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Paraíso rural


Marcos Marques de Oliveira
"Moldar as características de uma personagem pelo jeito de falar é uma bobagem, pois temos uma língua só com várias melodias: no Sul, no Nordeste, em São Paulo capital e no interior. Enfatizar só o modo de falar é cair no ridículo. A vida no campo é mais que um sotaque diferente”. Há cerca de um ano atrás, com essas palavras, o escritor Benedito Ruy Barbosa dava seu parecer sobre a apropriação do universo rural pela televisão brasileira, numa edição especial da Revista Marco Social, que publicamos pelo Instituto Souza Cruz, dedicado ao tema “Comunicação e Cultura no Campo” (Vol. 10).
Nosso objetivo editorial era traçar um panorama reflexivo sobre as formas de construção de identidade no campo, observando como a população rural é vista, ao mesmo tempo, por si mesma e por outros sujeitos sociais.
Com isso, pensamos contribuir tanto para tornar visível o que vem do campo quanto lançar um olhar crítico e construtivo sobre o que é feito para o campo.
A expectativa que demarcou esse trabalho foi a de que, ao realizá-lo, poderíamos encontrar pontes articuladoras capazes de promover uma imagem mais condizente com a diversidade viva (contraditória, complementar e complexa) do universo rural brasileiro – especialmente o mundo múltiplo e multifuncional da nossa agricultura familiar.
Numa das matérias da revista, “O campo além do sotaque”, Benedito Ruy Barbosa – autor de algumas das mais importantes novelas sobre o mundo rural brasileiro, tal como “Pantanal”, “O rei do gado” e “Paraíso” (que volta às telas da Rede Globo em remake para alavancar a combalida audiência das 18h) – lamentava o fato do campo ser apresentado, ainda majoritariamente, na ficção televisiva como o lugar do atraso, com personagens caricatos a partir de narrativas excessivamente romantizadas. “A maioria das histórias que se vê por aí na ficção tem muita bobagem. Temos de levar em conta que é o campo que ainda garante o equilíbrio da economia do Brasil. Ou seja, é uma área importante e que merece ser tratada com seriedade e respeito”, alertava Benedito.
Por ter vivido e ainda viver no campo, o também autor de “Cabocla” e “Renascer” afirmava ter facilidade de escrever sobre essa realidade ainda não tão bem trabalhada pela teledramaturgia. Essa empatia com o respectivo universo lhe fez mestre no tratamento de temas ambientais, de conflito pela terra e, entre outros, do coronelismo político que se re-atualiza de acordo com as nossas conjunturas históricas.
Em entrevista recente à Revista da TV, publicada em 15 de março de 2009 no jornal O Globo, justificava o fascínio da população brasileira pelo meio rural devido ao fato de muitos de nós “trazerem na sola do pé a poeira da estrada”. Creio que não é só isso.
Há muito o nosso modo de vida urbano-industrial já mostrou seus limites de saturação. Quem sobrevive nas “necrópoles”, como diria o saudoso geógrafo Milton Santos, sabe que a degradação está bem perto, senão dentro de nós.
Violência, miséria e poluição obtusas capazes de atravessar qualquer blindagem de bem-estar social privatizada que não deixa ninguém a salvo. Assim, mais que a nostalgia de paradisíacos tempos idos, sinto que é o desejo de uma sociedade mais justa (socialmente) e equilibrada (ambientalmente) que nos move a olhar o campo de outra forma. Com mais afeto e sensibilidade, buscando nos liames entre o rural e o urbano o espelho futuro de uma “nova cidade”.
Que a recente versão de “Paraíso” estimule uma multidão de debates sobre o tema aqui na “Terra” da sociedade civil, como no “Céu” das nossas elites políticas e empresariais. Que inspire, portanto, a procura por novos projetos de cidades feitas de gente produtiva, saudável, solidária e alegre, para além dos dejetos de concreto, ferro e lixo que estamos tão acostumados a ver e (quase) nem ligar. Eis, por fim, o nosso desejo.

 

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