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Biscoito com farinha de casca do café valoriza Robustas Amazônicos

Estudo foi desenvolvido durante dois ano


Foto: Pixabay

A Universidade de Brasília (UnB) depositou pedido de patente para uma receita de biscoito elaborada com farinha de cafés Robustas Amazônicos (Coffea canephora). O produto substitui em cerca de 30% da farinha tradicional, tornando-se uma opção mais saudável e viável para consumidores adeptos de dietas equilibradas por conter mais fibras, antioxidantes e cafeína. A inovação também inaugura um novo e promissor mercado para a casca do café, até então utilizada principalmente como adubo no Brasil. O estudo, desenvolvido ao longo de dois anos, é resultado de parceria com a Embrapa Rondônia (RO).

Segundo o pesquisador da Embrapa  Enrique Alves, as cascas de cafés denominados finos – produtos com mais de 80 pontos na avaliação da Specialty Ccoffee Association (SCA), que considera critérios, como aroma, sabor, acidez, corpo e finalização – são insumos nobres, com diversidade sensorial e nutricional muito rica, às vezes até maior do que a dos grãos. “Entretanto, no Brasil, são usados, principalmente, como adubo”, explica.

Além de se enquadrarem na pontuação estipulada pela SCA como produtos finos, as variedades de cafés Robustas Amazônicos, selecionadas pela Embrapa em conjunto com os cafeicultores nas Matas de Rondônia, resultaram na primeira Indicação Geográfica (IG) de Coffea canephora do mundo, a "IG Matas de Rondônia", concedida pelo INPI em 2021. O projeto envolve o desenvolvimento de cultivares adaptadas à região e à Floresta Amazônica, plantadas, em sua maioria, por agricultores familiares, indígenas e comunidades tradicionais. “Hoje em todo o estado de Rondônia, mais de 17 mil famílias cultivam essas variedades”, complementa o pesquisador.

Portanto, agregar valor a esse subproduto era uma prioridade para a Embrapa, como explica Alves. “Além da qualidade, as cascas dos cafés Robustas Amazônicas elas ainda carregam características diferenciadas de sustentabilidade por serem cultivadas na Amazônia por povos indígenas e comunidades tradicionais”, destaca.

A inovação tecnológica será apresentada no dia 6 de novembro, durante a Semana Internacional do Café (SIC), que acontece de 5 a 7 de novembro, na Expominas, em Belo Horizonte (MG).  Trata-se de uma das maiores feiras do mundo e o grande encontro de profissionais que tem o objetivo de conectar e gerar oportunidades para toda a cadeia do café brasileiro no acesso a mercados, conhecimento e negócios.

Durante a COP30, o biscoito será oferecido para degustação no Cooking Show, que é um espaço de apresentação e degustação de produtos resultantes da pesquisa agropecuária, além de troca de experiências entre culinárias tradicionais. A área funcionará dentro do pavilhão “Comida, Tradição e Cultura” na Agrizone - Casa da Agricultura Sustentável da Embrapa na Conferência – e a programação será compartilhada com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).

Diante disso, a Embrapa Rondônia e a UnB se uniram para desenvolver pesquisas voltadas à valorização das cascas de cafés Robustas Amazônicos sob diferentes óticas de processamentos pós-colheita. A linha de pesquisa, coordenada pela engenheira de alimentos e professora da UnB Lívia de Oliveira, tem como focos a caracterização química, funcional e sensorial dessas cascas e a sua aplicação em alimentos, bebidas e cosméticos, contribuindo para uma cafeicultura sustentável e integrada à economia circular.

O estudo teve início em 2023, com a avaliação do potencial químico e sensorial das cascas de Robustas Amazônicos da cultivar Apoatã, produzidas pela Embrapa Rondônia, sob três processamentos distintos: natural (secagem do fruto inteiro em terreiro suspenso por cerca de 20 dias), lavado (despolpamento mecânico e secagem da fração pergaminho) e fermentação anaeróbica autoinduzida (espontânea em ambiente anaeróbio, conduzida de 2 a 20 dias, seguida de secagem e descascamento).

Essas amostras foram analisadas quanto à composição proximal, de compostos bioativos, açúcares, ácidos orgânicos e voláteis, além de submetidas à avaliação sensorial por meio de infusões e produtos derivados.

De acordo com Lívia, os resultados demonstraram que:

- As cascas naturais apresentaram maior teor de compostos fenólicos, flavonoides, antocianinas e fibras, além de perfil aromático doce e caramelado.

- As cascas lavadas (originadas do processamento de via úmida) exibiram baixa complexidade química e volátil, predominando compostos estruturais e menor teor de açúcares.

- As cascas de fermentação anaeróbica autoinduzida mostraram grande variabilidade conforme o tempo de fermentação. As amostras de 4 a 20 dias apresentaram aromas frutados e florais e bom equilíbrio sensorial, enquanto as de tempos intermediários (10 a 16 dias) geraram notas mais secas e amargas.

Essas diferenças foram atribuídas à atuação microbiana no metabolismo de açúcares e fenólicos, que modulou a formação de ácidos orgânicos, ésteres e furanonas (compostos formados durante o processamento de alimentos, que desempenham um papel crucial no seu sabor e aroma), resultando em perfis sensoriais distintos e potenciais de aplicação diferenciados para cada tipo de casca.

A professora explica que, com base nesses resultados, foi desenvolvido um segundo eixo de pesquisa voltado à aplicação alimentar das cascas, por meio da elaboração de um biscoito, com 30% de farinha de casca de robusta amazônico. Trata-se de um resultado inédito, uma vez que, pela literatura científica, o máximo de substituição de farinha obtido até o momento tinha sido de 15%.

As formulações reformuladas com lecitina e polidextrose apresentaram um aumento de até 15 gramas de fibras por 100 g de produto. Além disso, reduziram em até 45% as gorduras saturadas e em 25% os açúcares adicionados, mantendo conformidade com a RDC nº 429/2020 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A melhor aceitação sensorial para as amostras produzidas foi com as cascas naturais e fermentadas por 4 ou 20 dias, associadas a notas doces, frutadas e amanteigadas. “Esses resultados evidenciam que o tipo de processamento da casca é determinante para notas sensoriais do produto final, sendo um parâmetro-chave de inovação tecnológica e posicionamento sensorial. Todavia, todos os cookies elaborados apresentaram aceitação sensorial satisfatória, confirmando que as cascas de qualquer dos processos podem ser usadas como ingrediente para esse produto”, enfatiza Lívia.

A receita final, submetida ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e registrado no dia 4 de setembro, é resultado de um processo de fermentação de 8 dias. De acordo com a professora, com esse período, o produto mantém o açúcar da polpa, não tem excesso de fermentação e possui notas frutadas, que conferem um sabor especial ao biscoito.

A seleção do produto final contou com a avaliação sensorial de mais de 250 consumidores convidados pela UnB para degustar os biscoitos oriundos das diferentes etapas da pesquisa.

A partir de 2026, as instituições vão investir também em estudos voltados ao desenvolvimento de bebidas fermentadas e instantâneas à base da casca de café, incluindo kombuchas e infusões aromatizadas.

Além disso, serão fortalecidas pesquisas de formulações cosméticas com extratos de casca para o tratamento de alopecia e uso dermocosmético.

Os cafés Robustas Amazônicos são cultivados há décadas na Amazônia e, nos últimos dez anos, ganharam visibilidade no mercado e a preferência dos cafeicultores da região. A atividade foi iniciada com agricultores de Rondônia e se expandiu entre produtores de outros estados, que passaram a renovar antigos cafezais seminais e implantaram novos plantios com variedades clonais.

De acordo com Enrique Alves, a cafeicultura na Amazônia evoluiu de um modelo quase extrativista para uma produção tecnológica sustentável. A atual média de produção de estados como Acre (51 sacas por hectare) e Rondônia (55 sacas), de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em nada lembra a produtividade de um passado recente, que raramente superava 10 sacas por hectare.

“Alcançamos avanços significativos na cultura e dispomos de tecnologias que possibilitam aproveitar todo o potencial agronômico dos clones de cafés Robustas Amazônicos e elevar a produção. Por isso, é comum encontrar propriedades familiares com produtividade de 120 a 150 sacas de café por hectare e algumas lavouras superam 200 sacas”, conclui o pesquisador.

Investir em pesquisas que agreguem valor a esses cafés, incluindo outras partes do fruto, como a casca, a polpa, está entre as prioridades das equipes de pesquisa da Embrapa e parceiros.

 

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