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De perto não é o que parece



Manoel Carlos Ortolan

Travestida de prosperidade, a realidade do setor sucroalcooleiro brasileiro é mais dramática do que aparenta. Para os grandes grupos industriais e investidores, que têm capital para esperar o vento mudar de direção, a situação é mais tranqüila. No entanto, para os de menor porte e, principalmente, para os fornecedores de cana, que não têm fôlego financeiro para agüentar períodos mais longos de crise, a água começa a bater no nariz. Já havíamos, em oportunidades anteriores, abordado essa questão, mas o problema tem se agravado muito rapidamente e cabe a nós, enquanto dirigentes de associação, manifestar a nossa preocupação com os rumos que se delineiam para o setor e para o produtor de matéria-prima.

Amargamos uma crise de preços. As cotações do açúcar estão em baixa porque há mais oferta do que demanda. O etanol também está remunerando menos porque estamos em plena safra. Além disso, a produção está em franco crescimento já que há mais usinas em operação. Nas três safras anteriores à atual, entraram em atividade 52 indústrias. Para esta, a 2008/09, a estimativa é que comecem a moer outras 32. Assim, se na safra 2005/06, a região Centro-Sul produziu 14,3 bilhões de litros, nesta, a estimativa chega a 24,3 bilhões de litros. Os veículos flexíveis aqueceram sobremaneira o mercado doméstico, mas o externo continua fechado. E pelas leis do mercado, se a oferta aumenta, o preço diminui.

E como as cotações dos produtos acabam definindo a da cana, a remuneração do fornecedor independente está em queda livre e com um agravante: os custos de produção sofreram forte alta neste último ano. Assim, para produzir uma tonelada de cana, o fornecedor investiu R$ 49,00 e recebe por ela R$ 35,00, tendo ainda de descontar do pagamento o custo da colheita, feita pela usina, via de regra que representa entre R$ 18,00 a R$ 20,00 por tonelada. Além disso durante os meses da safra recebe 80% do valor, ficando 20% para parcelar entre janeiro e abril, esse é o motivo da nossa preocupação: a conta não fecha pela segunda safra consecutiva e, pelo visto, o próximo ciclo também será de preços nada animadores.

O resultado dessa matemática é o endividamento crescente dos produtores, especialmente dos pequenos e médios, cujo perfil é bem definido: grande parte está na atividade há gerações, a propriedade rural é, muitas vezes, seu único patrimônio e fonte de renda. E, além desses reflexos “dentro da porteira”, há também os da “porteira para fora”, já que o fornecedor de cana irriga a economia local e estimula a distribuição de renda. Em situações de crise, muitos setores sentem os reflexos e numa região como a de Sertãozinho, notadamente marcada pelo setor sucroalcooleiro, esses impactos são bem mais marcantes.

O certo é que a médio e longo prazo as perspectivas são as melhores para o agronegócio da cana por motivos exaustivamente abordados. No entanto, essa crise de preços poderá desanimar o produtor e tirá-lo do caminho. Nas duas últimas safras, o fornecedor praticamente pagou para produzir e por mais que ele aposte no futuro e acredite na atividade, chega uma hora em que ele não tem mais como continuar trabalhando. Fazemos esse alerta porque, visto à distância, o setor sucroalcooleiro brasileiro é um dos mais promissores. No entanto, num olhar mais atento, avistamos uma crise silenciosa e perigosa.

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