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UMA QUESTÃO DE ZELO


Paulo Lot Calixto Lemos

Hoje, apesar de quase tudo ser “on-line”, a falta de tempo é muito maior, nossa vida muito mais corrida, a concorrência e a competição muito mais acirrada. Entretanto, de um modo ou de outro, problemas financeiros sempre existiram.

Logicamente que até alguns anos atrás, um calote, um cheque sem fundos ou um simples atraso de pagamento, levava muito mais tempo para ser acusado e conseqüentemente abalar o crédito do protagonista. Essa demora tinha seu lado positivo, pois nessa época, tais contratempos envolviam questões de brio pessoal, portanto dava à pessoa envolvida mais tempo para tentar corrigir o “papelão”. Por outro lado, hoje, talvez devido a instantaneidade da exposição, fato que tem provocado inúmeros erros e enganos nos serviços de proteção ao credito, o calote ficou banalizado. Isso sim, com certeza mudou. Já não se zela e nem se preza mais o bom nome como antigamente. Para as novas gerações, passar um cheque sem fundos ou ter o nome incluído nos SPCs da vida se tornou tão comum e corriqueiro que a preocupação de ficar com o nome “sujo” na praça, perdeu o seu real sentido...

Nos idos anos 60, Passos já contava com varias agencias bancarias. Na rua Antonio Carlos, funcionava o Banco Itaú, cujo gerente, Sr. Pedro Coelho, tinha autoridade para agir como “dono” do banco, trabalhava até a hora que fosse preciso, a qualquer hora do dia ou da noite concedia empréstimos ou recebia depósitos, cujo recibo era um simples pedaço de papel com sua assinatura. Sua palavra valia muito mais que os contratos que assinamos hoje em dia nas agencias bancarias. Na travessa da igreja matriz funcionava a Caixa Federal, que teve também o seu respeitabilíssimo gerente, o nosso querido e honrado Sr. Dirceu Brandão. Na rua deputado Lourenço de Andrade, mais duas pequenas agencias, a do Banco Hipotecário e a do Banco da Lavoura. E finalmente na praça da matriz, as agencias dos bancos Mineiro da Produção, Comercio e Industria e a do onipresente Banco do Brasil.

Não sei dizer como é hoje, mas naquele tempo, ao final do expediente, cada uma dessas agencias despachava seu “maloteiro”, de pé com o malote em punho, para entregar no Banco do Brasil o movimento do dia. Contratos e cheques a serem compensados.

Os jovens Dimas Manuel Pereira, dinâmico e muito ativo para negócios e Zé Arnaldo Stockler Calixto, pessoa boníssima que tinha o coração do tamanho do mundo, muito trabalhador, mas de muito pouco talento para questões financeiras. Talvez por possuírem personalidades tão diferentes, eram, alem de muito amigos, sócios em vários empreendimentos. Negociavam juntos cereais, gado, automóveis e etc.

Pois bem, nos percalços da vida, numa ocasião se viram sem fundos para cobrir um cheque já emitido. Cheque esse do Banco da Lavoura, cujo gerente era um novato que não pôde fazer nada para segurar o bendito por pelo menos mais um dia. Porem, o “maloteiro” do banco era um amigo e companheiro de cerveja. Tinha o apelido de Ite, seu nome Luis de Castro.

Foram então falar com o Ite, pedindo-lhe que “esquecesse” o danado do cheque, evitando leva-lo no malote de compensação do dia. Porem diante do posicionamento firme do amigo, alegando ser impossível esse procedimento, reconheceram que ele realmente não poderia ajuda-los. Zé Arnaldo então finalizou:

- É, O Ite tá certo. Vamos ter que nos arrumar de outro jeito Dimas...

- É, mas tem uma coisa. Isso o Ite pode fazer! – exclamou Dimas dando uma de inconformado.

- O que? – quis saber Ite.

- Ficar de boca fechada. Só isso. Qualquer coisa que aconteça, ocê não falou com a gente e nunca viu a gente. Combinado?

- Uai! Tudo bem. Combinado.

Ao saírem, Zé Arnaldo já alarmado inquiriu Dimas:

- O que você quis dizer com aquilo Dimas?

- Coisa à toa Zé... Amanhã entra aquele dinheiro pra gente. O negocio é esse cheque não ser compensado hoje...

- Grande novidade!! E daí?

- O Ite é o “maloteiro”. Todo dia ele passa com o malote em frente ao escritório do Antonio Carlos...

- O que é que ocê ta pensando Dimas?...

- É isso mesmo! O negocio é o Ite passar mal e não chegar no Banco do Brasil! Pelo menos até que compensação esteja encerrada.

Dito e feito. Para sorte de nossos zelosos negociantes, Ite ao passar com o malote, aceitou o cafezinho oferecido pelo Antonio Carlos. Passou mal e ficou mais de 4 horas trancafiado no banheiro do seu escritório. Apesar do seu chingatório e do seu desaparecimento ter saído até no rádio, Zé Arnaldo e Dimas o libertaram somente depois de confirmado o encerramento da compensação do dia.

Paulo Lot Calixto Lemos

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