Resgate do café e turismo rural impulsionam Rodeio em SC
Família cultiva café especial e impulsiona o turismo rural em SC com apoio da Epagri

O ramo de café na bandeira de Santa Catarina sempre intrigou agricultores da nova geração que viram pais e avós cultivando café para consumo familiar, sem que o cultivo tivesse representatividade nas cadeias produtivas do Estado. Mas, a cada ano, têm crescido o interesse do consumidor por cafés de qualidade, fazendo com que jovens agricultores retomem a atividade para produzir café no sistema agroflorestal. Além de não usar agrotóxicos, o sistema garante um produto de sabor e aromas inigualáveis graças à coleta seletiva dos grãos maduros, entre outras particularidades de manejo.
Um desses agricultores é Gabriel Tambosi, 32, de Rodeio, no Vale do Itajaí, que lançou o Café Especial Leopoldo, em 2022, com a esposa, Thaís. Ele iniciou o plantio do cultivar Coffea arabica em 2017, com mudas trazidas do Paraná e São Paulo, e em 2021 teve a primeira colheita. Após análise do grão no Instituto Federal Sul de Minas, em Minas Gerais, o produto recebeu nota acima de 80, que caracteriza os cafés especiais.
Entre os critérios utilizados para atestar a qualidade do produto estão a colheita (o grão deve estar 100% maduro), a secagem, localização geográfica, além da análise sensorial que revelam índices de acidez, doçura, entre outros. “O café especial é superior ao gourmet, que tem nota entre 75 e 80 pontos”, explica o produtor.
Na família Tambosi, o café faz parte do cotidiano desde que o bisavô Giovanni veio da Itália para o Brasil e plantava café em meio a outros cultivos, como banana e palmito, sem saber que um dia, aquele sistema intuitivo seria tão valorizado. “Naquele tempo, ele chegava a colher 250 sacas por ano, mas não vendia, fazia escambo com outros produtores em troca de açúcar, arroz e até terras. Era a cultura das montanhas”, revela Gabriel.
Mas, ao contrário do bisavô, que colhia o café todo de uma vez, com mudas que ele mesmo produzia e podiam chegar a sete metros de altura, Gabriel cultiva duas variedades cuja planta não passa de dois metros. E por causa do clima mais frio, a colheita começa em fins de abril e se estende até agosto, até que cada grão atinja 100% de maturação, enquanto que em locais mais quentes, a colheita é feita em dois meses. Esta particularidade se torna vantajosa, já que apenas Gabriel e Thaís colhem o fruto, um por um, garantindo a alta qualidade do grão.
O sítio da família abriu para o turismo rural no ano passado, quando uma torrefação de Joinville solicitou aos jovens uma visita à plantação, levando os primeiros 20 turistas. Após agendar a visita, Thaís correu para a máquina de costura para fazer cestinhas de pano para fazer a coleta de grãos. Um rancho foi improvisado para que os turistas pudessem provar o café moído na hora, acompanhado de pães caseiros, doces e cucas.
Percebendo a boa receptividade do público, eles começaram a fazer melhorias no rancho Uma das providências foi incluir um museu mostrando a história do avô Leopoldo, e alas que mostram todo o processo, do plantio e colheita à secagem, torra e degustação. A propriedade passou a oferecer também um passeio pelos campos de café, onde é feito um piquenique.
O resultado não poderia ser mais promissor. Se em 2024, menos de 100 pessoas tiveram a experiência de conhecer o processo de produção do café Leopoldo, este ano, o número de visitantes já passou de 800. E a ideia é expandir ainda mais o negócio. Hoje, a família produz cerca de um hectare de café, onde foram plantadas 900 mudas. Para a safra 2026, o casal pretende abrir duas novas áreas, triplicando a produção. O plantio começa em novembro.
Mas como o cultivo do café especial é recente, a atividade veio complementar a renda da propriedade, que tem consolidada outras culturas, especialmente hortaliças e frutas, que são vendidas minimamente processadas, higienizadas e prontas para uso, com foco no fornecimento para cozinhas industriais e restaurantes.
Até o Café Leopoldo ganhar vida, Gabriel e Thaís percorreram um longo caminho, e a Epagri sempre esteve presente prestando assistência técnica sobre correção do solo e manejo de culturas, além de dar suporte à profissionalização da atividade agrícola através de linhas de crédito facilitado do Fundo de Desenvolvimento Rural (FDR) e Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Sem falar no curso de empreendedorismo Jovens Rurais, que ambos frequentaram.
Na época em que Gabriel fez o curso, em 2019, seu projeto foi investir na mecanização do envase de suco de suco de maracujá. Já quando Thaís fez o curso, em 2022, ela já tinha em mente trabalhar com turismo rural, que não era muito divulgado naquela época. “Eu passei minha experiência para as colegas mostrando que era possível abrir a propriedade para receber visitantes. Também foi lá que ampliei minha rede de contatos e conheci a professora Érica Hemmer, de Blumenau, que se tornou nossa melhor cliente”, revela.
Santa Catarina já foi produtora de café até meados dos anos 1960, quando o cultivo comercial foi erradicado como resultado de uma política pública nacional para regulação dos estoques mundiais do grão. Mas, a partir de 2012, teve início um processo de resgate da cultura cafeeira, liderado pelo pesquisador Fernando Bisso, do Instituto Federal Catarinense (IFC), campus de Araquari.
O engenheiro-agrônomo está à frente do projeto de extensão que presta assessoria técnica aos produtores que mantiveram a tradição de plantar café para consumo familiar e pretendem investir na cultura, adaptada aos novos tempos. O foco do projeto é desenvolver uma tecnologia para que a cafeicultura seja viável, apesar de Santa Catarina estar no limite de latitude para plantar café em nível mundial.
“O que mais caracteriza o café de Santa Catarina é a latitude elevada, acima de 26 graus. Nesta condição de frio, nós só conseguimos plantar café devido à proximidade do mar. No caso do Gabriel, no Vale do Itajaí, numa região de montanha, se consegue ponderar o frio e risco de geada no sistema agroflorestal, com o café sombreado, em consórcio com outras culturas, principalmente banana, que dá muito certo”, explica.
Outra característica marcante de Santa Catarina é a diversidade, tanto em termos físicos quanto culturais. Por isso, dentro do Estado é possível produzir diferentes cafés especiais, cada um com seu terroir característico. Terroir é um termo francês usado para diferenciar produtos levando em conta a origem, solo, clima, relevo, e também a intervenção humana, que confere propriedades únicas ao produto.
“Do ponto de vista climático, na nossa região, em Araquari, nós temos um café de restinga, um solo extremamente arenoso, que em certos momentos encharca, em outros seca demais, que dá uma qualidade ao café. Subindo o Vale do Itajaí, nas encostas, nós temos solos mais argilosos, de altitude, uma condição de clima mais amena, então tem outra qualidade de café”, diferencia.
Já do ponto de vista cultural, o que faz de cada xícara de café algo único é o saber fazer desenvolvido pelos colonizadores que ocuparam determinada região, próximo à costa. Na região de produção do Café Leopoldo é a colonização italiana que prevalece. Na região de Blumenau, em Corupá, é a colonização germânica. E na na região de Florianópolis, em Araquari e Jaguaruna, a colonização é açoriana.
Fernando explica que apesar do café ser uma cultura consolidada no Estado, não basta incorporar tecnologias de outras regiões do Brasil. “Na propriedade de Gabriel nós conseguimos contornar problemas de pós-colheita com a tecnologia de café lavado, fazendo a fermentação dos grãos para preservar a qualidade. Aos poucos e com consistência, estamos avançando. E temos observado que está evoluindo bem”, acredita.
Para o pesquisador, a propriedade de Rodeio é um bom exemplo desta evolução gradual, provando que o cultivo do café no Estado é possível, inserido dentro do contexto do turismo rural. “Gabriel começou a investir no café que era tradição da família, viu que tinha potencial e foi aumentando a área produtiva, dentro de suas possibilidades. Seu produto já entrou na categoria de cafés especiais, tem marca própria, os visitantes plantam, colhem, provam, conhecem a história, então é um pacote completo”, destaca.
Já a parceria do IFC com a Epagri/Ciram começou em 2019, quando o pesquisador Fábio Zambonin liderava um projeto de avaliação de sistemas agroflorestais, e foi constatado que o café sempre esteve presente nas propriedades rurais para consumo familiar. O primeiro passo da pesquisa foi identificar as áreas potenciais para o cultivo de café no Estado.
Agora, foi aprovado o projeto “Análise de risco climático e estudo ecofisiológico de variedades de café arábica em sistema agroflorestal”, via Fapesc, liderado pela pesquisadora e doutora em agrometereologia, Valéria Pohlmann, também da Epagri/Ciram. O projeto vai ser conduzido no Centro de Treinamento da Epagri em Tubarão (Cetuba), em parceria com outro liderado por Fábio, de sistemas agroflorestais para regularização ambiental.
“A Epagri vislumbra que o cultivo de café sombreado em Santa Catarina, em consórcio com culturas tradicionais como a banana e outras espécies arbóreas, possa complementar a renda do produtor, agregar valor ao produto e não competir com cultivos convencionais”, aponta o pesquisador. Para ele, a possibilidade de cultivar café especial em propriedades que adotam o sistema agroflorestal proporciona um maior equilíbrio financeiro e melhor aproveitamento do uso do solo.