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Como fica a pecuária de corte pós Covid-19?

Últimas projeções da área de Pesquisa do Itaú Unibanco sugerem queda de 1,1% no PIB global


Foto: Alexandre Teixeira

Cesar de Castro Alves e Guilherme Bellotti 

'Há pouco mais de um mês, as perspectivas para a pecuária de corte em 2020 eram formidáveis, mas acreditamos que o cenário – embora ainda positivo – requer atenção em alguns pontos."

Cesar de Castro Alves e Guilherme Bellotti, Consultor Agro do Itaú BBA e Gerente de Consultoria Agro do Itaú BBA, respectivamente, fazem uma análise sobre a pecuária de corte após a pandemia.

Primeiramente, no curto prazo, é absolutamente fundamental que não tenhamos obstruções logísticas, que vão desde o fluxo dos animais das fazendas aos frigoríficos, passando pelo normal funcionamento das fábricas e destinação da carne até os consumidores finais, sejam eles internos ou externos.

Do lado da demanda, o segundo ponto diz respeito à profunda piora do cenário econômico mundial derivado do amplo lockdown, cuja intensidade e duração ainda desconhecemos. O terceiro é o impacto negativo dos baixos preços do petróleo sobre as economias dos países produtores dessa commodity, muitos dos quais são importadores de carne bovina brasileira.

As últimas projeções da área de Pesquisa Macroeconômica do Itaú Unibanco sugerem queda de 1,1% no PIB global em 2020, após ter crescido 3,0% em 2019. Para Brasil e China, as variações previstas são de -2,5% e 2,5% respectivamente, vindo de altas de 1,1% e 6,1% no último ano. Entendemos que essa piora pode trazer algum efeito negativo sobre o consumo mundial de carne bovina já que a proteína não é a mais barata das opções.

Do lado da China, é sabido que o surto de peste suína africana continua e a incipiente recuperação já observada no rebanho suíno não terá efeito em termos de oferta de carne suína pelo menos neste ano.

Sendo assim, segue firme a expectativa de sólidas importações de carne bovina daquele país, uma vez que o mundo simplesmente não dispõe de carne suína suficiente para suprir o déficit desta proteína e a carne bovina ocupa parte dessa lacuna. 

Além disso, a hipótese do surgimento do novo coronavírus nos mercados de animais vivos e as pressões para o fim deste tipo de comércio são positivas para o consumo de carnes congeladas naquele país, onde se enquadram as carnes importadas vindas de produtores com sanidade animal reconhecida, entre eles o Brasil. Portanto, a grande necessidade de carne deve sustentar o forte fluxo de exportação da carne bovina brasileira, em que pese a relevante piora da economia doméstica chinesa. Mas é de difícil estimativa até que ponto a carne bovina substitui a suína mesmo diante de escassez.

Entretanto, a China representou 32% da exportação de carne bovina in natura brasileira em 2019, sendo os outros 68% compostos principalmente por países produtores de petróleo e outros de baixa renda per capita, estando todos inseridos na perspectiva de um mundo em recessão. Caso venhamos a exportar menos para estes destinos tradicionais, necessitaríamos deslocar excedentes para novos mercados ou para o mercado doméstico. Há bastante potencial em fluxos novos para alguns países do sudeste asiático, caso da Indonésia, e a peste suína africana descontrolada na região nos favorece.

Além disso, nossa arroba entre USD 35-40 é bastante atrativa vis a vis a dos nossos concorrentes com maior escala, caso dos EUA e da Austrália.

No mercado doméstico, um dos desafios é a competição com a carne de frango, que apesar dos altos custos de ração, não tem conseguido transferir a pressão nas granjas para os preços da carne no atacado, o que significa que, relativamente ao dianteiro bovino, a carne de frango está barata em nível recorde.

 A margem da avicultura tende a melhorar no segundo semestre, mais em função da redução do custo com a chegada do milho safrinha do que através de uma eventual redução dos alojamentos, o que poderia forçar os preços para cima e, por sua vez, ajudar a carne bovina na relação de preços. Mas as exportações têm crescido justificando os bons alojamentos atuais.

Outra mudança forte que tivemos recentemente foi na curva futura do boi gordo, o que, relativamente aos custos de ração atuais, prejudicou muito o resultado projetado dos confinamentos. Os contratos de boi gordo para o final do ano tiveram quedas de mais de R$ 30,00/@. Este não é um problema para produtores que se protegeram até o início de março, quando o mercado ainda estava bem atrativo, mas pode desmotivar aqueles que perderam a boa janela de fixação.

Para a pecuária de corte, felizmente o episódio do coronavírus veio em um momento em que o produtor dispõe de pastagens e consegue reter a oferta aguardando uma melhora do mercado e, consequentemente, do interesse dos frigoríficos, mas fica o ponto de atenção de como será a volta às atividades normais de abate com muitos produtores precisando comercializar ao mesmo tempo.

Já os sistemas de recria e engorda à pasto podem atravessar melhor caso a mudança da perspectiva econômica limite a recuperação do boi, tendo em vista que os custos à pasto são bem menores, mas, mesmo nesta situação, um hedge feito antes da tempestade muda bastante o resultado.

Para a cria, o primeiro elo da pecuária, a perspectiva segue bastante positiva já que o elevado preço do bezerro hoje é explicado pela dificuldade da atividade nos últimos três anos, o que motivou o descarte de vacas com consequente menor produção atual do animal. Da mesma forma que a cria foi o último elo a capturar a recuperação da carne no ano passado, que primeiro puxou o boi, agora será o último a sentir possíveis efeitos de um ambiente pior.

Curiosamente, a despeito de toda reviravolta derivar da pandemia que teve origem na China, em grande medida, é o cenário atual da produção animal daquele país que justifica a sustentação da pecuária brasileira. Todo o resto está mais fragilizado.

 


 
 

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