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Com violência não há diálogo


Arnaldo Calil Pereira Jardim
É muito provável que as manifestações de rua se intensifiquem por ocasião da Copa do Mundo. O governo está preocupado e apressou articulações com os estados e municípios para evitar que tumultos e violência atrapalhem a festa, turvem a imagem do País no exterior e acabem por ameaçar o prestígio da presidente e a sua reeleição. As providências incluem o encaminhamento urgente ao Congresso Nacional de um projeto de lei para combater o vandalismo nas manifestações, com punições mais rigorosas aos atos ilícitos praticados nos protestos. E até a convocação das Forças Armadas para coibir atos de violência durante o evento, conforme alertou a presidente esta semana em entrevista.
A percepção de todos – além das notícias e do clima de insegurança que transpira nas grandes cidades – se reflete nos resultados da pesquisa divulgada no dia 18 pela CNT (Confederação Nacional do Transporte), em parceria com a MDA Pesquisa: 85,4% dos brasileiros entrevistados acham que haverá manifestações no Mundial, assim como houve durante a Copa das Confederações. Mais da metade dos entrevistados (50,7%) revelaram que não queriam a candidatura do Brasil para sediar a Copa de 2014, mas apesar da reprovação, 26,1% concordam com a realização do evento. Para 75,8% deles, os investimentos feitos no País para a Copa foram desnecessários e 66,6% desses não acreditam que as obras de mobilidade urbana ficarão prontas a tempo.
Da minha parte desejo que a Copa do Mundo aconteça em paz. E como a maioria dos cidadãos, acredito, vou torcer pelo Brasil. O que não me impede de lançar um olhar crítico sobre os acontecimentos que culminaram com a lamentável morte do cinegrafista Santiago Andrade, da TV Bandeirantes. Estamos atravessando tempos confusos de violência, temor, indiferença; os conflitos viram agressões às pessoas, promovem incêndios e destruição de patrimônio público e privado. Nossa democracia está sendo arranhada.
Isso é ruim para todos nós aqui dentro de nossas fronteiras. E pode ser pior, à vista do mundo, porque a mídia mundial está convergindo para o Brasil por causa da Copa. Não é apenas um simples e prosaico problema de imagem, mas de prejuízos econômicos e políticos depois de tantos e sinceros esforços de muitos brasileiros para nos inserirmos no mundo globalizado como uma jovem democracia capaz de promover uma promissora e sustentável nação.
Tratar da violência na política não é fácil, até porque a História a tem justificado moralmente em situações de ditaduras desumanas. Mas esse não é o nosso caso e o limite que está sendo forçado é perigoso se consideramos que o Brasil é uma democracia. Com falhas, mas com governo eleito pelos cidadãos. O movimento de junho que poderia ser uma oportunidade para fazer emergir uma nova forma aberta de diálogo na sociedade brasileira parece ter na verdade aprofundado o fosso entre a sociedade e os partidos políticos.
Diálogo e reivindicações, terror e pânico generalizados contra a vida, a integridade física, a saúde e a liberdade apartam movimentos sociais legítimos do terrorismo, conforme definições consolidadas em projeto apresentado pela Comissão Mista do Congresso de Regulamentação da Constituição no final do ano passado. O vandalismo não é uma coisa nem outra porque raramente está associado a um objetivo.  
Os assassinos de Santiago Andrade são vândalos. E não são terroristas os passageiros que em catarse, humilhados diariamente por atrasos e superlotação no transporte público das grandes cidades, destroem trens e estações.
A retórica política populista não consegue esconder a ineficiência do Estado na prestação de serviços, a corrupção, a incompetência e o despreparo.  A exclusão social ainda marcante e a baixa densidade da política na formação da cidadania brasileira abrem espaços para aventuras e variados níveis de impunidade que estão se expressando nas ruas sob diversas justificativas. Nenhuma delas, a meu ver, consistente com as tarefas e necessidades de fortalecimento das instituições que devem suportar nossa democracia.
O costume à violência e a convivência com a impunidade são ameaças reais que abrem espaços à prática da “justiça pelas próprias mãos”; ao desprezo pelo patrimônio público ou particular, à frequência dos enfrentamentos armados nas ruas; à descaracterização do poder constitucional do Estado para manter a lei, a ordem e garantir aos cidadãos o direito de ir e vir; e ao banimento definitivo do diálogo e da argumentação como forma democrática de promover transformações políticas e sociais.
Com violência não temos mais conversa!

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