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Resíduos da produção avícola utilizados como fonte de energia


Karina Ferreira Duarte
Introdução
Com um aumento crescente da produção avícola, o nível dos impactos negativos no meio ambiente é ampliado com o aumento do volume de dejetos eliminados nas granjas (esterco) e por ocasião do abate e industrialização (efluentes líquidos, vísceras, penas, sangue e gorduras). Isso tem repercussões na qualidade de vida da população e, portanto, requer atenção e tratamento adequados e a biodigestão ou digestão anaeróbia se mostra como uma boa alternativa para o tratamento desses resíduos. Tal manipulação faz com que bactérias anaeróbias, através de fermentação ocorrida em biodigestores, degradem a matéria orgânica, tendo como subprodutos o biogás (gás inflamável) e o biofertilizante (líquido organo-mineralestabilizado).
Torna-se imprescindível destacar que a poluição ambiental provocada pelas excretas das aves, possui níveis consideráveis de nitrogênio, fósforo, cobre e zinco, elementos que têm contribuído para o aumento da poluição ambiental, principalmente relacionado a mananciais de água e lençóis freáticos. O foco principal de preocupação está nos locais onde solos que já se encontram saturados, bem como naquelas localidades em que os lençóis freáticos são superficiais.
Ainda há muito o que ser feito, mas o desenvolvimento do conhecimento sobre a digestão anaeróbia é um dos mais promissores no campo da biotecnologia, uma vez que é fundamental para promover, com grande eficiência, a degradação dos resíduos orgânicos que são gerados em grandes quantidades nas modernas atividades rurais e industriais. À medida que os sistemas de produção animal se intensificam e se modernizam, também se intensificam as necessidades energéticas e de tratamento dos resíduos.
O que é a biodigestão anaeróbia?
De acordo com a legislação vigente, o lançamento dos resíduos em cursos d’água somente pode ser feito após o tratamento dos mesmos, o que consiste na compatibilização da composição final ou remoção dos poluentes, de forma que tal procedimento não resulte em problemas ambientais tão acentuados.
A biodigestão anaeróbia representa importante papel, pois além de permitir a redução significativa do potencial poluidor, trata-se de um processo no qual não há geração de calor e a volatilização dos gases, considerando-se pH próximo da neutralidade, é mínima, além de se considerar a recuperação da energia na forma de biogás e a reciclagem do efluente. O biogás tem sido utilizado com freqüência, principalmente na Europa, em substituição ao gás natural que tem se tornado de difícil obtenção.
Dentro dos biodigestores anaeróbios, bactérias fermentam a matéria orgânica sob condições estritamente anaeróbias, isto é, sem a presença de oxigênio, e produzem o gás que é utilizado como fonte de energia, que além de substituir os combustíveis fósseis, diminui o impacto ambiental gerado pela utilização dos mesmos e reduz a emissão de metano e dióxido de carbono no ambiente.
Na prática o sistema de biodigestão aneróbia passa por diversas reações sequênciais e é dividida em quatro estágios:
• Hidrólise: a matéria orgânica é transformada em açucares, aminoácidos e peptídeos por enzimas excretadas por bactérias fermentativas;
• Acidogênese: bactérias fermentativas absorvem os compostos dissolvidos e gerados na hidrólise, excretando substâncias orgânicas simples. Essas bactérias são importantes na remoção de oxigênio dissolvido no material fermentado;
• Acetogênese: os produtos da acidogênese são convertidos em substratos para a produção de dióxido de carbono, hidrogênio e acetato ocorrendo também à formação do ácido acético e propiônico, gerando grande quantidade de hidrogênio, e diminuindo o valor do pH do meio;
• Metanogênese: ocorre a formação de metano a partir da redução de acido acético e hidrogênio pelas bactérias Archea metanogênicas.
Além desses processos, pode ocorrer a redução de oxidantes como sulfato, levando a produção de gás sulfídrico, que é corrosivo e possui odor desagradável, além de ser tóxico a metanogênese.
A biodigestão anaeróbia transforma, pela ação dos microrganismos, a matéria orgânica em aproximadamente 78% de biogás, 20% de material orgânico que continua em dissolução, e entre 1 a 2% de novos microrganismos. Para que esses processos ocorram alguns cuidados devem ser tomados com a biodigestão:
- O pH deve ser mantido próximo a 7,0;
- A temperatura entre 20 e 40º C;
- As concentrações de sólidos variando de 0,05% a 20%, para não afetar o TRH (tempo de retenção hidráulica), ou seja, tempo que a carga demora a ser degradada;
- A ação dos microrganismos sobre o substrato pode ser dificultada se o resíduo for composto de partículas de grandes dimensões, torna-se necessário um pré-tratamento como a moagem;
- Para que o carbono presente na matéria orgânica possa ser transformado em metano é necessário que haja nutrientes, como nitrogênio e fósforo, em quantidades apropriadas, cuja relação vai depender da eficiência dos microrganismos em obterem energia para síntese.
Além do biogás, o processo de biodigestão anaeróbia produz o biofertilizante, matéria orgânica do resíduo, que quando aplicada ao solo aumenta sua capacidade de retenção de umidade, aumenta a aeração, e contribui para introdução de bactérias, protozoárias e alguns minerais necessários para as plantas.
Tipos de biodigestores
Os biodigestores utilizados no meio rural podem ser classificados em:
- Biodigestores Contínuos: precisam ser abastecidos com substratos diariamente e são geralmente utilizados em sistemas de produção automatizados de ovos. Eles possuem uma caixa de entrada para ser abastecido diariamente e uma caixa de saída, para a retirada do biofertilizante;
- Biodigestores Batelada: são abastecidos uma única vez com resíduos e são geralmente utilizados para cama de frango e sistemas de produção de ovos convencionais, onde os resíduos avícolas são retirados periodicamente e de uma só vez. O biofertilizante nesse caso é retirado após o pico de produção de gás.
A utilização do processo de biodigestão anaeróbia através de biodigestor contínuo e batelada, são opções ao criador para diminuir em muito o impacto poluente do resíduo de aves, podendo ele optar por um dos processos, dependendo das características de seu sistema de criação.
Composição e utilização do biogás
A conversão biológica do resíduo em biogás vai depender do tipo de ração fornecida aos animais, da estação do ano, da densidade de alojamento das aves, do tipo de substrato de cama, do nível de reutilização da cama e das características das excretas, tendo influência direta na composição do biogás.
O biogás, na forma como é produzido nos biodigestores, é constituído basicamente, para resíduos orgânicos, de 60 a 70% de metano (CH4), 30 a 40% de dióxido de carbono (CO2), baixa quantidade de gás amônia (NH3), sulfeto de hidrogênio (H2S) e nitrogênio (N2). Na biodigestão de gorduras o gás pode conter 75% de metano. A composição do biogás irá depender do resíduo que alimenta o biodigestor e também das condições que o mesmo é operado, fatores como a temperatura, pH e pressão, no interior do biodigestor, podem alterar a composição do gás levemente. O biogás pode ser armazenado nos próprios gasômetros dos biodigestores.
O biogás pode ser utilizado em fogões, lampiões, campânulas para aquecimento de leitões e pintos, para produção de vapor, para a produção de energia elétrica, na indústria química, em conjuntos moto-bomba, em conjuntos geradores, entre outros. Em motores estacionários pode-se utilizar diretamente o biogás produzido nos biodigestores, porém em motores de unidades móveis é aconselhável utilizar o metano obtido da purificação do biogás, isto por questões de armazenamento do combustível junto a estas unidades e pelo fato de que, com a retirada dos outros gases, sobra mais espaço no reservatório de combustível, além de se retirar os gases prejudiciais ao motor como o ácido sulfídrico que é corrosivo.
Vantagens da biodigestão anaeróbia
- Produz um gás combustível que pode ser utilizado para fins domésticos, rurais ou industriais;
- Dispensa o uso de equipamentos sofisticados, uma vez que o processo se realiza à pressão atmosférica e temperatura ambiente nos climas tropicais;
- Reduz a carga poluidora da matéria orgânica através da diminuição da demanda bioquímica de oxigênio;
- Dispensa insumos energéticos;
- Reduz as emissões de gases estufa como o CH4 e o CO2;
- Promove a conservação de áreas destinadas a aterro de resíduos;
Desvantagens da biodigestão
- O biogás contém cerca de 40% de dióxido de carbono, que não é combustível, além de traços de sulfeto de hidrogênio, o qual é corrosivo;
- O biogás necessita de sistemas de estocagem com maiores volumes devido a sua baixa densidade comparada com a dos líquidos, a redução desses volumes requer o uso adicional de compressores.
Biodigestão para cama de frango
A cama de aviário está sendo produzida em grande quantidade, devido ao crescente aumento da avicultura de corte nos últimos anos. Este crescimento da produção tem como uma de suas bases a alta tecnificação dos galpões, o que significa maior dependência energética e econômica destes sistemas. A biodigestão ou digestão anaeróbia se mostra como uma boa alternativa para o tratamento da cama.
O biogás produzido a partir da biodigestão da cama de frango, pode ser utilizado para o aquecimento dos pintinhos, através de equipamentos onde ocorrerá a queima do biogás e conseqüente produção de calor, fundamental para sobrevivência nas duas primeiras semanas de vida destes animais. Pode também substituir a energia elétrica, como por exemplo, na iluminação (lampiões), no aquecimento da água (para esterilização de equipamentos, lavagem das instalações, chuveiros, etc.), em fogões, na moagem de grãos, etc.
O uso de cama é um método tão antigo quanto a própria avicultura industrial e, por definição, cama de aviário é um material de origem vegetal utilizado para forrar o seu piso, com uma espessura variando de 5 a 10 cm, o qual receberá restos de ração, excretas, insetos, penas e descamações da pele. A composição, a quantidade e características da cama de frango variam de acordo com o material, densidade, duração do ciclo, número de lotes criados, tempo de armazenagem, além de técnicas de manejo das aves, fatores ambientais e fisiológicos.
Estas variações irão conferir diferentes concentrações de minerais nas camas o que tem influência no processo de biodigestão anaeróbia e na qualidade do biogás e do biofertilizante. Desta forma, o ideal seria uma análise físico-química da cama para avaliar o potencial de produção de biogás. Como esta análise envolve: a realização de uma amostragem que represente o resíduo a ser digerido, técnica que não é dominada pelos produtores e alguns técnicos e; a proximidade a um laboratório que realize a análise, a fim de viabilizar os custos de transporte. Pode-se utilizar de tabelas com concentrações médias de minerais, disponíveis na literatura.
O biodigestor ideal para a cama de frango
Para um desenvolvimento econômico atrativo a partir da digestão da biomassa de resíduos animais, é necessário que haja uma compatibilidade das propriedades físicas e químicas do resíduo com o projeto de biodigestor considerado. A escolha do adequado biodigestor, para um particular resíduo, é a chave para um desenvolvimento e processo apropriados. Assim, se faz importante entender os princípios de operação da maioria dos biodigestores para ajudar na seleção e planejamento de um modelo de tratamento a partir da biodigestão anaeróbia. A importância de se ter este conhecimento está relacionado a elevada produção de metano e as taxas de produção de biogás, que são dependentes da relativa contribuição do resíduo e custo do biodigestor para o custo final do biogás.
Para estabelecer-se relações entre os principais tipos de biodigestores e suas características microbiológicas, se torna fundamental o conhecimento de três parâmetros básicos que influem no modo de operação destes e em suas eficiências na produção de biogás.
Estes parâmetros são:
- Tempo de Retenção de Microorganismos (TRM);
- Tempo de Retenção Hidráulica (TRH);
- Tempo de Retenção de Sólidos (TRS).
O TRH é entendido como o intervalo de tempo necessário para que ocorra o processo de biodigestão de maneira completa. Os TRM e TRS são os tempos de permanência dos microorganismos e dos sólidos no interior dos biodigestores, esses tempos são expressos em dias. De forma resumida pode-se dizer que altas produções de metano são conseguidas, satisfatoriamente, com longos TRM e TRS.
Sendo a cama de frango um resíduo produzido em intervalos de tempo, ou seja, a disponibilidade não é contínua devido ao modo de produção e considerando suas características físicas e químicas como alto teor de sólidos, baixa umidade e tamanho das partículas, o tipo de biodigestor ideal, pelas suas características de desenho e performance, para uma perfeita digestão anaeróbia da biomassa é o biodigestor batelada, podendo este ser manejado em forma de bateria ou sequencialmente. A desvantagem do manejo em forma de bateria, está relacionada a velocidade de fermentação da cama, que é lenta, dificultando o aproveitamento do biogás. No manejo sequencial, deve-se utilizar inóculos para que este seja viabilizado.
Pode ser necessário que a cama tenha que sofrer um pré-tratamento antes de ser adicionada ao biodigestor, o mais indicado seria uma moagem pois as partículas de maravalha são muito grandes e isso pode diminuir a eficiência das atividades dos microorganismos. Observando-se o teor de umidade da cama se faz necessário a adição de água nesta para uma diminuição do teor de sólidos e diluição do conteúdo. Sendo estes muito altos, demandará um longo TRH dificultando uma perfeita consorciação produção de biogás/avicultura. Para reduzir o TRH, que pode ser de semanas ou meses, pode-se utilizar de sistemas de agitação, aquecimento e, principalmente, adição de inóculo.
Quanto ao inóculo, este tem a função de acelerar o processo, principalmente em decorrência dos altos teores de celulose e lignina que são materiais difíceis de serem digeridos e estão presentes na cama. Este inóculo poderá ser um esterco já biofertilizado de bovinos, aves, suínos, etc, que contém uma grande flora microbiana de bactérias acidogênicas e metanogênicas fundamentais na digestão.
A localização dos biodigestores deve ser feita de maneira a facilitar a distribuição do biogás pelos galpões, diminuindo os custos com transporte e armazenamento do gás.
Biodigestão para avicultura de postura
A avicultura de postura vem crescendo devido à intensificação do setor agropecuário e as instalações convencionais vêm sendo substituídas gradativamente por tecnologias automatizadas, trazendo vantagens para o setor de produção de ovos como o ganho de homogeneidade dos lotes, melhores regularidades nas distribuições das dietas, padronização das classificações dos ovos, aumento do aproveitamento de ovos pela diminuição da quebra e da sujeira, entre outras.
Maiores produções de ovos por área têm sido possíveis pela maior capacidade de alojamento de aves, resultando em propriedades de maior porte. Assim a produção de dejetos tem aumentado e seu manejo exige uma freqüência diária, diferente dos sistemas convencionais onde os dejetos ficam armazenados sob as gaiolas.
O sistema automatizado, conhecido como sistema de baterias verticais, vem hoje substituindo os sistemas convencionais de produções de ovos, onde o distanciamento entre os andares das gaiolas e do solo, presentes no sistema convencional, é substituído por esteiras coletoras de dejetos automatizadas, possibilitando uma estruturação vertical de colunas de gaiolas em maior número por galpão.
Em sistemas convencionais os dejetos permanecem por longo período sob as gaiolas até que sejam retiradas manualmente ou por maquinários específicos, obtendo dejetos mais secos, em menores quantidades, do que os frescos e, em alguns casos, em fase de decomposição avançada e enquanto em sistemas automatizados os dejetos são úmidos e preservam suas características naturais. A produção com base na matéria natural em relação à produção de dejetos diários é maior em sistemas automatizados do que sistemas convencionais.
Muitas são as formas indicadas pra o tratamento e reciclagem desses dejetos, sendo a biodigestão anaeróbia uma alternativa para o tratamento de dejetos de poedeiras criados em diferentes sistemas de produções de ovos, sem levantar demasiadamente o custo.
Dejetos acumulados sob gaiolas diferem suas características dos dejetos provenientes de sistemas automatizados. Existindo assim a possibilidade de haver diferenças quanto ao potencial energético dos dejetos conforme o sistema de produção em que são criadas as aves. Dentro dessa questão é fundamental que se desenvolvam pesquisas que atendam todas as necessidades de tratamento e reciclagem desses dejetos com custos acessíveis.
Segundo a forma como predomina a criação das galinhas e codornas de postura, sugere-se que os biodigestores que venham a se integrar ao sistema de produção, permitam a operação com cargas diárias, associando-se com a necessidade de maiores rendimentos e menores custos, tecnologias que permitam maiores velocidades na degradação do material orgânico como, aquecimento e agitação do substrato em fermentação.
A biodigestão anaeróbia de dejetos de aves é uma ferramenta importante para reciclagem de resíduos, pois proporciona uma redução nos sólidos totais diminuindo a quantidade de poluentes e microorganismos no solo e na água, produzindo biogás e biofertilizante que pode ser utilizado na propriedade rural. Para isso é necessário é saber o tipo de sistema de criação de aves de postura e as características dos dejetos para utilizar o melhor sistema de biodigestão.
Considerações finais
A biodigestão anaeróbia de resíduo de cama de frangos de corte e dejetos de aves de postura é uma ferramenta importante para a reciclagem de seus resíduos, agregando valor à produção de frangos e ovos, tendo em vista a geração de biogás e biofertilizante, pois esses podem ser utilizados no próprio ciclo de produção podendo proporcionar um sistema sustentável de aproveitamento de resíduos, resultando em lucro certo para os avicultores.
 
Literatura consultada:

Palhares, J. C. P. Uso de biodigestores para o tratamento da cama de frango: conceitos importantes para a produção de biogás. http://ag20.cnptia.embrapa.br/Repositorio/quali1_000gafw0pal02wx5ok047vs6lgf6sqbt.pdf

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