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Um apelo às verdadeiras lideranças


Murilo Xavier Flores

Escrevo não apenas como um ex-pesquisador, desde 1981, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária -  Embrapa, mas e principalmente como um ex-Presidente por cinco anos. Antes, assumi as funções intermediárias nas áreas técnicas e administrativas numa unidade de pesquisa, das operações administrativas à chefia geral. Fui, então, alçado à Presidência da Embrapa (1990 a 1995).

Com quase quarenta anos de convivência com a Embrapa, afirmo que ela vive uma crise, que não é recente, mas intensificada nos últimos vinte anos.  Além da experiência na EMBRAPA, atuei como Presidente da Empresa de Pesquisa Agropecuária - EPAGRI, da Fundação do Meio Ambiente - FATMA e Secretário de Estado do Planejamento de Santa Catarina, durante uma dezena de anos. Mas sempre acompanhando a EMBRAPA, mesmo com alguma distância.  Ao retornar ao seu ambiente, especificamente à sede em Brasília em 2019, ouvi de colegas e antes disso, de agentes públicos e privados, comentários sobre o momento vivido pela organização. Naquele ano vivenciei e abstraí a gravidade em curso na EMBRAPA. Percebi de imediato a ausência de lideranças – no passado elas existiam em suas diversas visões e a Empresa cultivava saudável interlocução entre essas vozes. Em uma crise profunda como a atual, os líderes são fundamentais para apontar caminhos e, sobretudo, em conduzir soluções. Procurei esses líderes e não os encontrei.

Chamo a atenção para dois pontos como preliminares soluções para enfrentar a atual crise numa organização complexa e sofisticada como a Embrapa. O primeiro, é entender a “psicologia interna”, o sentir das pessoas que construíram e constroem essa grande empresa. Como pensam e agem os seus empregados. Isso é fundamental para liderar as pessoas na perspectiva de um novo caminho. O segundo, é compreender as demandas postas em pauta pela sociedade, algumas além do mundo da agropecuária, como os consumidores, os ambientalistas, os políticos e as relações internacionais. São aspectos fundamentais para uma organização que produz conhecimento e gera tecnologias para a diversidade das agriculturas brasileiras e para manter à sua reputação nacional e internacional. A liderança tem que estar preparada para esses desafios.

Ainda no ano de 2019, atendi aos apelos de alguns agentes da produção agropecuária, preocupados com os caminhos para a Embrapa avançar com as suas próprias pernas e vencer a profunda crise que a envolve e apresentei uma modesta proposta. Aliás o que não faltam são talentos, apenas precisam serem chamados. Entre os pontos da proposta reconhecia muitas das mudanças ocorridas nos anos 1990, a exemplo, da “lei de patentes e proteção de cultivares” que favoreceram a iniciativa privada, como as corporações transnacionais e as nascentes startups na geração de tecnologia agropecuária. Outras mudanças continuaram em curso ao longo dos últimos anos. Isso significa que parte dos resultados de pesquisa gerados como públicos passaram a ser privatizados. Lembro da época em que a Embrapa era a campeã na geração de tecnologias públicas, com raras as exceções, com destaque para o milho híbrido.

Reconhecer a presença significativa do setor privado na geração de tecnologias é importante, e estabelecer parceria favorecerá ainda mais o crescimento da oferta tecnológica. Porém, a agropecuária ainda depende, e sempre dependerá, da pesquisa pública para muitas atividades de interesse estratégico, que vão desde a preocupação com os pequenos produtores, até o conhecimento de ponta que está desbravando novas fronteiras da ciência e tecnologia, passando ainda por questões ambientais e sanitárias, todas definindo a capacidade competitiva do produto brasileiro. Ao setor privado de geração de tecnologia pouco interessa resultados que não sejam o retorno imediato dos investimentos. E nem sempre estarão sintonizados com o conjunto dos produtores ou mesmo da sociedade. Mas sua ação é significativa e deve ser apoiada.

Por essas razões torna-se muito importante saber o que pode ser compartilhado com a iniciativa privada e o que o Estado não pode deixar de ser o protagonista, fortalecendo esse papel da pesquisa pública. Muitas lideranças do próprio agronegócio compreendem isso com muita clareza. Para a parceria com a iniciativa privada o importante é criar uma governança transparente e eficiente. Para a pesquisa tipicamente pública é necessário prover a eficiência e garantir orçamento público. Nesse ponto a Embrapa é um exemplo e saberá, com certeza, construir um novo momento para uma nova fase de sucesso. Competências existem internamente e independem de consultoria externa. A mobilização interna é indispensável para legitimar as ações e as recomendações propostas.

A visível fragilidade das atuais “lideranças” pode colocar um fim numa história de uma empresa apreciada e respeitada dentro e fora do Brasil, e próxima dos cinquenta anos (a inação é tanta que a iniciativa privada toma a iniciativa e paga um estudo de revisão do seu modelo). É preciso que vozes se levantem, dentro e fora da organização, para garantir uma novo tempo de êxito e realizações. Reconheço e até percebo que muitos empregados gostariam de expressarem os seus sentidos, mas receiam represálias, mesmo sendo o debate um dos ingredientes cruciais da atividade científica. Casos recentes inibem em lidar com o contraditório. O momento exige o engajamento dos empregados, ex-empregados e principalmente das ex-lideranças na direção de uma Embrapa moderna e útil à sociedade brasileira e a sua produção agropecuária.

* Agrônomo, Mestrado em Economia Rural, Doutorado em Sociologia Política, ex-Pesquisador da Embrapa, ex-Presidente da Embrapa, ex-Secretário Nacional de Desenvolvimento Rural do Ministério da Agricultura (coordenador da criação e implantação do PRONAF), ex-Presidente da EPAGRI (SC), ex-Presidente da Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina, ex-Secretário de Estado do Planejamento de Santa Catarina, Consultor do Sebrae/SC.

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