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Aluguel de abelhas, opção de negócio nos EUA

Milhares de abelhas são levadas de costa a costa dos EUA para fazer o trabalho de polinização de culturas agrícolas no país


Colmeias cruzam o país para polinizar pomares; atividade cresceu após doença dizimar insetos

Centenas de milhares de abelhas estão sendo transportadas de costa a costa dos Estados Unidos para fazer o trabalho de polinização das culturas agrícolas no país. Levadas em caixas por longos caminhões, as colmeias cruzam as estradas federais partindo dos mais distintos pontos - da Flórida e Dakota do Norte a Montana - para a Califórnia, onde são aguardadas todo início de fevereiro nos campos de amêndoas em floração. Um mês depois, seguem para os pomares de maçã, cereja e pera de Washington e Oregon, no norte do país. E só então, já por volta do meio do ano, retornam a seus Estados originais para, finalmente, produzir mel.

É, sem dúvida, um dos maiores movimentos de migração de trabalhadores dentro de um único país na era moderna. A polinização remodelou a indústria de abelhas nos EUA, envolvendo até 10 bilhões de insetos por ano e garantindo a sobrevivência de setores da agricultura que, caso contrário, minguariam com safras de alcance limitado. Ao mesmo tempo, deu novo fôlego aos apicultores americanos. Há pelo menos duas décadas eles sofrem contração no mercado de mel.

"Buscávamos uma forma de diversificar os negócios e ir contra o ditado 'if there's no honey, there's no money' [se não há mel, não há dinheiro]", explicou o apicultor Brent Woodworth, da Dakota do Norte, em entrevista ao Valor.

Woodworth é um entre as centenas de produtores de mel que passaram a alugar suas colmeias para "serviços ambientais" até então prestados gratuitamente pela natureza. Da Dakota do Norte, onde tem sua fazenda, ele percorre 2,5 mil quilômetros (praticamente dois dias de viagem) até a Califórnia com cerca de 4 mil colmeias que, no período de 30 dias, polinizam 25 pomares no Estado.

É um longo caminho, diz ele, mas no fim do dia, deduzidos os gastos, o aluguel de colmeias para polinização vale cada quilômetro. "Representa hoje 50% da minha receita". Em 2008, Woodworth recebeu US$ 580 mil ( R$ 1 milhão) para soltar as abelhas entre amendoeiras e deixá-las carregar o pólen de uma árvore a outra.

A Califórnia é o Estado americano que mais tem requerido esse tipo de serviço. Responsável por 85% da oferta mundial de amêndoas, a região viu expandir a área com o fruto a taxas médias de 20% em uma década, atingindo 271 mil hectares no ano passado, diz Orion Johnson, da Associação de Apicultores da Califórnia.

"Simplesmente não há abelhas suficientes para tanta área plantada assim. E sem polinização, não há amêndoas", diz o especialista. Sem a produção de amêndoas, a Califórnia deixaria de movimentar estimados US$ 2 bilhões por ano.

Johnson nem espera a pergunta para dar a resposta: é preciso quase 1,5 milhão de abelhas para fazer o trabalho, uma média de duas colmeias por acre, o que equivale a 20% dos custos operacionais da produção. A criação na Califórnia, porém, é de apenas 475 mil colmeias. "Precisamos importar anualmente 1 milhão de colmeias", explica Johnson.

E elas vêm de todos os lados. Dois terços da população total de abelhas nos Estados Unidos, majoritariamente formada pela espécie europeia Apis melliferas, começam a ser transportadas todos os anos entre dezembro e janeiro para chegar no início de fevereiro nos campos do Vale Central californiano, quando a floração das amendoeiras se inicia. Flórida, Minnesota, Dakota da Norte e Montana são fornecedores importantes.

O setor de amêndoas é o mais dependente das abelhas por ter um tamanho representativo, mas o papel desses insetos na natureza é muito mais amplo: até onde se sabe, 90 espécies de plantas necessitam das abelhas para fecundação, em colheitas avaliadas em US$ 15 bilhões por ano, US$ 6 bilhões apenas na Califórnia.

Após o período de floração nas amendoeiras, os caminhões seguem para os pomares de maçãs, pêras e cerejas no norte do país, antes de voltar para seus Estados de origem para dedicar-se exclusivamentre à produção de mel.

É uma via-crúcis continental que gera renda mas, como toda atividade, está sujeita a intempéries. O inverno rigoroso e as longas distâncias de estrada estressam as colmeias, explica Woodworth, o apicultor da Dakota do Norte. "Entre 10% e 20% das abelhas morrem no caminho ou chegam fracas e vulneráveis a doenças nos pomares", diz ele.

A lei de oferta e demanda também rege esse mercado. Os apicultores cobram de US$ 140 a US$ 170 por colmeia alugada. Trinta anos atrás, quando ainda era um negócio mais tímido, saía por US$ 20.

A guinada nos preços tem algumas explicações. Uma delas é o próprio declínio na população das colmeias nos EUA. Segundo o USDA, o Departamento de Agricultura americano, há hoje 2,4 milhões de colméias no país, 25% a menos que nos anos 1980. Não à toa, de lá para cá, o número de apicultores do país também caiu pela metade. Uma queda generalizada, que trespassa todos os Estados.

Uma das suspeitas mais fortes - ou menos contestada - é o modo de produção agrícola. O uso extensivo de agrotóxicos no campo, desde os anos 70, pode ter afetado o sistema imunológico das abelhas, provocando o seu desaparecimento em massa. Mais recentemente, um novo fator veio à baila: atende pela sigla CCD em inglês, de "desordem de colapso de colônias", um fenômeno misterioso que nenhum entendido do mundo ainda arriscou a explicar com precisão científica.

Outra suspeita é o próprio aluguel de abelhas para polinização, que, ao juntar insetos de diferentes localidades, acaba ajudando a espalhar doenças. Uma colônia infectada da Flórida, por exemplo, pode contaminar um grupo de Montana que estiver "trabalhando" em pomares adjacentes.

"Por ora, nada é certo. O CCD pode ser a combinação de tudo o que é ruim à indústria das abelhas", diz Johnson, da Associação de Apicultores da Califórnia.

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