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Banido há 25 anos, BHC ainda ameaça o Paraná

Volume armazenado é desconhecido; lei estadual prevê a partir de julho recolhimento e incineração do inseticida


Os pequenos besouros negros (Hipothenemus hampei ou a broca-do-café) ainda são um risco aos cafezais brasileiros mas já houve época em que eram como inimigos da pátria. Contra este devastador exército de insetos, o Governo Federal apostou suas fichas na única arma existente - um agrotóxico - que chegou aos cafeicultores como a salvação da lavoura: o hexacloro benzeno, conhecido também como BHC ou ""pó de broca"". Como grande produtor brasileiro, o Paraná fez uso em larga escala do veneno que, anos mais tarde, descobriu-se ser danoso ao meio ambiente e à saúde humana. A proibição chegou em 1985 mas ela não veio acompanhada da destruição e ainda hoje estima-se que existam mais de duas mil toneladas do produto armazenadas sabe-se lá em que condições por todo o Estado. Com quase 25 anos de atraso, em abril deste ano foi aprovada uma lei estadual que prevê a incineração do inseticida. O trabalho começa em julho a partir do Norte do Estado onde estão concentrados mais de 10% do total.

No auge da cafeicultura, entre o final dos anos 1950 e começo da década seguinte, o Paraná liderou a produção nacional com praticamente metade de tudo que era cultivado no Brasil e um quarto do volume mundial. Dados do antigo Instituto Brasileiro do Café (IBC), indicam que o Estado produziu em 59/60 quase 21 milhões de sacas das 44 milhões computadas pelo país. Naturalmente, era um dos principais consumidores do veneno contra a broca, cuja larva destruía o fruto de dentro para fora.

Funcionário do extinto IBC e lotado atualmente na Seção de Café do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) em Londrina, Francisco Barbosa Lima comenta que o BHC reinou absoluto nos cafezais brasileiros até os anos 1970. O café era um produto essencial para nossa balança de exportações (representou até 70% da receita) e o controle da praga era essencial porque, tal como hoje, sacas com mais de 10% de café brocado não embarcavam para fora do país. ""Numa época de muita produção e pouca tecnologia, a broca gerava muitas perdas e seu controle era estimulado pelo Governo. O próprio IBC importava o BHC, distribuía aos produtores e controlava o uso.""

O engenheiro agrônomo Irineu Pozzobon, funcionário aposentado do IBC e autor do livro ""A Epopéia do Café no Paraná"" (2007) acrescenta que a broca chegava a comprometer até 30% da produção. ""Quando o trato da lavoura era deficiente, ela permanecia no cafezal e atingia a safra seguinte"", ressalta.

Segundo Pozzobon, o veneno não causava intoxicação imediata porque o princípio ativo (hexacloro benzeno) era usado normalmente na proporção de 1% para 99% de talco calcário - daí o nome ""pó de broca"". Já Lima recorda que o trabalhador que fazia a aplicação ficava coberto de branco dos pés à cabeça mas não se via em risco: ""o BHC é um mal silencioso e a intoxicação ocorre ao longo do tempo, porque ele vai se acumulando no organismo. O produtor achava que não tinha problema e até hoje muitos falam que não há produto melhor para controlar abelha por exemplo"".

Por ser de degradação lenta e perigoso para o homem (é considerado cancerígeno), o BHC foi proibido no Brasil em 1985. O banimento, no entanto, não acabou com os estoques que haviam nas propriedades. Grandes quantidades foram abandonadas sem qualquer cuidado e continuam provocando estragos. E pior. Com medo de serem taxados de criminosos ambientais, agricultores enterraram quantidades do pó, potencializando os riscos de contaminação do solo e água.

Nestes últimos quase 25 anos, os governos ensaiaram assumir a tarefa de destruir o produto mas só agora a medida será colocada em prática por força de lei estadual de autoria dos deputados Luiz Eduardo Cheida (PMDB) e Rosane Ferreira (PV). Ela prevê o recolhimento e a incineração do BHC e de mais 11 agrotóxicos chamados de ""organoclorados persistentes"".

Com a promulgação da lei, foi criado um grupo com órgãos do Governo e entidades de classe para formatar a ação. Até agora, foram encontradas apenas cerca de 150 toneladas do veneno, principalmente no Norte do Estado. Estima-se, porém, que existam mais de duas mil toneladas que ninguém sabe onde estão nem quais as condições de armazenagem. ""É uma questão urgente, urgentíssima. Infelizmente, o dano causado é irremediável e irreversível. O que queremos com isso é evitar mais prejuízos para as futuras gerações"", argumenta o secretário executivo do Conselho Estadual do Meio Ambiente, Paulo Roberto Castella.

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