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Semente genética – uma análise da legislação


Aroldo Gallon Linhares
A legislação brasileira pertinente à produção de semente genética permite interpretações e ações que provocam questionamentos.

Assim, embora nada conste sobre limite o de peso de lote e sobre a quantidade total de semente genética a ser produzida para determinado genótipo em uma safra, à boca pequena comentam-se exageros que foram ou estariam sendo praticados. Por sua vez, o documento (Atestado de Origem Genética) que habilita a semente para comercialização deve ser assinado pelo melhorista, figura, na legislação de sementes, sem outras obrigações do que a responsabilidade sobre a manutenção das características de identidade e pureza genética de uma cultivar.


A intenção aqui é contribuir para um melhor equacionamento dessas questões.

A Lei no. 10.711, de 5/8/2003, em seu art. 2º, item XXXIX, definiu semente genética como o material de reprodução obtido a partir de processo de melhoramento de plantas, colocando-a sob a “responsabilidade e controle direto do seu obtentor ou introdutor”.

Não se encontra, na legislação, nada que limite a interpretação do que possa ser considerado como controle direto. Assim, entende-se que um simples contrato de multiplicação poderá ser interpretado pela parte interessada como satisfatório ao atendimento dessa exigência.

Refere, ainda, a legislação, que a semente genética não está sujeita às normas e aos procedimentos aplicados ao produtor de sementes de outras categorias, mas exige que o seu “obtentor ou introdutor” apresente ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) os dados e as informações referentes à sua produção, em “formulário próprio”.

Tais informações estão explicitadas no item 6.10 da Instrução Normativa (IN) no 9, de 2/6/2005, cuja interpretação pode gerar dúvida. Assim, embora ao início conste não ser necessária a inscrição do campo de produção, o mesmo item estabelece, mais adiante, observar, quanto aos prazos, o disposto no subitem 6.5 da referida IN no 9. Ora, esse item trata exatamente de prazos para solicitação de inscrição de campos. Desse modo, como entre os dados solicitados está a estimativa de produção (e não quanto efetivamente foi produzido), entende-se que as informações deveriam ser apresentadas ao MAPA com a antecedência prevista e não após colheita. Tal procedimento permitiria ao MAPA analisar a proposta de forma a poder verificar possíveis exageros e não ter de aceitar passivamente o que lhe for apresentado a posteriori. Entende-se que esse procedimento deva ser aplicado apenas à renovação de semente genética de cultivares comerciais e à semente de linhagens que estejam em ensaios de avaliação de VCU ou que esteja na fase final de produção nessa categoria. Para tanto, será necessário desfazer o conflito que se observa no item 6.10 da IN no 9.

Consta ainda, no mesmo item 6.10, que os dados e informações sejam apresentados pelo “mantenedor” (!), definido, na Lei 10.711, como o responsável por tornar disponível um estoque mínimo de material de propagação de uma cultivar inscrita no RNC.

Quanto ao “formulário próprio”, referido no parágrafo 1º do Artigo 58 do Anexo do Decreto n. 5.153, a legislação não apresenta modelo a ser seguido. Caso seja considerado necessário, esse formulário deveria ser oficializado para fins de padronização das informações. Observa-se, ainda, no citado parágrafo, que a legislação criou vínculo, nesse caso, da semente genética com o “obtentor, ou introdutor”, e não com o melhorista, o que se considera mais adequado.

Por sua vez, o Atestado de Origem Genética (ANEXO XLII), exigido para a comercialização, pede a identificação e a assinatura do “melhorista”, o qual deve atestar que as sementes foram produzidas sob sua responsabilidade.

Assim, verifica-se, num caso, que a responsabilidade cabe ao “mantenedor”, em outro, ao “obtentor/introdutor”, e, em outro mais, ao “melhorista”, o que não parece ser coerente. A responsabilidade sobre a prestação de informações e da produção de semente genética deveria ficar mais bem definida na legislação.

Reconhece-se o papel do melhorista na criação da cultivar e sua responsabilidade quanto aos atributos de distinguibilidade, homogeneidade e estabilidade, mas, na prática, nem sempre é ele o responsável pela produção da semente, especialmente em gerações subsequentes à primeira.

Numa grande empresa, dificilmente um melhorista experiente irá comprometer seu tempo em acompanhar a produção de semente genética, especialmente existindo vários genótipos (novos e anteriores) nessa fase do processo de produção. No geral, o responsável pela produção da semente é outro técnico, que não o melhorista, popularmente conhecido como “sementeiro”. Considere-se ainda que o melhorista idealizador do cruzamento possa não ser o mesmo do trabalho das seleções intermediárias ou final e que melhoristas mudam de emprego, aposentam-se etc.


Nesse caso, ficaria mais adequado, no Anexo XLII, exigir-se o comprometimento de um RESPONSÁVEL TÉCNICO (Eng. Agrônomo ou Florestal) pela produção da semente, podendo até mesmo tratar-se, embora não obrigatoriamente, do melhorista. A produção final de semente genética é um processo mais amplo, extrapolando a arte de apenas considerar a manutenção da identidade e da pureza. Mais ainda porque o Anexo XLII, na identificação do PRODUTOR, além de outros dados, exige a respectiva inscrição no RENASEM.

Ora, a inscrição, como produtor de sementes, requer a assistência de um responsável técnico. Assim, no atestado de origem genética deveria constar a assinatura do Obtentor/Introdutor e/ou do Responsável Técnico e não a do Melhorista. Legalmente, os dois primeiros têm atribuições e responsabilidades definidas, condição que não ocorre com a figura do “melhorista”.

No Anexo XLII, verifica-se que ficou livre a figura do “Produtor”. Assim, entende-se que este possa ser tanto um obtentor produtor da semente quanto um produtor de sementes. Nessa situação, o formulário deveria solicitar, em lugar de dados do melhorista, os dados do obtentor, os quais seriam úteis caso este não seja um produtor de sementes.

Como a legislação de sementes não entrou em detalhes sobre atribuições e responsabilidades do melhorista, essa figura deveria ficar restrita à legislação sobre proteção de cultivares.

Outra questão, em aberto na legislação, refere-se à quantidade de semente para um lote da categoria genética. Como não há limite estabelecido e as premissas básicas não são cobradas por difusas ou por aplicação de fiscalização questionável legalmente, qualquer número está valendo.

É certo que, em vista das características do trabalho de melhoramento, quanto menos regras e formulários sobre a semente genética melhor. No entanto, casos que possam comprometer o trabalho de Responsáveis Técnicos, da Certificação ou de produtores incautos precisam ser controlados.

Em razão do limite estabelecido para o número de gerações, a produção de duas a três vezes a quantidade estabelecida para o lote de sementes, no caso de culturas como trigo e soja, considera-se possível de “controle direto” pelo obtentor. Por sua vez, o tamanho de cada lote de semente genética não deveria ser superior ao do estabelecido para a respectiva espécie.

Além de que, para dirimir dúvida, o que deve entender-se como “controle direto” do obtentor deveria ser claramente explicitado na legislação.

Embora raros, considera-se que tenha havido algum caso de abuso na liberdade estabelecida para a produção de semente genética, não salutar a um programa sério de certificação. Certamente, alguma regra mínima terá de ser estabelecida para coibir tais situações.

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