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Parceria ajuda a equilibrar as contas no campo

Seca causou redução de quase 45% na safra de soja do Estado


Foto: Pixabay

Enquanto a maior parte dos setores da economia vive uma crise iniciada pela chegada e avanço do coronavírus no Brasil desde março, o agronegócio já enfrentava outro problema, a estiagem, que também se agravou ao longo de 2020. Em ambos os casos, no entanto, é fato que os produtores ligados a alguma cooperativa têm melhores condições de enfrentarem aos dois percalços que marcam este ano.

Estiagem e pandemia afetaram agricultura e pecuária de diferentes maneiras, e também são diferentes os impactos no cooperativismo rural. Enquanto as cooperativas dedicadas à industrialização de alimentos (como carnes) têm um cenário um pouco mais favorável, aquelas mais fortemente dedicadas aos grãos encontram dificuldades maiores, de acordo com o presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado do Rio Grande do Sul (Fecoagro-RS), Paulo Pires.

"A safra 2019/2020 foi marcada pela estiagem, com 47% de quebra na soja, segundo a Rede Técnica Cooperativa (RTC), e 30% no milho. E o grande alicerce das cooperativas agrícolas está na produção e recebimento de safra e venda de insumos. Então temos um faturamento bem aquém de anos anteriores. Este ano vai ser complicado", lamenta o dirigente da Fecoagro-RS.

Ainda que as exportações de grãos no primeiro semestre tenham ido muito bem com o dólar em alta, o que pode trazer aos seis primeiros meses do ano uma aparente normalidade, Pires avisa que isso não será uma constante nos próximos meses. Isso porque, no segundo semestre, as cooperativas não terão muito produto para trabalhar. A soja, por exemplo, teve a maior parte comercializada. Já a pandemia - que, se em um primeiro momento, não afetou o consumo de alimentos - trará um ritmo mais lento ao consumo no segundo semestre de 2020 com o aumento do desemprego e a queda na renda da população.

"É um ano em que todos terão redução de faturamentos e resultados. Mas, certamente, quem é produtor ligado a cooperativas tem mais apoio neste momento. No caso das perdas com a estiagem, certamente nenhuma cooperativa executou contratos de um produtor que efetivamente se relaciona com ela", avalia Pires. O cenário dos cooperativados e das cooperativas é bastante diverso, seja nos impactos da pandemia e da estiagem, seja nas finanças. O certo é que, dentro do setor, ocorrerão diferentes situações, como cooperativas que têm condições de ajustar e apoiar produtores com recursos próprios (como aquelas que têm, em outros negócios, fontes de renda menos afetadas) e outras que dependerão de crédito oficial para a normalidade de suas próprias atividades.

No caso da estiagem, boa parte delas efetuou seguros para os produtores, e por isso estão mais protegidas, explica Pires. Outras fizeram contratos com tradings e, mesmo sem que o produtor consiga cumprir, irão buscar atender os contratos. Cientes de que os produtores que não colheram o previsto também foram reféns do clima, e como esse agricultor também é dono da cooperativa, dificilmente será executado na Justiça, compara Pires.

"Seria injusto, porque ele não deixou de colher por incompetência, mas pelo clima. Então as cooperativas estão fazendo um acerto, prorrogando os prazos, dentro das condições de cada uma", defende o presidente da Fecoagro. Sem aprovação, até o momento, do programa do governo federal para prorrogar os débitos dentro do sistema cooperativo, como ocorreu com os financiamentos tomados em bancos, o momento é complexo no setor de grãos.

"Cooperativas estão mudando o perfil de endividamento, renegociando e alongando prazos. São as cooperativas que financiam e fornecem insumos para muitos produtores que não têm acesso ao sistema financeiro ou com um complemento", ressalta o dirigente da Fecoagro, destacando que o sistema ainda pressiona a União para contar com algum apoio ao setor.

Dólar, quebra de safra e pandemia têm impactos diversos

Ainda que a valorização cambial tenha feito a saca de soja ultrapassar os R$ 100,00 neste primeiro semestre, em geral, bom para o produtor, a alta pode ter colocado algumas cooperativas em uma encruzilhada. Deste modo, os agricultores costumam deixar uma parcela da colheita depositada nas cooperativas como uma reserva financeira a ser retirada posteriormente - "sacar" essa reserva agora poderá impor um baque financeiro ao setor. Isso porque as cooperativas costumam comercializar o que têm sob garantia, até mesmo por questão de espaço. Entretanto, a soja vendida ao preço de 2019, cerca de R$ 75,00 a R$ 80,00 a saca, agora precisará ser reposta por até mais de R$ 100,00 a saca.

Presidente do Sistema Ocergs/Sescoop, Vergílio Perius diz que os balanços de 2019, atrasados pela pandemia - que limitou a realização de assembleias para aprovação de contas - deverão trazer indicadores atípicos.

"Em 2019 houve mais complexidade para a comercialização da soja. Boa parte das cooperativas segurou as vendas e, quando o dólar iniciou o movimento de alta em janeiro, fevereiro deste ano, começou a comercializar o que estava represado de 2019. Boa parte da safra anterior foi vendida em janeiro, fevereiro e março desse ano", antecipa Perius.

Coordenador de agronegócio do escritório Souto Correa Advogados, Fernando Pellenz avalia que o cenário de dificuldades deve acelerar processos de fusão ou de incorporação de cooperativas em dificuldade por outras em melhor situação. Ao invés de quebrar e deixar inclusive associados e funcionários com problemas financeiros, avalia o advogado, o setor pode retomar negociações que estavam paradas entre cooperativas com mais sucesso.

"Essa antecipação de fusões ocorre em outros setores também e não deve ser diferente nas cooperativas de grãos, principalmente. Já o cooperativismo agroindustrial tem um cenário diferente, porque está produzindo alimentos para o consumo direto", explica o especialista.

Investimentos não param mesmo com a crise

Apesar do momento turbulento, há quem ainda espere crescimento em 2020. É o caso da Cooperativa Languiru, no Vale do Taquari. Após faturamento recorde de R$ 1,441 bilhão em 2019, segue com expectativa de novos ganhos.

Em março, de acordo com Dirceu Bayer, presidente da cooperativa, a projeção era fechar 2020 com R$ 1,8 bilhão de receita. O valor foi revisto, após o avanço da pandemia, para R$ 1,7 bilhão, mas ainda assim significa um aumento de 18% sobre 2019. Esse resultado em plena pandemia, explica Bayer, só é possível com investimentos constantes e diversificação de negócios.

"De todo o grão que consumimos na cooperativa, 95% vem de fora. Isso só é viável porque agregamos valor ao industrializar leite, suínos e aves em mais de 450 produtos. Acabamos de inaugurar a duplicação da nossa capacidade de abate de aves (investimento de R$ 60 milhões)", comemora Bayer.

A Languiru aposta em crescimento ingressando, também, nos mercados chinês e europeu. E espera avançar no varejo, com seu 11º supermercado abrindo as portas no Shopping Lajeado, na BR-386.

Também do Vale do Taquari vem outro belo exemplo. A Cooperativa Dália Alimentos deu início, neste ano, aos primeiros abates em sua recém-inaugurada planta industrial em Arroio do Meio, com investimento que totaliza R$ 190,5 milhões. Só o complexo industrial e o incubatório, bancados com recursos da cooperativa, custaram R$ 96 milhões e R$ 12 milhões, respectivamente. A Dália também tem uma cota na granja de matrizes, que exigiu aportes de R$ 15 milhões.
 
Trabalho conjunto ajuda associados

O ato de cooperar se sobressai em períodos de crise, podendo fazer uma grande diferença nas contas e até mesmo na sobrevivência da atividade rural. Extensionista da Emater e coordenador da instituição, Francisco Manteze destaca que, em meio à pandemia, ser cooperativado trouxe benefícios imediatos a produtores familiares. Manteze lembra que cooperativas, tradicionalmente, são constituídas em períodos de crise.

"A primeira cooperativa foi criada assim, na Revolução Industrial (em 1844, em Rochdale-Manchester, na Inglaterra), unindo trabalhadores contra toda a exploração da mão de obra da época", explica o agrônomo da Emater, que atua mais fortemente com cooperativas que produzem frutas, hortaliças e verduras, com foco na produção familiar de menor porte.

Ele explica ainda, que os produtores cooperativados trocam mais informações e conseguem pressionar mercados institucionais, por exemplo, como nas compras de alimentos do governo para escolas após a pandemia. "Unidos também conseguem evitar intermediadores, vendendo diretamente ao mercado e aumentando os ganhos", aponta.

Atualmente, a Emater atende a 169 cooperativas (de portes variados, indo de 30 associados até 3 mil associados cada uma, e que somam 39 mil pessoas no total). A instituição assessora nos processos de gestão, no acesso a mercados, além do apoio técnico rural.

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