, por apresentar dados consolidados por Estado.