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Entender Darwin ou perseguir miragens


Gilberto R. Cunha
Ou entendem Darwin e as implicações da seleção natural na evolução das espécies ou os biólogos moleculares, especialmente no que tange à inovação tecnológica em agricultura, continuarão a gastar recursos perseguindo miragens. Essa é a opinião do professor R. Ford Denison, da Universidade de Minnesota/EUA, em exaustiva análise sobre a complexidade das trocas, as limitações e as possíveis oportunidades de exploração, via avanços tecnológicos nos sistemas cultivados, em que, perceptivelmente ou não, se sobressai uma “agricultura darwiniana”.
Uma questão científica relevante em agricultura é como aperfeiçoar a exploração dos recursos do ambiente. Mais especificamente, como manejar a competição de plantas, tanto individual quanto coletivamente. No caso dos cultivos destinados à produção de grãos, quem sabe se mostre mais interessante, por exemplo, a produção total de grãos por unidade de área que por cultura isolada. Em termos sistêmicos, pode-se buscar, via adequação de ciclos, mais cultivos por ano, embora se saiba que cultivos de menor ciclo, em geral, são menos produtivos. Esse é um dos tantos tipos de troca que, em nome do todo, pode ser mais vantajoso abrir mão de parte do potencial de rendimento num programa de melhoramento genético vegetal.
É importante o entendimento dos fatores que limitam o rendimento dos cultivos para que sejam feitas intervenções com base científica, mais que tentativas e erros. No caso da soja, por exemplo, sabe-se que, mesmo havendo a fixação biológica de nitrogênio atmosférico, o rendimento dessa oleaginosa é limitado pela disponibilidade desse nutriente (especificamente no caso de rendimentos elevados). Uma estratégia para elevação do potencial de rendimento da soja poderia ser baixar o teor de proteína dos grãos. Uma questão de escolha, em que, tomando-se o caminho inverso da evolução, que, via seleção natural, favoreceu a competição individual, priorizando rendimento de sementes e conteúdo de proteína, busca-se favorecer a comunidade.
Mesmo que muitas intervenções e prioridades dos programas de melhoramento genético de plantas cultivadas sejam marcadas pelo caráter de efemeridade, não deixam de ser relevantes. É o caso típico da resistência a insetos-pragas e organismos causadores de doenças (fungos, nematóides, bactérias e vírus, por exemplo), cuja seleção natural desses organismos e o surgimento de novas raças, numa espécie de luta darwiniana, exige ganhos acelerados de rendimento para compensar a evolução de pragas e patógenos.
A elevação do potencial de rendimento dos cultivos agrícolas requer mudanças em processos fisiológicos básicos. A questão de resistência a herbicidas e a insetos-pragas, os grandes marcos de inovação tecnológica em agricultura, obtidos via técnicas de transformação genética, mesmo sendo impossível ignorar os seus méritos em possibilitar ganhos de rendimento e/ou redução de custos nas lavouras, podem ser vantajosos apenas temporariamente, até que as plantas daninhas (tome-se como exemplo a buva) e os insetos, darwinianamente, evoluam em resistência.
O professor Denison considera uma fantasia dos biólogos moleculares, por exemplo, a proposta de melhoria de eficiência da enzima rubisco pela redução da fotorrespiração; caso típico das chamadas plantas C3, cujo exemplo bem conhecido é a soja. Os defensores dessa ideia valem-se da maior especificidade da rubisco por CO2 (relativo ao O2) em algas, comparativamente às plantas terrestres. Segundo ele, via seleção natural, no caso das espécies terrestres, houve compensação entre especificidade da rubisco por CO2 e a taxa de reação. Portanto, não sendo esperável qualquer ganho em produtividade (pelo menos significativos) a partir dessa estratégia de transformação genética.
O argumento da perenização dos cultivos anuais como caminho para a elevação de rendimento também tem que ser visto com reservas. Mais que o total de biomassa, no caso de espécies destinadas à produção de grãos, interessa a partição dos assimilados. Evolutivamente, as espécies perenes alocaram menos recursos para as estruturas reprodutivas que as anuais. Isso significa que há espaço para melhoria nesse quesito nas espécies perenes, mas não se pode criar expectativas exageradas com a perenização de espécies anuais como o trigo e outros cereais, por exemplo.
Entender Darwin, pelo que parece, é requisito para a entrada das ciências agrárias, sem expectativas fantasiosas, na era da engenharia genética e da biologia sintética. É inconcebível que, por um lado, não ignoramos a importância da química e da microbiologia em aplicações relacionadas com a ciência do solo, enquanto, por outro lado, deixamos de considerar a teoria da evolução, Darwin por suposto, em melhoramento genético de plantas.

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