É possível identificar bebidas adulteradas com metanol?
Alerta sobre metanol: mortes e contaminações expõem falhas na fiscalização de bebidas

O consumo de bebidas adulteradas com metanol já causou pelo menos duas mortes confirmadas no Brasil, além de outros 223 casos em investigação. Os dados são do Ministério da Saúde e acenderam um alerta entre autoridades sanitárias, especialistas e consumidores. O estado de São Paulo concentra 85% das ocorrências nacionais, incluindo sete mortes ainda sob análise.
O que está por trás desse crescimento de intoxicações é o uso criminoso do metanol na produção clandestina de bebidas, especialmente destilados. “O metanol não tem dose segura para ingestão humana. Mesmo em pequenas quantidades, pode causar cegueira irreversível e levar à morte”, alerta a bióloga Rosana Martins dos Santos, consultora da Sapientia Consultoria em Alimentos.
O que é metanol e por que ele é tão perigoso?
Visualmente, o metanol é quase idêntico ao etanol — o álcool comum usado em bebidas. É transparente, possui a mesma viscosidade e até um odor semelhante. Mas no organismo, o efeito é devastador. “No fígado, o metanol é convertido em formaldeído e ácido fórmico, substâncias altamente tóxicas que afetam o sistema nervoso, o nervo óptico e o pH do sangue”, explica Rosana.
Essas alterações químicas comprometem o metabolismo celular e podem causar falência múltipla de órgãos. Os sintomas iniciais incluem dor de cabeça, náuseas e tontura, mas evoluem rapidamente para alterações visuais, convulsões, coma e óbito. “O risco aumenta quando o metanol é consumido junto com etanol, pois os sintomas podem demorar a aparecer e dificultam o diagnóstico precoce”, acrescenta a especialista.
Destilados são os principais alvos da adulteração
As bebidas mais frequentemente associadas aos casos de metanol são os destilados: cachaça, vodka, gin e aguardentes. Isso ocorre porque o metanol aparece na fração inicial da destilação — parte que deve ser descartada nos processos industriais. No entanto, em produções clandestinas, essa porção é mantida para aumentar o volume da bebida.
Já cervejas e vinhos industrializados apresentam risco muito menor. “Essas bebidas fermentadas têm processos que não favorecem a formação de metanol e, além disso, passam por uma fiscalização mais rigorosa do Ministério da Agricultura”, explica Rosana.
Falsificações sofisticadas dificultam a identificação
A presença do metanol em bebidas decorre de um esquema de falsificação cada vez mais complexo. Criminosos reaproveitam garrafas originais, replicam rótulos com perfeição e até simulam lacres autênticos. “Mesmo garrafas aparentemente lacradas podem esconder líquidos adulterados. Há um comércio livre online de rótulos e garrafas falsas”, alerta a consultora.
Em setembro, a polícia desmantelou uma fábrica clandestina em Americana (SP), que distribuía bebidas destiladas para o interior e a capital. O caso evidenciou a fragilidade da fiscalização e a sofisticação das fraudes.
Como o consumidor pode se proteger
Rosana reforça que não é possível identificar a presença de metanol apenas com o paladar ou olfato. “Sabor estranho, cheiro químico forte ou coloração incomum são sinais de alerta, mas não comprovam a presença do metanol. A única forma segura é por meio de análises laboratoriais, como a cromatografia gasosa.”
Cuidados na compra e consumo são essenciais:
- Prefira sempre canais confiáveis: supermercados, distribuidoras e lojas formais;
- Exija nota fiscal;
- Desconfie de preços muito abaixo do mercado;
- Observe rótulos, número de lote, lacre e qualidade da impressão;
- Em festas e bares, opte por bebidas fechadas e de marcas conhecidas;
- Nunca aceite bebidas a granel ou de procedência desconhecida.
Avanços na detecção e tratamento
Existem estudos promissores sobre formas rápidas de detectar metanol, como sensores colorimétricos e canudos detectores — alguns em fase experimental no Brasil. Em outros países, tiras reagentes estão disponíveis, mas com sensibilidade limitada.
Caso ocorra a ingestão, o tratamento precisa ser imediato. “O antídoto ideal é o fomepizol, mas o etanol hospitalar também pode ser utilizado, pois inibe a formação dos metabólitos tóxicos. Em casos graves, a hemodiálise é necessária”, afirma Rosana. A janela crítica para atendimento é de poucas horas após os primeiros sintomas.
Informação é a melhor prevenção
Especialistas apontam que a falta de informação é um dos principais fatores que agravam a crise. “Muitas mortes poderiam ser evitadas com mais fiscalização e uma comunicação clara à população sobre os riscos e formas de identificar bebidas suspeitas”, conclui Rosana Martins dos Santos.
Veja a entrevista na íntegra
Portal Agrolink: O que é o metanol? E por que ele é tão perigoso para o consumo humano, mesmo em pequenas quantidades?
Rosana Martins dos Santos: O metanol, também chamado de álcool metílico, é um produto químico semelhante ao etanol. É utilizado na indústria como solvente industrial e combustível aeronáutico. O problema é que, quando ingerido, o fígado converte o metanol em formaldeído e ácido fórmico, duas substâncias altamente tóxicas para o nosso organismo. Isso pode causar desde uma forte intoxicação até cegueira irreversível e, em casos mais extremos, a morte.
Segundo o Dr. Ramos, do Núcleo de Infectologia do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, esse ácido é corrosivo para o nervo óptico e para a estrutura do sistema nervoso como um todo. Ele também altera o pH do sangue, o que pode comprometer o metabolismo celular e o funcionamento dos órgãos vitais, levando a complicações graves, incluindo a falência de múltiplos órgãos. O mais alarmante é que doses muito pequenas já são suficientes para provocar sérios danos à saúde. Por isso, dizemos que o metanol não tem dose segura para ingestão humana.
Portal Agrolink: Existe alguma bebida com menor risco de ser adulterada com metanol?
Rosana Martins dos Santos: Sim. Em geral, as bebidas fermentadas, como cervejas e vinhos industrializados, têm um risco muito menor de serem adulteradas, pois o processo de produção não favorece a formação de grandes quantidades de metanol. Além disso, essas cadeias produtivas passam por uma fiscalização muito mais rígida do Ministério da Agricultura, o que garante controles atualizados e processos produtivos em dia. Isso não significa que estão 100% livres de risco, mas os casos mais graves ocorrem em destilados adulterados ou produzidos sem controle adequado.
Portal Agrolink: Como ocorre a falsificação de bebidas?
Rosana Martins dos Santos: Há falsificações bastante sofisticadas, com criminosos reutilizando garrafas originais ou criando rótulos falsos muito semelhantes aos originais. Em Americana (SP), no dia 30 de setembro, a polícia desarticulou uma fábrica clandestina de bebidas destiladas que fornecia para o comércio da capital e do interior. Existe um comércio livre online de rótulos e garrafas idênticas aos originais, o que dificulta muito a ação das autoridades. Mesmo garrafas aparentemente lacradas podem conter bebidas adulteradas. A recomendação é comprar apenas de canais confiáveis, observar atentamente o rótulo, o lacre, o número do lote e sempre exigir nota fiscal.
Portal Agrolink: É possível identificar uma bebida adulterada sem análise laboratorial?
Rosana Martins dos Santos: Não é possível ter certeza sem exame laboratorial. Existem sinais que podem levantar suspeitas, como sabor estranho, cheiro químico forte ou coloração diferente do habitual. Mas nenhum desses sinais é prova de presença de metanol. A única forma confiável de detectar a substância é por meio de análise laboratorial, como a cromatografia gasosa, considerada o padrão ouro.
Portal Agrolink: É seguro comprar bebidas alcoólicas em supermercados e lojas formais?
Rosana Martins dos Santos: Sim. O risco é menor nesses estabelecimentos, pois há fiscalização e rastreabilidade da cadeia de distribuição. Já em bares, festas e pontos de venda informais, o risco aumenta, principalmente quando a bebida é servida sem lacre original ou comprada de fornecedores duvidosos, sem rótulo ou identificação.
Portal Agrolink: Como identificar sinais de adulteração?
Rosana Martins dos Santos: Sinais de alerta incluem: preço muito abaixo do mercado, rótulo mal impresso ou com erros, ausência de número de lote, fabricante ou lacre mal colocado. A venda em locais sem nota fiscal, como festas ou bares, exige cuidado redobrado. Desconfie sempre de bebidas em garrafas reaproveitadas ou sem identificação.
Portal Agrolink: Quais os sintomas após ingestão de metanol? Em quanto tempo aparecem?
Rosana Martins dos Santos: Os sintomas surgem de 6 a 24 horas após a ingestão. Inicialmente, a pessoa sente náuseas, dor abdominal, dor de cabeça e tontura — semelhantes a uma ressaca. Depois, surgem os sintomas mais graves: visão borrada, sensação de névoa nos olhos, até perda total da visão. Pode evoluir para convulsões, coma e morte. Quando ingerido com etanol, os sintomas podem demorar mais para aparecer, dificultando o diagnóstico.
Portal Agrolink: Que cuidados o consumidor deve ter ao escolher bebidas, especialmente em festas e bares?
Rosana Martins dos Santos: Observar se a garrafa está lacrada, se o rótulo contém lote e registro, desconfiar de preços baixos e exigir nota fiscal. Em bares e festas, prefira bebidas fechadas, de marcas conhecidas e sempre atente aos lacres. Nunca aceite bebidas de origem duvidosa ou vendidas a granel.
Portal Agrolink: Quais bebidas são mais suscetíveis à adulteração com metanol?
Rosana Martins dos Santos: Principalmente os destilados: cachaça, vodka, aguardente e destilados caseiros. Isso porque, na destilação, o metanol se concentra na porção inicial, que deve ser descartada nos processos industriais. Em produções criminosas, essa parte é mantida para aumentar o volume da bebida.
Portal Agrolink: Há métodos simples para detectar metanol?
Rosana Martins dos Santos: Estão sendo desenvolvidos sensores e tiras reagentes, mas ainda não há métodos validados para uso em larga escala. Um exemplo é o estudo da Universidade Estadual da Paraíba, que desenvolve canudos que mudam de cor na presença de metanol. Em outros países, existem tiras no mercado, mas com confiabilidade limitada.
Portal Agrolink: Existe tratamento eficaz para intoxicação por metanol? Qual o tempo crítico para atendimento?
Rosana Martins dos Santos: Sim, mas o tratamento deve ser iniciado rapidamente. O antídoto mais indicado é o fomepizol, ou o etanol em ambiente hospitalar, que inibem a formação de substâncias tóxicas no fígado. Em casos graves, é necessária hemodiálise. A janela crítica é de poucas horas após o início dos sintomas — atendimento precoce aumenta as chances de recuperação.